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Atualizado em 29 DE abril DE 2013 ás 21:35

Seminário Mídia e Direitos Humanos debate a cobertura do “caso Itamar”

A cobertura sensacionalista dos jornais baianos do assassinato do estudante Itamar Ferreira de Souza foi o tema central do Seminário Mídia e Direitos Humanos realizado pelo CCDC.

POR NÁDIA CONCEIÇÃO*
nadconceicao@gmail.com

É cada vez mais comum observar a forma descompromissada com que os veículos de comunicação baianos tratam crimes que envolvem a população de classe baixa, mais especificamente negros e homossexuais. Nos últimos dias, a sociedade presenciou a morte dupla (morte do corpo e da moral) do estudante de Comunicação da Facom-UFBA, Itamar Ferreira, morto covardemente por moradores em situação de rua. O crime, com suspeitas de ter sido cometido em caráter homofóbico, ocorreu na madrugada do dia 13 de abril, na Praça do Campo Grande, centro da cidade de Salvador.

O crime e a cobertura do mesmo pela mídia foi tema do 3º Seminário Mídia e Cidadania, realizado na manhã da última sexta-feira (26), pelo Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC), da Faculdade de Comunicação da UFBA, em parceria com o Coletivo Intervozes e a Cipó.

O objetivo do seminário, que reuniu o jornalista da Rede ANDI Brasil-MG, Adriano Guerra, o Superintendente de Apoio de Defesa aos Direitos Humanos da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia, doutor Ailton Ferreira, a editora do jornal A Tarde, Cleidiana Ramos, o Defensor Público Federal, doutor João Paulo Lordelo e o diretor da Facom, Giovandro Ferreira, foi refletir e propor soluções para que casos como o de Itamar sejam tratados com respeito pela mídia, além da divulgação do mapeamento de casos de violação dos direitos humanos em programas jornalísticos da televisão baiana.

De acordo com o professor e também diretor da Faculdade de Comunicação da UFBA, Giovandro Ferreira, que tem acompanhado de perto a cobertura jornalística do assassinato de Itamar, a morte dele foi dupla, pois ele morreu pelos assassinos e ainda teve sua moral destruída pela mídia sensacionalista, que não se preocupa com uma apuração isenta das informações e que busca a polícia como fonte única. Ele também pontuou que essa fonte única é, de certo modo, proporcionada pelo imediatismo do jornalismo atual.

Foto: Clarissa Viana

Professor Giovandro acompanha de perto a cobertura do assassinato do estudante Itamar Ferreira / Foto Clarissa Viana

Ferreira enfatiza ainda a importância de as pessoas encararem os direitos Civis, Políticos, Sociais e o direito à Comunicação como dinâmicos e que a sociedade tenha a consciência de exigir políticas públicas, sobretudo quando se vive em um ambiente midiatizado como o mundo atual. Outra preocupação do professor são as dificuldades encontradas no estabelecimento da relação entre o que a mídia diz e o que as pessoas absorvem como importantes e verdadeiras.

“Temos a dificuldade que vai desde a visão instrumental do meio de comunicação e passa pela sua concentração e pelo lugar restrito em que a comunicação comunitária tem nesses meios, sendo que essa dificuldade nos traz muitas preocupações, como a implicação entre a parceria mídia e público, que nos faz questionar se ela – a mídia – tem mais nos auxiliado ou tem nos levado para a barbárie e a intolerância?”, questiona o diretor.

Para o Superintendente de Apoio de Defesa aos Direitos Humanos da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia, Ailton Ferreira, a omissão e o descompromisso da mídia em algumas coberturas se dão pelo fato de que a sociedade não respeita a diversidade, o que é reforçado pelo posicionamento de descasos do Estado com os “diferentes”.

“A diversidade precisa ser respeitada e não apenas no discurso, mas na prática. O desrespeito é confirmado e consolidado através do Estado brasileiro, pois ele não foi feito para o Itamar, não foi feito para os homossexuais, nem para os índios muito menos para os negros”, desabafa o superintendente, ressaltando que o ambiente atual tem sido favorável à mudança devido à criação de espaços democráticos que promovem discussões, como a realização de conferências.

Com relação às coberturas nos jornais baianos, analisadas e criticadas durante o Seminário – e chamados de sensacionalistas por boa parte da plateia do Seminário -, a editora do Jornal A Tarde, Cleidiana Ramos, reforçou que certos erros têm sido recorrentes, pois o jornalista não tem mais tempo de refletir sobre o fazer jornalístico. Por outro lado, um mercado cada vez mais competitivo na profissão faz com que o ele não se especialize em nada, o que comprova que “esses erros em geral ocorrem por ignorância, desconhecimento dos assuntos abordados pelo jornalista”, disse. A jornalista também afirmou ser fundamental restabelecer o contato com a sociedade no âmbito da reflexão, como ocorreu durante a realização do seminário na Facom.

O Defensor Público Federal João Paulo Lordelo, em sua fala, deu ênfase ao importante papel da mídia como concretizadora dos Direitos humanos. “Sabe-se da importância do papel conscientizador da mídia nos dias atuais, contudo, tenho muitas críticas com relação à coberturas feitas recentemente, pois tem se constituído como um papel cruel para pessoas de baixa renda. A mídia dá corpo ao espetáculo e em geral acaba criando uma competição com os crimes, não contemplando um ambiente favorável à instauração dos Direitos Humanos, que é por direito de todo e qualquer cidadão”, explicou.

O jornalista da Rede Andi Brasil, Adriano Guerra, de Minas Gerais, defendeu a aprovação do marco regulatório para a comunicação e o diálogo entre a sociedade civil e a mídia e os meios de comunicação. Também houve espaço para a crítica em relação à proposta, em discussão na atualidade, sobre a redução da maioridade penal. Guerra e Lordelo ressaltaram que a atual PEC da Criança e do Adolescente já prevê contrapartidas bastante fortes para os jovens que cometem crimes.

Foto: Clarissa Viana

Plateia composta de amigos do estudante assassinado brutalmente na Praça do Campo Grande / Foto Clarissa Viana

Discussão – O Seminário ainda contou com intensa participação da plateia no momento de debate. Entre as principais questões levantadas, por alunos, jornalistas e professores, estiveram a necessidade de uma formação mais consistente para o jornalista, contemplando com mais ênfase a ética na comunicação e o fazer jornalístico cotidiano; a impossibilidade de se esquecer o crime contra o aluno Itamar Ferreira e a necessidade de se modificar a cobertura dos grandes veículos em relação a crimes como esse.

O Seminário Mídia e Direitos Humanos continuou na parte da tarde, com grupos de discussão sobre o tema da cobertura da violência contra a mulher na mídia baiana. O primeiro grupo, com o tema “Representação da mulher na mídia e violência contra a mulher”, foi coordenado por Ana Fernanda e Adriano Sampaio. Já o segundo grupo tratou mais especificamente do caso da banda de pagode New Hit, com o tema “A cobertura da violência contra a mulher na mídia”. A coordenação foi de Nilton Lopes e Clarissa Viana.

*Nádia Conceição é jornalista, estudante de Produção Cultural e bolsista da Agência de Notícias FACOM – UFBA

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