Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 18 DE agosto DE 2012 ás 18:44

O maior impasse do SUS

“É a política o motivo da diferença entre o sonho do SUS e a realidade”. A afirmação da médica e assistente social Kátia Maia, trabalhadora de um posto municipal de saúde, é a mesma de vários estudiosos brasileiros. O principal desafio do Sistema Único de Saúde (SUS) é político. Ao afirmar que a saúde é um direito de todos e um dever do estado, a constituição deixa claro que é o estado quem deve garantir os recursos financeiros necessários para que todos os brasileiros tenham acesso à saúde. E a decisão de quanto, como e qual parte do dinheiro cabe a cada esfera de governo é motivo de discussões e pressões políticas há anos. Em janeiro de 2012, a Emenda Constitucional 29, que dispõe sobre cada uma dessas questões, foi sancionada. O resultado foi considerado insatisfatório pelos militantes do SUS.

POR INÊS COSTAL*

O que foi definido na constituição

O financiamento do SUS não é sonho nem ideal. Se a Constituição Federal de 88 fosse seguida à risca, o Brasil teria um financiamento mais compatível com o tamanho de sua economia. E sim, isso é possível. Basta comparar. O país investe menos em saúde do que os EUA e o México, países que rejeitam um sistema público de saúde. Na Argentina e no Uruguai, países de economia menor, os gastos públicos per capita em saúde são maiores.

Você conhece o SUS?

A vigilância do mundo

O controle das doenças

“Os constituintes de 1988 não foram sonhadores quando asseguraram o SUS. Quando o sistema foi pensando, deveriam ser usados recursos da previdência, de impostos gerais da União, além de outras fontes adicionais como parte do lucro das empresas, participação das loterias, entre outros. Então, quando o SUS foi pensado, também foi pensado no seu financiamento”, esclarece Jairnilson Paim, docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia.

Segundo a Constituição Federal (CF) de 88, cabia a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a definição de quanto deve ser gasto em saúde. Para não haver uma lacuna, a CF definiu apenas o valor para o ano de 1989: a União deveria alocar 30% da Seguridade Social para a saúde. Entre 1990 e 1993, a LDO repetiu esse mesmo montante para investimento em saúde. O percentual nunca foi cumprido, a média de investimento nestes anos ficou em cerca de 20%.

Em 1993, o então Ministro da Previdência, Antonio Brito, não repassou os recursos da previdência para o Ministério da Saúde, o que gerou uma enorme crise no setor. A partir de 1994, o percentual deixou de ser citado na LDO e o financiamento da saúde se tornou dependente de vontade política.

Emenda Constitucional 29

Ainda em 1993, em meio à crise gerada pela falta de recursos da previdência social, foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 169 que continha valores mínimos para os municípios, estados e União investirem em saúde. A PEC definia, além do mínimo de 30% do Orçamento da Seguridade Social, 10% da receita fiscal para União, estados e municípios. A PEC foi aprovada em várias comissões, passou por algumas transformações, mas só foi votada e transformada em Emenda Constitucional 29 (EC29) em 2000. A regulamentação só aconteceu recentemente, em dezembro de 2011.

Antes da regulamentação os governos podiam usar subterfúgios, como pagar serviços de limpeza e saneamento ou até o plano de saúde dos funcionários públicos, e declarar como gastos públicos de saúde. Com a emenda regulamentada, ficou definido o que é saúde pública e evita-se perda de dinheiro para o setor. Mas, as demais definições sobre a emenda não são consideradas positivas pelos defensores do SUS.

A EC29 foi sancionada com duas alterações importantes: foram fixados respectivamente 12% e 15% da receita para estados e municípios investirem em saúde e para a União o valor do ano anterior mais a “variação nominal do PIB dos dois anos anteriores”. Em resumo, isso significa que o governo federal vai investir em saúde o mesmo valor do ano anterior acrescido do percentual de crescimento da economia brasileira, o  Produto Interno Bruto (PIB), dos dois anos anteriores.

A decisão é considerada uma derrota para os militantes do SUS porque mantém como base dos recursos federais o valor que já é investido e é considerado insuficiente para a saúde. Segundo o Programa RADIS de Comunicação e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, optar por manter esse valor ao invés de investir 10% das receitas brutas da União representa menos R$14 bilhões para a saúde só em 2012. No caso dos recursos estadual e municipal houve um aumento do percentual, antes as esferas deveriam investir 10% de suas receitas no setor.

Paim critica duramente as mudanças feitas na regulamentação da EC29. “Há efetivamente uma falta de apoio político ao SUS pelo estado brasileiro, seja pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário e a regulamentação foi a maior prova disso. Dois dos poderes, o executivo que pressionou e o legislativo que acatou, estavam dando um sinal de que não querem ter um sistema público e universal de saúde no Brasil”, afirmou.Segundo o pesquisador, o que foi aprovado não garante a estabilidade de financiamento para o SUS. “O SUS não tem sua sustentabilidade econômica garantida. O SUS vai sempre estar à deriva, sujeito aos interesses do executivo e do legislativo, sujeito a cortes. Corremos o risco de sempre reproduzir o SUS para pobre”, concluiu.

Quem sustenta a saúde no Brasil

Como já dito, o SUS é financiado pelas receitas e contribuições sociais das esferas federal, estadual e municipal. Já o sistema de saúde brasileiro como um todo é financiado por esses mesmos recursos, mais o chamado desembolso direto, os gastos que a população tem quando paga do seu bolso por produtos e serviços para saúde, como remédios e exames; e mais os gastos dos empregadores com os planos de saúde para seus funcionários. Segundo a revista Economist, 60% dos gastos com saúde são pagos pelas empresas e famílias, e são as famílias quem mais arcam com os gastos uma vez que as empresam repassam seus custos para os serviços e produtos que oferecem.

O percentual é considerado alto porque, ao optar por um sistema de saúde universal, os gastos com saúde deveriam ser assumidos, em sua maioria, pelo estado. Na Alemanha e Canadá, países que também tem um sistema de saúde universal, 70% dos gastos de saúde é público.

Glossário

1. PIB: O Produto Interno Bruto é a soma das riquezas, ou seja, todos os serviços e bens produzidos. É o principal medidor do crescimento econômico de uma região, quanto maior o PIB, maior o crescimento da economia, o que significa mais empregos, diminuição de preços e mais produtos no mercado.

*Inês Costal é Jornalista e Pós-Graduada em Jornalismo Científico pela Faculdade de Comunicação da UFBA.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *