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Atualizado em 15 DE abril DE 2013 ás 18:01

A problemática cisterna de PVC

Compra de milhares de cisternas de PVC amplia a estratégia de repasse de recursos públicos para as empresas privadas, perpetuando um modelo histórico de dominação política e econômica na região.

POR RAIMUNDO SANTANA*

A estratégia das cisternas já foi acolhida no interior do Governo Federal através do Ministério de Desenvolvimento Social. No entanto, a tecnologia está longe de ser unânime entre os operadores e formuladores das Políticas Públicas de Inclusão Social (PIS) e da Política Científica e Tecnológica (PCT). Exemplo ilustrativo dessa falta de unanimidade pôde ser constatado em dezembro de 2011 quando o governo tornou público que iria fazer mudança a partir dos arranjos para o Plano Brasil Sem Miséria.

Após vários protestos, o Governo federal resolveu voltar atrás e dar continuidade ao convênio, mas também resolveu, a título de universalizar o acesso à água, instalar cisternas plásticas via Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), ligada ao Ministério da Integração Nacional. A instalação desses equipamentos de PVC deflagrou a campanha Cisternas de Plástico/PVC – Somos Contra! Encabeçada pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA).

Mais do que um assunto controverso, o valor pago pelo Governo Federal por essas cisternas de plástico tem gerado forte questionamento por parte dessas entidades que defendem a convivência com o semiárido. O custo é mais do que o dobro do valor das cisternas de placas que fica por R$ 2.080, enquanto que a de plástico custa R$ 5.000. Pelo levantamento da ASA, para cada 10 mil cisternas suas construídas, há uma injeção de R$ 20 milhões na economia local. Com as de plástico, a maior parte dos recursos públicos ficará nas mãos dos empresários. A partir dessa constatação, não é difícil supor que a população se tornaria dependente das empresas para a manutenção e a reposição, visto que ela não dominará a técnica.

Imagem: Reprodução.

Imagem: Reprodução.

Além do valor do equipamento, essas entidades – também conhecidas como organizações do movimento social – põem em debate a qualidade desses reservatórios de até 16 mil litros, pois vêm apresentando deformações na sua textura por força da superexposição ao sol em várias localidades.

De acordo com as entidades articuladas no entorno da ASA, a compra de milhares de cisternas de PVC de empresas que estão sendo instaladas na região amplia a estratégia de repasse de recursos públicos para as empresas privadas perpetuando assim um modelo histórico de dominação política e econômica na região. Para essas organizações, assiste-se a “um retrocesso que pode resultar no retorno das velhas práticas da indústria da seca, onde as famílias são colocadas novamente como reféns de políticos e empresas, tirando-lhes o direito de construírem sua história”, disparou Mauro Macedo, dirigente da SAET – Sociedade de Ações Educativas e Tecnológicas, com sede em Sobradinho.

Em dezembro de 2011, ápice da crise entre a ASA e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o coordenador executivo da entidade, Naidison Baptista, chegou a afirmar à imprensa que “o governo havia rompido com a parceria com a ASA, mas os ladrões não estão no nosso meio; nós não somos construtores de cisternas apenas, nós somos uma rede de organizações da sociedade civil que influencia a política para o semiárido como parte do processo democrático”. “Temos orgulho de ter pautado o governo federal para a construção de cisternas e de políticas de convivência. Se você voar hoje sobre o semiárido, vai ver os pontinhos brancos. São as cisternas. As pessoas não entram mais na fila da água em troca de voto. Cortamos a raiz do coronelismo do Nordeste. Então perguntamos: por quê?”, enfatizou. (Confira o protesto do dirigente da ASA, Naidison Baptista.)

Diferente dos reservatórios de PVC, as cisternas de placas garantem que o próprio pedreiro da comunidade realize a sua manutenção. Foto: Raimundo Santana.

As cisternas de placas garantem que o próprio pedreiro da comunidade realize a manutenção de maneira simples. Foto: Raimundo Santana.

Vale destacar que, apesar de ameaças do fim do convênio entre o Governo Federal e ONGs, as iniciativas da ASA e seus parceiros afins espalhados pela região colocaram as famílias como protagonistas da política pública de acesso à água. Na sua coluna das segundas-feiras, na Revista Época (19/12/20110), a jornalista Eliane Brum afirmou que “numa entrevista à TV Brasil, em novembro de 2011, Luiz Navarro, secretário-executivo da Controladoria Geral da União (CGU), disse que algumas organizações não governamentais apresentavam mais condições de realizar determinadas ações do que o Estado. Entre os exemplos, afirmou que haviam acabado de avaliar o Programa Um milhão de cisternas, da ASA: ‘Nossa avaliação é extremamente positiva. Não sei se o Estado teria o mesmo dinamismo para fazer o que essas ONGs têm feito”’.

Ministério responde

Levantamentos extraoficiais apontam que nas duas gestões do presidente Lula da Silva foram construídas 325.960 cisternas, o que equivale a uma média de 40 mil/ano. Já no primeiro ano do mandato da presidente Dilma, 2011, estima-se que essa média tenha alcançado 3.248 entregas desses equipamentos. O MDS, por seu turno, anunciou no início deste ano que a meta do governo Dilma Rousseff é construir 750 mil cisternas, quantidade considerada suficiente para universalizar o armazenamento de água na região.

Espera-se que a construção de 1 milhão de cisternas de 16 mil litros viabilize um estoque de ao menos 16 bilhões de litros de água potável. A partir desta meta, o sonho das entidades que trabalham com o semiárido é que “o sertão vire mar de verdade”; daí a importância do P1MC.

Em nota oficial, distribuída no final do ano passado, o Ministério da Integração Nacional (MIN) afirmou que o objetivo é levar, até 2014, água para 750 mil pessoas de Pernambuco, Piauí, Alagoas, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão por meio de tecnologias diferenciadas, entre elas, cisternas de polietileno e de placas, e sistemas simplificados de abastecimento. Segundo a nota “a cisterna, de polietileno (plástico), tem tecnologia moderna, amplamente testada com sucesso em diversos países de clima desértico, como México e Austrália. O material é mais fácil de ser manuseado, o que permite uma instalação mais rápida”.

O fato concreto é que as ONGs que atuam na perspectiva de convivência com o semiárido temem que as cisternas de plástico se transformem em um perverso instrumento a partir do qual deputados, prefeitos e outros gestores passem a transformar esses reservatórios de água (um direito) em “benesses” ironicamente entregues em praça pública.

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* Raimundo Santana é jornalista e especialista em  Jornalismo Científico e Tecnológico.

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