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Atualizado em 6 DE junho DE 2015 ás 23:03

Identidades sexuais “desviantes” no teatro atual

Estudo busca compreender interseções identitárias na cena teatral da contemporaneidade

JOSENILDO MOREIRA*
josenildo-junior@hotmail.com

As Bonecas Falando para o Mundo: Identidades Sexuais ‘Desviantes’ e Teatro Contemporâneo, foi o tema da tese do pesquisador Rodrigo Carvalho Marques, produzida no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2014. O objetivo era investigar como as formas assumidas pela cena na atualidade traduzem uma crise das categorias identitárias, refletindo nas representações das experiências sexuais fora da norma. Nessa direção, a teoria dialoga com as noções de teatro performativo, teatro documentário, biodrama, autobiografia, teatralidade; e com ferramentais decisivos para a discussão sobre as identidades, como os conceitos de performatividade, (des)identificação, subalternidade e queer.

A pesquisa trata das relações entre o teatro contemporâneo e as identidades sexuais “desviantes” (fora de um padrão estabelecido), analisando quatro espetáculos: Carnes Tolendas: retrato escénico de un travesti (ARG), Luis Antonio-Gabriela (BR), Ópera (BR) e Paloma para matar (BR). O autor inicia relatando a trajetória – em primeira pessoa do singular – no teatro e a relação intrínseca estabelecida com a sua sexualidade. “Esse cruzamento entre o teatro e a minha homossexualidade foi brutalmente reforçado a partir dessas duas interpelações e, rapidamente, entendi que ser eu e fazer teatro eram coisas tidas como ‘erradas’, mas fazer teatro era uma forma de ser eu sendo esses ‘outros’ que eu fantasiava e que, agora, entendo terem sido determinantes na construção da minha identidade”, explicou. Posteriormente, descreve essas obras e explora como as encenações em debate articulam os signos do palco, instaurando uma crise de sentidos.

Rodrigo relata que, inicialmente, no doutorado, pretendia investigar as relações entre o teatro contemporâneo em Pernambuco, dos anos 1970 até a atualidade, o transformismo/travestismo tão marcante na cena local e as identidades sexuais. Porém, ao longo dos anos, alguns desvios aconteceram, demonstrando outros recortes possíveis. Além disso, sua sondagem histórica da presença transformista/travesti e homossexual no teatro permitiu-lhe observar que, se Pernambuco possuía uma relação toda especial com essa expressão cênica, isso não se dava somente no estado, sendo possível elencar um sem-número de trabalhos que demonstram como o teatro está intimamente ligado ao jogo transformista desde sua origem e, de forma destacada, em vários períodos importantes de sua história.

Os 4 Espetáculos – Amparado por tais estudos e desconfiado que a pesquisa poderia restringir demais um fenômeno que não parece ser apenas local, assistiu em 2011 e 2012 aos espetáculos “Carnes Tolendas: retrato escénico de un travesti” e “Luis Antonio-Gabriela”, da Argentina e de São Paulo, respectivamente, e decidiu incluí-los no corpus da investigação. Em “Carnes Tolendas”, a atriz-travesti argentina Camila Sosa Villada cruza narrativas de sua vida pessoal com personagens da obra de Federico García Lorca; já em “Luis Antonio-Gabriela”, o diretor brasileiro Nelson Baskerville tenta recompor “documentalmente” a travessia de seu irmão perdido, o pequeno Luis Antonio que se tornou a travesti Gabriela.  Certificou-se assim que é na cena mais contemporânea que seu estudo deveria se assentar, sendo ele próprio um encenador iniciante que busca com esta pesquisa não somente compreender suas interseções identitárias, mas também sondar os caminhos do teatro atual.

Abandona, então, o levantamento mais historiográfico sobre os grupos de Teatro de Pernambuco e decide olhar, apenas, para espetáculos recentes, sendo eles: Ópera (Coletivo Angu de Teatro, PE, 2007), Paloma para matar (Direção e Dramaturgia de Lano de Lins, PE, 2009) e os dois anteriormente referidos, porque todos trazem, nas formas e nos conteúdos, inquietações sobre as estéticas teatrais contemporâneas e as sexualidades “desviantes”. O estudo deixa, portanto, de lado, a hipótese central de que a presença transformista/travesti/homossexual seria uma marca inconteste do debate sobre as identidades sexuais na cena pernambucana, para se concentrar em analisar “como” espetáculos produzidos em latitudes diversas têm tratado o assunto.

Resultados – Nesta pesquisa, Rodrigo buscou debater precisamente as identidades sexuais enquanto signos (representações), considerando como o teatro contemporâneo vem manipulando esses códigos, problematizando seus significados, deslocando os olhares que lhes atribuem sentidos estáveis, pois a identidade sexual não pode ser reduzida simplesmente a uma questão de teatralidade, é inegável que o próprio teatro possa dar a ver o caráter discursivo e cultural do sexo; e se o gênero (em suas conexões com a sexualidade) não pode ser resumido unicamente a uma “performance” voluntarista, o palco pode ajudar a perceber o seu componente de “performatividade” social compulsória.

Ao escrever sobre a análise dos espetáculos, ele elabora uma resposta ao dizer que o conservador não julga natural que homossexuais sejam efeminados, ele julga que a efeminação é um sintoma da doença, um desvio da natureza daquele corpo. Logo, ao pensar em um teatro que debate as identidades sexuais “desviantes” rejeitando o elo entre efeminação e homossexualidade, está concordando com o homofóbico, que julga haver um comportamento sexual adequado e natural para cada corpo.

Por fim, o pesquisador comunica que, nesta pesquisa, tenta não ser transparente, pois não pretende representar o outro, apagando sua autoria. Ao compartilhar as suas experiências de deslocamento da norma sexual, ele se enxerga um pouco como todas as personagens dos espetáculos utilizadas na tese.

*Graduando no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e estagiário da Agência de Notícias em Ciência e Cultura

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