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Atualizado em 24 DE maio DE 2016 ás 15:43

Tupinambás lutam por terra em um estado anti-indígena

Na região de Olivença, no sul da Bahia, índios Tupinambás participam de ações coletivas de retomada de terras, enquanto aguardam, há 12 anos, a conclusão do processo de demarcação. Infelizmente, o jogo de interesse não favorece os índios, que são vítimas de violência por uma frente mista, que coloca "olho grande" no território indígena

LUCAS GAMA*
lucasgama@gmail.com

Desde a colonizaçao do Brasil, os povos indígenas vêm sendo desrespeitados quanto a sua cultura e seus direitos. Em 1500, estima-se que havia entre 2 e 4 milhões de índios no país. Hoje, são cerca de 900 mil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), equivalente a menos de 0,5% da população brasileira. Houve (e há) uma contínua imposição cultural, na forma de se alimentar, de se vestir, na religião. Hoje, os direitos às terras são constantemente negociados, a partir de uma dinâmica econômica que tende a privilegiar os “donos” de terras e de negócios.

No Sul da Bahia, os Tupinambás de Olivença aguardam, há mais de 10 anos, a resolução do processo de demarcação de suas terras. A Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, que compreende 47.376 hectares, em uma área predominantemente de Mata Atlântica e que abrange a costa marítima, engloba a região de Olivença, fazendo limite com a cidade de Ilheus, o município de Una, além de estar próximo de Itabuna. O TI está situado em uma região historicamente pautada pelo cultivo e exportação de cacau. Apesar da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) ter reconhecido, em 2001, a etnia dos tupinambás e, em 2009, ter oficializado a identificação e delimitação da TI, o processo para a demarcação está empacado no Ministério da Justiça, que ultrapassou os prazos legais, impedindo o encaminhamento e continuação do processo. De acordo com estudos realizados pelo Instituto Socioambiental (ISA), em 2015, 228 processos de demarcação de terras indígenas ainda aguardavam homologação judicial.

Enquanto não ocorre a demarcação, os tupinambás lutam para preservar e garantir o seu espaço, principalmente, através da reocupação de terras que tradicionalmente os pertenciam. A intensificação do comércio de cacau nessa região, principalmente com o rush entre 1920 e 1940, foi o principal motor para expulsar os índios de suas terras. Muitas famílias vindas, principalmente do sertão, assumem trabalho e, posteriormente, as terras nas fazendas de cacau – como ilustrado em obras de Jorge Amado, como Cacau e Gabriela, Cravo e Canela. Muitos dos tupinambás aceitam trabalhar nas fazendas ou vão morar nas cidades. Outros foram para as serras, como explica Eduardo Guimarães, antropólogo e doutorando pela UFBA, que estuda questões quilombolas no Sul da Bahia: “como o cacau é uma cultura muito exigente de solos, os índios foram ‘enxotados’ para as serras, onde ficavam as piores terras”.

A partir da década de 60, com a revolução verde, “as terras imprestáveis da serra passam a ser cobiçadas”, continua o antropólogo.  A Serra do Padeiro é o principal exemplo, simbolo da resistência dos Tupinambás, situado no limite do território indígena, abrigando uma das principais sedes dos Tupinambás, principalmente ao ser o local de residência de uma das principais lideranças do povo, o Cacique Babau.

Em foto-montagem, 40 anos do casal seu Lírio e dona Maria. Desde 1966, lutam pela sua terra na aldeia da Serra do Padeiro. A Serra enquadra a penúltima foto, da esquerda pra direita | Imagens: Daniela Alarcon/ Acervo pessoal

Dessa maneira, a reocupação de terra, pelos Tupinambás, que se iniciaram há mais de 10 anos, podem ser interpretadas como a materialização da compreensão coletiva da necessidade de ocupar um espaço que foi retirado, não só pela força bruta, mas também pela conjuntura política, econômica e por preconceito social. A partir das retomadas, os índios assumiram uma postura mais estratégica para pressionar o Estado e garantir os seus direitos originários, além de possibilitar maior visibilidade para a sua causa. Nessas ações, os tupinambás se expandem para dentro do território compreendido como seu, avançando para além dos locais em que foram recuados. Esse movimento resulta em mais terra para a sua agricultura e moradia, bem como possibilita a preservação do território.

