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Atualizado em 4 DE abril DE 2019 ás 10:00

Modelo econômico e sustentação do projeto

O que, como, quanto e para quem a comunidade produz? Essa é a pergunta respondida na última matéria, da série especial, produzida pela jornalista e ativista Liliana Peixinho

POR LILIANA PEIXINHO*
lilianapeixinho@gmail.com

O marco inicial da ideia do Recanto Peixinhos foi em 1996. A partir daí foram cinco anos de debates, experimentos, adaptações, até ser concretizado, em 2000, como proposta legal e formal e na forma de um negócio próprio, vencendo, aos poucos, o desafio de viver bem na região onde nasceu, com a prática das atividades agropecuárias de forma harmoniosa. Os altos índices de êxodo rural da região desapareceram. O exemplo do Recanto Peixinhos tem sido inspiração para a prática da produção agroecológica. E o prazer e compromisso com a terra onde nasceu, para de viver de forma harmoniosa, seja orgulho de todos.

O modelo de gestão é cooperativa familiar. Cada família tem a responsabilidade de produzir, acompanhar e distribuir a produção de forma justa, sem deixar ninguém com mais, ou menos do que necessário para a satisfação das necessidades, sejam elas, de alimentos, de manutenção de suas residências e assistência médica e de viagens que fazem nos programas de articulação com outros projetos, Brasil e mundo afora.

O projeto se sustenta nos seguintes pilares: preservar os valores socioculturais e religiosos da família; ter o próprio negócio; não migrar para São Paulo ou outro grande centro; vencer o desafio de viver bem na região, praticando as atividades agroecológicas; viver e produzir em harmônia com o ambiente.

Visitas técnicas são constantes no Recanto Peixinhos/ Foto: Liliana Peixinho

Mais que teoria sistematizada em vídeos, apresentações de power point, relatórios, palestras, mesas redondas, seminários, encontro, o Recanto Peixinhos coloca em prática a máxima de “Fazer a fala” e isso pode ser comprovado em todo o tempo que a reportagem esteve presente, acompanhado as atividades cotidianas, em duas visitas in loco.

Atividades como vivências e práticas religiosas; missas, novenários, grupos de animação, participação em pastorais; catequeses com crianças e jovens; celebrações e terços em família, nutrem o compromisso espiritual de fé e religiosidade do Projeto.

Como todo trabalho bem sucedido existem os elos sociais, Barreira do Tubarão afora. Tanto o projeto se faz representar fora do seu espaço geográfico, como recebe representações de fora. Associações, cooperativas, sindicatos, grupos de reflorestamento, turmas de alunos de escolas da região, professores, ambientalistas, cientistas, jornalistas e estudiosos, procuram o projeto para entender e multiplicar suas práticas, Bahia, Brasil, mundo afora. Em abril de 2018, por exemplo, Antonio Peixinho representou o projeto na América Central, levando a experiência e trazendo outras, de agricultores da Nicarágua.

A administração requer planejamentos anual, mensal e semanal. Controle de mão de obra, anotações diárias, mensais e anuais e um calendário de trabalho com 26 dias/mês para todos que trabalham. O controle financeiro é feito através de caixa único, com retirada mensal é necessidades extras. Existe Livro Caixa,  fluxo de caixa é balanço patrimonial.

No final do ano, ao fechar os controles, é contabilizado quanto cada um ganhou e gastou no período. Com o valor que sobra desse caixa único, as famílias que integram o Recanto Peixinhos decidem, em assembleia, o que fazer. O objetivo é sempre garantir o sustento das famílias, com harmonia e compromisso coletivo.

Budega coletiva armazena alimentos das famílias / Foto: Liliana Peixinho

Os resultados são apresentados de forma transparente, para o próprio núcleo administrativo e para os visitantes que querem saber sobre o processo de trabalho, e seguir o exemplo do projeto. Trabalho que não surgiu de repente. Foram necessários anos e anos de ajustes aos procedimentos para colher os frutos de muito trabalho, compromisso, união familiar e comunitária. O caminho do sucesso do projeto é discussão permanente, união das famílias e a perspectiva de promover o desenvolvimento econômico, sociocultural, educacional e ambiental, de forma transversal.

Existe em funcionamento diário uma série de atividades integradas à filosofia do projeto que é produzir de forma orgânica, harmoniosa com o ambiente. A administração do projeto divide as atividades em setores de produção como apicultura, melipolicultura, ovinocultura, piscicultura, avinocultura, fruticultura e bodega coletiva.

Apicultura – A produção de mel de abelhas, feita de forma coletiva, é o que dá sustentação econômica para garantir o que a comunidade não produz. Além de ser uma importante fonte de renda, a criação de abelhas aumenta a polinização natural de plantas que sustentam a vida e o ecossistema caatinga. Historicamente castigado pela falta d’água em suas múltiplas atividades de uso, o sistema sofre, também, com a estiagem que castiga o ambiente e obriga os produtores a migrar as casas de abelha para um ou outro lugar, onde as chuvas chegam mais cedo.

