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Atualizado em 30 DE janeiro DE 2017 ás 21:55

Petilda Vazques

Mulheres de todas idades e classes sociais abortam. Mas a diferença relevante é que mulheres ricas conseguem ter um acompanhamento médico, já mulheres pobres arriscam suas vidas e se transformam em índices. A repórter Natácia Guimarães, da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura, conversou com a professora Petilda Vazques do NEIM - UFBA que nos esclarece alguns dos aspectos gerais do aborto e o que isso implica nosdireitos das mulheres no Brasil

POR NATÁCIA GUIMARÃES*
guimaraesnatt@gmail.com

O aborto é uma questão de saúde pública no Brasil, segundo professora e pesquisadora do Núcleo de estudos interdisciplinares sobre a mulher da Universidade Federal da Bahia (NEIM – UFBA), Petilda Vazques. Dando corpo a este tem o  Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) divulgou uma pesquisa Pesquisa Nacional do Aborto, em 2015, apontando que a cada minuto uma uma mulher aborta todos os dias.

Agência de Notícias: No ano passado, em um caso específico, o Supremo Tribunal Federal decidiu que abortar até o terceiro mês de gravidez, não é crime. Como a senhora acredita que essa decisão pode interferir nessa questão? Quais as relevâncias em relação aos direitos das mulheres?

Petilda Vazques: Primeiramente, ninguém é favorável ao aborto. Aborto é uma violência e machuca quem passa por essa experiência. O que se discute do ponto de vista dos direitos das mulheres é a não criminalização. É entender a questão do aborto como uma questão de saúde publica. Saúde essa que tem que dá conta da morte de milhares de mulheres no mundo. Com relação aos três primeiros meses esse é um de direito comparado no mundo, em relação a pesquisas do desenvolvimento fetal. É um parâmetro que parte do princípio de preservação da vida. De não riscos e de liberdade da mulher em relação a uma gravidez não desejada.

Agência de Notícias: As lutas sociais por garantia de direitos e igualdade é constante para a melhorias desses setores, sendo assim, a senhora acredita que há um avanço no conservadorismo contra os Direitos Humanos das Mulheres? Em que isso pode interferir nas conquistas sociais no país?

Petilda Vazques: Direitos sociais, a luta pela igualdade. É importante dizer que na virada do século  uma das conquista do movimento feminista é dizer que somos diferentes. E o que a gente chama de igualdade social pressupõe a participação da mulher nos processos decisórios, a voz da mulher nas discussões que dizem respeito à mulher, à experiência feminina. Essa igualdade tem que ser entendida como uma participação em processos decisórios, em processos políticos. Sabendo que não tem nenhum ganho social na história da civilização que as mulheres não estiveram presentes e/ou não tenham sido protagonistas. Quando se discute tanto os direitos humanos, é quando o humano está ameaçado. Se não tivesse tão ameaçado não haveria tantas pessoas gritando por esses direitos. E ai desrespeita homens mulheres.

Agência de Notícias: Segundo a Antropóloga Débora Diniz, a mulher que aborta está dentro da nossa família e na nossa vizinhança e  não é uma fantasia criada pelo debate moral. Dessa forma, quais seriam os motivos para não se dialogar abertamente sobre a questão do aborto?

Petilda Vazques: Isso se inscreve em uma situação de classe.  Existem muitos defensores da vida na hora da gestação, da critica ao aborto e o estado tutela na medida que criminaliza e proíbe. Nós percebemos como um recorte de classe clara. Por exemplo, os laboratórios tem muito interesse na gravidez anencefálica que acontece nas populações de mulheres com baixa vitamina B, que são mulheres pobres. Tanto que hoje em dia em qualquer pais a  mulher que faça pré-natal tem que tomar acido fólico. A mulher que não faz o pré-natal tem risco de ter um feto anencefálico. Os laboratórios tem interesse nessas gestações para fazer suas pesquisas. Para que leve ao máximo a gestação de uma criança que vai morrer no processo da gravidez ou vai morrer poucas horas depois de nascer. Isso são interesse de laboratórios e de pesquisa para que essas gestações aconteça para que se possa desenvolver novos medicamentos de interesse dos laboratórios.

Agência de Notícias: Teria relação com a classe social?

Petilda Vazques: Tem uma discussão de classe. Todas as camadas que interrompem a gravidez pelos mais variados sentidos, quer seja porque não pode sustentar um filho, quer seja porque é muito jovem ou por estar numa relação que não vai adiante e que decide que não está preparada para ser mãe, existe uma vida que tem complexidade de diversas ordens os motivos. E não se discute. Mulheres que tem dinheiro vão para os consultórios e com muito menos risco. A violência e os ricos acontecem com as mulheres que não tem acesso . Essas que são criminalizadas e morrem.

Agência de Notícias: A senhora acha que existe relação entre a “cultura do estupro” e a criminalização do aborto?

Petilda Vazques: A mulher tem que suportar tudo e ser heroína. É um traço cultural. Toda mulher para ser respeitada é aquela que  diz – Olha, veja como Dona Rosa sofreu para criar aqueles filhos, o que ela padeceu, coitada. Essa é a mulher virtuosa que é socialmente reconhecida. Essa é a cultura crista ocidental que identifica a mulher como aquela que merece ser respeitada. Essa cultura do estupro passa por impor uma potencia. Mesmo mediante a violência do estupro ela tem que suportar gravidez que é resultado da violência. Tem um gênero que historicamente vem tomando posse do seu corpo. Esse exercício da potência que as instituições e o direito masculino impõe uma criminalização. Você tudo tem que suportar porque este é o seu lugar. Isso é um traço de uma cultura de conservadorismo  sobre o corpo da mulher.

Agência de Notícias: Como você vê a discussão sobre a possibilidade do aborto como uma escolha da mulher?

Petilda Vazques: É o direito que a mulher tem sobre o seu corpo. Sobre a maternidade. Sobre uma coisa que influencia toda a vida dela.

Agência de Notícias: Quais seriam as medidas a serem tomadas caso o aborto seja legalizado?

Petilda Vazques: O tempo de gestação é importante. No caso de saúde pública uma cultura médica que altere, pois há um preconceito. O fato de descriminalizar simplesmente a letra fria de uma lei, de uma norma, que entenda isso, não vai mudar uma cultura no campo da medicina. As pessoas quando entram, por exemplo, no hospital se está tendo uma hemorragia pelo aborto, sofre a discriminação no ambiente do hospital. Então, não tem uma cultura de entender que o aborto é uma situação que precisa ser enfrentada.

*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura

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