Em texto escrito no blog do jornalista Leonardo Sakamoto, a antropóloga e jornalista Daniela Alarcon, que realizou tese de mestrado e um documentário sobre as retomadas de terras pelos Tupinambás, explica que muitos dos índios vivem em situação de extrema pobreza, chegando a passar fome, e que essas ocupações também tem a intenção de resolver essas questões. Em seus discursos, os Tupinambás reiteram a busca por priorizar terras abandonadas ou que pertencem a grandes fazendeiros (evitando ocupar terras dos pequenos produtores). É um ato político, recebido com muita resistência e retaliação.

Em diversas reportagens, Daniela Alarcon cita como os índios foram vítimas em situações de violência policial (em que foi usado armas letais e choques elétrico como tortura), em prisões ilegais de lideranças, em emboscadas por não-indígenas, resultando em assassinatos. Soma-se a tudo isso, uma cobertura negativa pela mídia, com campanhas que negam a identidade dos tupinambás (identificando-os como “falsos índios”), dando voz à declarações que incitam o preconceito e o ódio.

Leia mais aqui sobre atos de violência contra os tupinambás:

http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/06/a-inversao-de-papeis-na-historia-da-prisao-do-cacique-babau-5412.html

Nesse movimento de retaliação, a antropóloga relata a formação de uma frente heterogênea que se mobiliza contra os índios, formada pela oligarquia local e externa, em que o ponto em comum entre eles é a vontade de abocanhar a terra indígena. Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil,  no dia 19 de Janeiro de 2015, Daniela explica:

“Como se vê, são vários interesses em jogo: proprietários de resorts, construtoras, fazendeiros, empresas que exploram areais, indivíduos que têm casas de veraneio em Olivença, posseiros e sitiantes. Em 2009, foram apresentadas à Funai cinco manifestações solicitando a anulação do relatório de identificação, a redução da terra indígena e mesmo a anulação do processo e seu arquivamento. Os autores das contestações eram uma entidade de representação de produtores rurais de Ilhéus, uma empresa do setor hoteleiro, um grupo composto por 485 pretensos proprietários de terras, o município de Ilhéus e a prefeitura de Una. É importante notar que todas as contestações foram indeferidas.”

Documentário divulga a situação dos Tupinambás de Olivença

Lançado em 2015, o documentário de curta metragem Tupinambá – O Retorno da Terra, mostra a  disputa dos povos indígenas Tupinambás pelas suas terras e pelos seus direitos. O documentário, dirigido por Daniela Alarcon, fruto da sua tese de mestrado, pela Universidade de Brasília (UNB), surge pela urgência em dar visibilidade à causa e à realidade violenta que acompanha os Tupinambás. No mês passado (abril), por exemplo, o cacique Babau, uma das principais lideranças dos tupinambás, foi preso ( pela quarta vez), após tentar impedir a retirada de areia, em um areal dentro do território Tupinambá.

Por sua vez, esse cenário de retirada de areia em jazidas do território indígena tem se intensificado, devido quadro de fortalecimento da construção civil, na região. Mesmo com embargo determinado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o juiz Lincoln Pinheiro da Costa, da Justiça Federal de Ilhéus (BA), liberou a retirada da areia por força de uma liminar. Já Babau, foi preso, após perseguição da polícia, com alegação de porte ilegal de arma.

Cartaz do documentário: Tupinambá: O retorno da terra | Imagem: Reprodução

O documentário está sendo exibindo pelo Brasil (em Salvador foi apresentado nos meses de março e abril deste ano) e pelo mundo (com exibição na Inglaterra e França prevista para esse mês), em sessões de debate com a presença da realizadora. O documentário também pode ser assistido online.

Temer ou não temer? Como fica a situação dos povos indígenas com a posse do presidente interino – Com a posse do presidente interino, a situação, em nível nacional, dos povos indígenas, pode piorar. Temer responde a uma aliança com a bancada evangélica e ruralista, que, por exemplo, está na frente da articulação pela aprovação Proposta de Emenda à Constituição – PEC 215, que tem, como principais questões:

– Transferir do Executivo para o Congresso, o poder de decisão sobre a demarcação de terras (indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental)
– Proibir a ampliação de terras já demarcadas
– Garantir indenizações para os proprietários de terras que foram demarcadas
– Cristalizar o Marco Temporal para 1988. (leia mais aqui)

Infelizmente, essa é apenas uma das muitas propostas da bancada ruralista. Aqui, podemos também citar a movimentação em favor da atuação das Forças Armadas em situações de conflito de terra, assim como a restrição do licenciamento ambiental, que por sua vez infringe diretamente nas questões indígenas ao facilitar a instalações de empreendimentos sem uma prévia consulta e autorização por órgãos, como o FUNAI e o IBAMA, que tem maior sensibilidade às causas dos povos originários.

*Graduando em Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA e estagiário da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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