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Atualizado em 25 DE junho DE 2013 ás 14:23

Pode a experiência religiosa ajudar no enfrentamento de doenças e aflições?

Artigo publicado pelas pesquisadoras do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, Clarice Mota, Leny Trad e Maria José Villas Boas, aponta os benefícios que as terapias religiosas podem trazer à saúde dos fiéis

*POR EMILE CONCEIÇÃO
ej_jornalista@hotmail.com

Doenças e sofrimento são problemas pelos quais todo mundo passa. Porém, as pessoas religiosas têm um auxílio a mais para combater esses males: a fé. A religiosidade tem atuado como coadjuvante no processo de cura de doenças e enfrentamento de aflições, ela tem sido uma espécie de staff da medicina e da ciência. Sua contribuição, geralmente, é no sentido de confortar os indivíduos acometidos pelas moléstias ajudando-os a enfrenta-las, porém atividades como tratamentos espirituais prometem curar os seus adeptos.

Casos de cura atribuídos à religião existem, mas, não são comuns. Inclusive são reconhecidos e estudados em âmbito acadêmico. Artigo científico intitulado O papel da experiência religiosa no enfrentamento de aflições e problemas de saúde, traz uma reflexão sobre o papel que a fé tem nos processos de cura e enfrentamento do sofrimento humano. O trabalho, publicado no número 46 da revista Interface, foi escrito pelas pesquisadoras do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), Clarice Santos Mota e Leny Alves Bomfim Trad, em parceria com a pesquisadora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, Maria José Villares Barral Villas Boas.


Ilustração: Carlos Reis

Ilustração: Carlos Reis



Segundo a pesquisa, pessoas religiosas têm mais equilíbrio para lidar com situações de caos, como doenças e morte, devido ao sentido que as religiões dão a estes acontecimentos. Por exemplo, os cristãos pregam que o sofrimento faz parte da trajetória de qualquer pessoa, que são provações pelas quais todos devem passar.

De acordo com Clarice Mota, uma das autoras do artigo, a experiência religiosa contribui como um suporte emocional e social em situações de sofrimento, além de fornecer ao fiel uma possibilidade de reinterpretar a doença. “Essa nova interpretação levará a novas formas de lidar com os sintomas, tanto individualmente, quanto socialmente”, diz.

A pesquisadora afirma que ao ingressar em um universo religioso como membro, o sujeito passa a fazer parte de uma rede de apoio e suporte social, que pode ser importante no enfrentamento de doenças. “O apoio coletivo oferecido dentro das instituições religiosas também pode ser considerado um benefício. Através dele os indivíduos podem se sentir mais motivados, acolhidos e fortes para enfrentar os momentos de dificuldade pelos quais estão passando”, explica.

Além de falar sobre a importância da fé no enfrentamento das crises pessoais as autoras destacam características da religiosidade na atualidade. Em termos gerais, o trabalho destaca que em episódios de sofrimento físico e psíquico, a experiência mística com o sagrado revela-se mais importante do que uma suposta fidelidade às instituições. A “experiência com o sagrado” é tida como superior à vertente religiosa à qual as pessoas pertencem. Ou seja, independentemente da religião que sigam, as pessoas estão em busca do contato com o sagrado, com o superior. Diferente de alguns anos atrás, quando as religiões tinham uma importância quase sobrenatural.

O pós-doutor em Psicologia da Religião Geraldo José de Paiva, da Universidade de São Paulo,explica que “a causalidade subjacente a essas correlações é buscada em diversas fontes: apoio social, descentralização de si mesmo, tranquilização da pessoa. Fontes essas que alguns procuram entender com princípios da psiconeuroimunologia, segundo os quais efeitos corporais, como a melhora na saúde, podem resultar de mudança no funcionamento neuropsíquico”, diz.

O pesquisador ainda alerta para as generalizações que podem ocorrer em relação aos casos de cura atribuídos à fé. “Há de se observar que não se verificam apenas correlações positivas. Existem também correlações negativas ou ausência de correlação”.

O caso de Jandira Barros, 60 anos, ilustra bem a fala do professor Geraldo. Há 10 anos ela foi diagnosticada com glaucoma, uma doença crônica que provoca o aumento da pressão intraocular e é uma das maiores causadoras de cegueira. De imediato Jandira se desesperou achando que estava condenada a ficar cega. Foram dias de choro e muita angústia, mas encontrou consolo na fé. Missas, grupos de oração, programas religiosos e novenas foram algumas das atividades que ajudaram Jandira a encontrar o equilíbrio necessário para enfrentar a provação pela qual estava passando. “Me entrego nas mãos de Deus, porque é Ele quem me socorre. Mas não deixo de usar meus colírios, fazer meus exames e ir ao médico regularmente”, finaliza. A aposentada não se curou, mas convive pacificamente com seu fardo que, inclusive, regrediu desde o início do tratamento.

TRÂNSITO RELIGIOSO – As pesquisadoras dizem ainda que na contemporaneidade a relação dos indivíduos com a religião se tornou fluida, como um reflexo da pós-modernidade. Para elas, as pessoas buscam uma vertente religiosa que supra as suas necessidades imediatas e, se as mesmas não forem atendidas, elas migram para outra que o faça, independente de uma suposta fidelidade à instituição religiosa. O chamado ‘trânsito religioso’ se intensifica, principalmente diante da grande quantidade de religiões existentes e dos diversos tipos de serviços religiosos ofertados.

Questionada se as terapias religiosas seriam uma espécie de complemento para os tratamentos médicos, a professora Clarice diz que, na maioria dos casos, o tratamento religioso é combinado ao tratamento médico. “As pessoas, e também os religiosos, fazem a distinção entre os âmbitos espiritual e físico. Mas há casos em que, mesmo que o problema seja interpretado como algo físico, a esfera religiosa é acionada como potencializadora dos tratamentos médicos”, finaliza.

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Uma prova viva

Há 8 meses, Maria Carmem de Jesus, 62 anos, foi parar no hospital pois se sentia muito fraca. Após alguns exames foi diagnosticada uma infecção generalizada. Porém, uma investigação mais detalhada revelou um quadro de leucemia mielóide aguda. O tratamento mais comum nesses casos é o transplante de medula óssea, que não pôde ser adotado devido à idade avançada da paciente. Então, optou-se pela quimioterapia. “Os médicos disseram que devido a minha idade seria muito difícil resistir a um tratamento intenso de quimioterapia e que eu poderia morrer pela doença ou por causa do tratamento”, disse.

Depois de Maria Carmem ter se recuperado da infecção, à qual os médicos alertaram que ela também poderia não ter resistido, foi iniciada a quimioterapia. Foram 4 sessões que duraram 5 meses. Cada sessão durava uma semana e nessas semanas toda a família fazia um jejum na intenção da cura dela. Parentes de religiões católica e protestantes se uniram em prol dessa recuperação. ”Todas as religiões unidas, pois Deus é um só e não importa em que língua se fale”, desabafou. Antes de dormir, Maria e o marido, oravam juntos, atividade que praticam até hoje em agradecimento.

Após as quatro sessões, no mês de junho, o tratamento foi encerrado. Maria Carmem continua se recuperando, e muito bem. Apesar de só ser permitido apresentar um laudo médico de cura depois de 5 anos, ela se considera curada. “Na minha idade as chances de passar por um momento de crise como esse são muitos poucas, por isso atribuo a minha recuperação à fé e à misericórdia de Deus que permitiu que o tratamento desse certo, contrariando as expectativas médicas”, finaliza.


* Emile Conceição é estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e estagiária da Agência de Notícias em Ciência e Cultura.

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