Esse trabalho é complicado e exige deslocamentos perigosos, em estradas sem estruturas. No entanto, com a coragem e o compromisso típicos de um povo que não desiste e se pauta em recomeços, dessa forma, a migração é uma alternativa para garantir a produtividade nos períodos de estiagem, para manter os enxames em condições favoráveis para a produção e em cadeia harmoniosa para a  extração de mel, própolis, cera e pólen.

A apicultura como elo entre preservação e renda / Foto: Liliana Peixinho

Fui convidada para um almoço na casa da família de Antônio é Gidelma. Normalmente, o almoço é servido a meio- dia. A esposa de Antônio preparou um super almoço, com galinha caipira, pirão, legumes cozidos, saladas cruas, suco de graviola, tudo muito caprichado. Deu meio- dia, uma hora, e nada de Antonio chegar da viagem que sempre faz, para levar, observar, dar manutenção e recolher as caixas de produção de mel.

Antônio tem sempre muitas histórias e informações novas sobre o que acontece entre as diversas fases da produção de mel, principalmente sobre a instalação das caixas num raio médio de 200 quilômetros da região. São roubos de caixas, perdas, avarias ou mesmo floração comprometida em função do tempo ou de chuvas, esperadas e não vindas.

Meliponicultura - Outra atividade é a criação de abelhas sem ferrão, como as espécies mandaçaia ou mosquito. As espécies de abelhas são polinizadoras e o trabalho contra a extinção é constante e requer mais tempo dos trabalhadores, que lutam contra as agressões ao ecossistema. Na caatinga, as abelhas sofrem com a ação humana quando extrai o mel e destrói árvores, onde estão as colméias. Realidade que as famílias do Recanto Peixinhos assumiram com o compromisso de resgatar, preservar e multiplicar essas espécies, através da criação de abelhas ao redor de suas casas.

Ovinocultura - A criação de ovelhas é uma atividade que a comunidade considera viável e rentável, por se tratar de animais adaptados à região. Eles se alimentam de forragens disponíveis na propriedade como silagem de cana- de açúcar e milho – também consumido pelas famílias – e produzem esterco, utilizado como adubo orgânico no cultivo de hortaliças e criação de peixes. Além de garantir parte da renda familiar, as ovelhas fazem parte do cardápio dos integrantes do projeto.

Piscicultura – O peixe é um dos quatro tipos de carnes usadas pela comunidade (os outros são galinha, boi e ovelha). A criação é feita em tanques naturais, que recebem água das chuvas ou de canos que vêm de um sistema implantado para suprir o bom funcionamento do ambiente, onde os peixes se reproduzem. Esses tanques de criação são alimentados por meio de um sistema de reaproveitamento de subprodutos da cozinha e de outros ambientes com sobras alimentos. Nada se perde, tudo é integralmente utilizado aqui ou ali. Há sempre um lugar, um ambiente, um animal, uma terra para ser aproveitada organicamente.

Avinocultura - A criação de galinhas, com a produção de ovos, entra nesse sistema de garantia de uma alimentação diversificada em proteínas, por meio dos ciclos de reaproveitamento de cascas de frutas, legumes, hortaliças ou qualquer resíduo orgânico em que não tenha tido tempo para entrar na cadeia alimentar humana.

As galinhas são tratadas com medicamentos naturais para produção de ovos e alimento das famílias / Foto: Liliana Peixinhos

Fruticultura - As crianças adoram subir nas árvores, catar, ou coletar frutas maduras, caídas ao chão, ou que estão madurinhas, no pé, esperando um pássaro ou um humano, para ir lá, colher, saborear. Como a produção é sempre superior à necessidade imediata do consumo diário, a comunidade faz o planejamento da coleta para a produção de polpas, pois desperdício zero é regra é compromisso diário, de cada um, seja a criança que começa a andar, seja o visitante ou o morador mais antigo. Qualquer resíduo desse sistema é utilizado na horta, com os animais ou na compostagem. Existem vasilhas específicas, em cada canto da casa ou roça, para se colocar isso em prática.

Bodega coletiva - Como antigamente, as pessoas vão até a bodega, pega o produto, e anota num classificador, no espaço específico para cada família, com a data, o  nome, e quantidade e o peso de cada produto. Esse é o espaço onde se pratica a Economia Solidária. Tudo o que é produzido na comunidade e o que se adquire em compras feitas a granel e em grande quantidade, para baratear os custos e reduzir as idas e vindas aos mercados de outras cidades, como Heliópolis e Ribeira do Pombal, fica disponível nas prateleiras e nos freezers adquiridos para conservar produtos como carnes e polpas de  frutas. A quantidade utilizada é contabilizada conforme os acordos estabelecidos pelo grupo.

*Liliana Peixinho – Jornalista, ativista, Especializada em Jornalismo Científico e Meio Ambiente. Fundadora e coordenadora do Movimento AMA. MIDIA ORGANICA. REAJA. RAMA. Colaboradora de diversas mídias especializadas em Jornalismo Ambiental.

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