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Atualizado em 16 DE abril DE 2013 ás 19:02

Convivência com o semiárido versus combate à seca

Diante da mais longa estiagem dos últimos 30 anos, as políticas públicas para o semiárido insistem no fracassado modelo de “enfrentamento da seca”.

POR RAIMUNDO SANTANA*

A prolongada estiagem enfrentada pela região Nordeste – que também tem afetado municípios do Sul do Brasil – é tratada tanto pelos veículos de comunicação quanto órgãos oficiais de governo como a pior seca dos últimos 30 anos. Do ponto de vista do senso comum, a impressão é não há alternativas de convivência com esse fenômeno da natureza. Além do impacto da seca, propriamente dita, na vida das populações sertanejas, as cifras são repetidas à exaustão por esses mesmo veículos.

Manchetes como “Bahia terá mais R$ 50,9 milhões para combate aos efeitos da seca”4; “Crédito emergencial para seca pode ser sacado a partir desta segunda” 5; “Secretários de Agricultura reivindicam recursos ao BNDES para ações estruturantes” 6 ou “Embasa investe R$ 535 milhões em ações de enfrentamento aos efeitos da seca” 7 revelam, em boa medida, como o fenômeno natural da estiagem vem sendo percebido pelo governo e também pela mídia. Dificilmente, trata-se do fortalecimento das Tecnologias Sociais na convivência com o semiárido. O discurso que prevalece seja na mídia ou nos órgãos oficiais é sempre os “aspectos emergências” e a “necessidade do combate da seca”.

Coordenador do Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas, o P1MC, na Bahia, Gutierres Barbosa Gaspar de Souza destaca que o P1MC foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), beneficiou diretamente mais de dois milhões de pessoas, em mais de 1.070 municípios, com a construção de quase 376 mil cisternas de placas, mobilizando um significativo contingente de pedreiros e pedreiras. No seminário, ocorrido em março deste ano, Microrregional de Avaliação do Projeto Cisternas II, Gutierres não pestanejou: “A construção de cisternas é sem dúvida a principal proposta do Programa Água para Todos. O detalhe de grande importância é qualidade da água que, além de viabilizar bons indicadores de saúde das crianças e adultos, tem possibilitado a implantação de hortas orgânicas consumidas nas escolas da região”, assegurou.

A implementação das cisternas de placas é uma iniciativa para a convivência com o semiárido. Foto: Edvan Lessa.

A implementação das cisternas de placas é uma iniciativa para assegurar a convivência com o semiárido. Foto: Edvan Lessa.

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Derivados do P1MC há outras três iniciativas cujo pano de fundo é o fortalecimento da dimensão cidadã, cultural e política de comunidades historicamente apartadas de políticas de desenvolvimento social: Projeto Cisternas, o Projeto Cisternas nas Escolas e o Projeto Cidades Sustentáveis.

Disputa de agenda

As disputas de projetos e orientações em relação a políticas públicas – sejam na sociedade ou no interior do próprio governo (no plano nacional, nos estados ou município) – não se dão numa maré de águas mornas. Diferentes atores, a exemplo dos autonomeados movimentos sociais, comunidade científica, comunidade beneficiada, agentes do Estado e mesmo empresários, disputam palmo a palmo os espaços destinados ao jogo político de poder e contra poder. É uma disputa de agendas. Contudo, nem sempre ganha quem tem maior capacidade de aglutinação e mobilização social, mas sim influência, poder de barganha e articulação no tabuleiro das decisões políticas. A instalação das cisternas de plástico em boa medida reflete esse emaranhado de disputas.

Representando o Governo da Bahia no Encontro Microrregional de Avaliação do Projeto Cisternas II: Água para Consumo Humano e Produção, Maria Moraes de Carvalho Mota, chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza – um dos tantos órgãos do Governo da Bahia com intervenção específica no semiárido – ressaltou “que essas disputas em relação aos diferentes projetos dentro da estrutura governamental, seja qual for o nível, só é possível porque conquistamos a democracia na relação entre Estado e sociedade”. Ela exemplificou essas disputas, citando a instalação das cisternas de PVC de um lado e as cisternas de placas do outro.

Diferentemente do clima de tensão e desconfiança iniciado com a ameaça do fim do contrato entre Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), hoje já superado, a entidade e seus associados estão comemorando o lançamento em Brasília (DF) do Programa de Replicação de Tecnologias Sociais – Cisternas de Placas, da Fundação Banco do Brasil. Inserido no Programa Água para Todos, do Governo Federal, o programa prevê a construção de 60 mil cisternas de placas, na região semiárida do Brasil, utilizando a metodologia e tecnologia da ASA. Os reservatórios serão construídos para garantir a cerca de 300 mil pessoas o direito à água potável e de qualidade. A ação faz parte do Plano de Combate a Extrema Pobreza lançado pela presidente Dilma no início do seu governo.

Único deputado estadual baiano a se posicionar contra o uso das cisternas de PVC, Marcelino Galo lembrou o fato de haver perda de autonomia das famílias em função da dependência da empresa responsável pela instalação das cisternas para gerir um recurso natural. “A tecnologia das cisternas – já apropriada e replicada pelas comunidades carentes do semiárido – é umas das experiências mais exitosas e que desbanca aquela concepção de enfrentamento da seca”. O parlamentar disse ainda estranhar a mudança do MDS em relação às cisternas, com favorecimento às de PVC.

“Nós do Partido dos Trabalhadores não temos o direito de negar os avanços sociais trazidos pelas cisternas. É falso o discurso de aceleração da universalização do acesso à água a partir do reservatório de PVC, pois não considera todo o processo de mobilização e participação popular que ao final revela um novo cidadão e uma nova cidadã donos de sua história”, afirmou.

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* Raimundo Santana é jornalista e especialista em  Jornalismo Científico e Tecnológico.

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