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Atualizado em 12 DE abril DE 2013 ás 18:15

A seca, o povo e a labuta pela vida

Na trilha da seca, Nordeste adentro, a jornalista e pesquisadora socioambiental Liliana Peixinho encontrou sertanejos que mantêm a dignidade, fé e coragem, apesar das perdas múltiplas em decorrência da seca.

*LILIANA PEIXINHO
lilianapeixinho@gmail.com

Seu Arnou é um homem velho e forte. Possui um coração gigante, mente criativa e alma nobre. Seus olhos azuis, bem abertos, e pele queimada de sol, demonstram o quanto está ligado na vida e em seus desafios. Sempre trabalhou na própria roça e na dos outros, onde sempre esteve atento ao tempo, e tudo o que dele depende para cultivar a vida.

Quando comprou um pedaço de chão, a indenização recebida do antigo patrão levou seu Arnou ao recomeço de tudo, guiado apenas pela esperança de que tudo iria melhorar. Começou, então, a colocar em prática o que sempre aprendeu em décadas de trabalho. E agora, em prol da sua família numerosa, batalha com amor e coragem.

Almoço solidário da família de seu Arnou. Foto: Liliana Peixinho.

Almoço solidário da família de seu Arnou. Foto: Liliana Peixinho.

Na terrinha do Sítio Umburana, município de Senhor do Bonfim (Bahia), começou a plantar feijão, milho e mandioca. Enquanto pequeno agricultor familiar, uma parte do que ele planta serve para o sustento e a outra é vendida para comprar o que a terra não produz. Mas a plantação não vingou por causa da longa estiagem. Por esse motivo, dona Lídia, mulher de Seu Arnou, não pode ir à feira vender seus maxixes, abóboras, feijão de corda e milho verde, como fazia toda semana.

Fé e coragem

Ele possui uma família unida e com coragem para trabalhar, por isso não perde a esperança de ver a vida mudar. Ele cuidou de cada filhote das 100 cabeças de animais e cultivou de cada pé de milho do antigo milharal, até ver tudo ser praticamente dizimado pela grande seca. Seu Arnou jamais tinha visto algo assim em 70 e poucos anos de vida.

Seu Arnou até conseguiu vender umas cabecinhas de cabra no início da seca, em 2012, pois não aguentava mais ver os bichos morrerem de sede e fome. Foi uma tristeza ouvir o seu relato. Voltei lá, meses depois da primeira visita. Logo, logo ficou doente e quase morreu. “Foi Deus que salvou mia fia”, disse sua esposa, com fé de rezadeira.

Seu Arnou vendeu as cabras que criava com dedicação, mas não se desfez do seu cavalo, Poltro, amigo fiel nas estradas caatingueiras. Foto: Liliana Peixinho.

Seu Arnou vendeu as cabras que criava com dedicação, mas não se desfez do seu cavalo, Poltro, amigo fiel nas estradas caatingueiras. Foto: Liliana Peixinho.

Dona Lídia plantava um pouquinho de tudo antes da seca. Ela se dividia entre o milharal, os pés de feijão, mandioca e melancia. Mas o clima desfavoreceu o cultivo dessas culturas, além do maxixe e abóbora.

Antes também era possível ver coentro, cebolinha, hortelã graúdo e miúdo, espinafre, couve, alface, manjericão e boldo. Mas tudo ficou escasso. Ainda assim, as folhas continuam sendo fundamentais nos rituais cultivados por dona Lidia, seja os sagrados, através de suas rezas, ou por meio da alimentação, quando tempera a comida, faz saladas, sucos e chás.

As folhas continuam sendo sagradas para dona Lídia. Foto: Liliana Peixinho.

As folhas continuam sendo sagradas para dona Lídia. Foto: Liliana Peixinho.

Enquanto Dona Lidia encara as perdas por causa da estiagem, a filha mantém uma atividade que independe do clima. Ela faz sabão caseiro com sobras de óleo que trazidas das lanchonetes e restaurantes da cidade mais próxima, cerca de 30 quilômetros de onde mora. Além de usar em casa, distribui com os vizinhos, amigos e parentes de longe. A atividade é simples, mas bastante sustentável para o semiárido.

E os demais moradores do Sertão vão ajudando uns aos outros. Cada um sabe da necessidade de recomeçar, pois foi assim a vida inteira. É Difícil derrubar esse povo. Mas com bravura, dignidade, desafio continua sendo a palavra de ordem sertaneja.

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* Liliana Peixinho é jornalista, especialista em  Jornalismo Científico e Tecnológico, com atuação em Mídia, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ativista socioambiental, fundadora dos Movimentos Amigos do Meio Ambiente (AMA) e Rede de Articulação e Mobilização Ambiental (RAMA).

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