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Atualizado em 10 DE outubro DE 2018 ás 22:01

Mulheres negras contra o fascismo

Professoras, doutoras, escritoras, advogadas se unem no PAF V - Campus da Universidade Federal da Bahia, em Ondina, para conversa com a juventude negra. O evento contou com a participação da professora e escritora norte-americana, Patricia Hill Collins

POR L. COSTA*
costa.larissa164@gmail.com

Se, em um curto espaço de tempo, tivemos que lidar com a tragédia da morte do mestre Môa do Katendê e o resultado do primeiro turno das eleições, também foi rápida a resposta do Coletivo Luiza Bairros, com a realização do evento “Mulheres Negras Contra o Fascismo”. Organizado durante a noite do último domingo, 7, o evento aconteceu no dia seguinte, segunda-feira, 8, no Pavilhão de Aulas V, da Universidade Federal da Bahia (PAF V- UFBA), e reuniu a experiência de quem está na militância há tempos e as incertezas de jovens negros que se vêem em um cenário de insegurança nacional.

A proposta do encontro foi debater questões urgentes que afetam diretamente a vida da população negra. A professora da Faculdade de Direito e pesquisadora do Programa Direito e Relações Raciais (PDRR) da UFBA, Tatiana Emília Gomes trouxe para o debate a questão fundiária, pois a reforma agrária não foi uma pauta muito discutida pelos presidenciáveis durante a corrida presidencial. Entretanto, como aponta Tatiana, o candidato Jair Bolsonaro, que obteve a maior porcentagem de votos no primeiro turno da eleição, propõe em seu programa de governo a tipificação das invasões de propriedades rurais como terrorismo, indo de encontro à pauta da demarcação de terras. “Precisamos apontar também no nosso debate as lutas promovidas por povos indígenas, por comunidades quilombolas e de assentados, ribeirinhos e ribeirinhas. Além da concentração da manutenção fundiária, temos um discurso bélico sendo instaurado”. Para a professora, o resultado do programa de governo de Bolsonaro é o sangue da violência gerada pela disputa fundiária.

A estudante de Direito da UFBA e também membro do PDRR, Eli Laíse de Deus, chamou a militância para além dos muros da universidade. Lá fora, segundo ela, onde a população não é alcançada pelos debates acadêmicos e onde falas conservadoras conseguiram abrir espaço nas mentes e corações. A política também se afastou da vida popular. Como relata a estudante, algumas falas ouvidas por ela repetem o senso comum de que nossas escolhas nas urnas não afetam a vida de todo o país. “Uma das falas que eu tive a infelicidade de ouvir foi ‘o voto é meu, voto em quem eu quiser’. Como se o nosso voto não tivesse nenhuma consequência coletiva. É preciso cada vez mais mergulhar em um projeto coletivo”, afirma Eli Laíse.

Plateia do evento "Mulheres negras contra o fascismo"/ Fonte: Gleisson Santos

História banhada a sangue – Ainda de acordo com a argumentação da estudante Eli Laíse de Deus, o momento é de tensão, sobretudo para as mulheres, correndo o risco de terem seus corpos violados por ações antidemocráticas e anti sociais, como ocorridas no passado. “Eu fiquei bastante desalentada [no domingo]. Posso dizer que já sinto o cheiro do meu sangue no asfalto. Porque mulheres que não recuam no Brasil tem o seu rosto desfigurado. Foi assim com Margarida Alves, Marielle Franco e Claudia Silva”, relata Eli Laíse.

A professora do Instituto de Letras da UFBA, Denise Carrascosa complementa a fala descrevendo a referência ao fascismo presente no próprio nome do evento. Historicamente, o termo fascismo diz respeito a um regime totalitário que se articulava através do controle dos corpos, porém, segundo Carrascosa, “A gente pode pensar em um regime totalitário anterior ao fascismo e muito mais sanguinolento, que foi a escravidão. É o regime que constituiu nosso país”. Essa mentalidade formadora do país é o que torna possível e aceitável o extermínio de corpos negros, como aconteceu com mestre Môa do Katendê, lembrado por Denise.

Como um exemplo de resistência que marca a trajetória de grupos considerados minoritário no Brasil e no mundo, a professora, ativista e escritora norte-americana, Patrícia Hill Collins trouxe sua presença forte e motivadora para o encontro. “Eu não devia estar aqui, não devia ter uma educação. Nunca. E ninguém depois de mim deveria fazer isso. Nós provamos que eles estão errados”, afirma Collins. Bastante inquirida pela plateia sobre as estratégias tomadas nos Estados Unidos após a eleição de Trump, Patrícia deu alguns conselhos que ultrapassaram qualquer fronteira. “Nós devemos estar preparados. A partir do momento em que você avança, já existe alguém pronto para te derrubar. É um ciclo”.

Patrícia Hill Collins também recordou o dia após a eleição do presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, pois alguns de seus alunos estavam deprimidos, outros confusos, alguns com raiva. Mas a história dos presidentes dos EUA mostra que Obama foi uma exceção. Assim como no Brasil, torna-se necessário estar preparado para o pior porque esse sempre foi o lugar-comum. Mas cabe àqueles que são afetados lutar, cada um com seus talentos únicos.

Para a ativista, a luta nos EUA se deu através das palavras. É pelas palavras que ela busca agora empoderar outros. “Durante toda a minha vida pessoas tentaram fechar as portas para negros, especialmente para mulheres negras. Eu sempre acreditei que é importante que nós, que conseguimos atravessar a porta porque as oportunidades se abriram para nós, ter certeza de que não somos os últimos a entrar”, aconselha Collins para um auditório lotado de jovens esperançosos a sempre se lembrarem deste momento.

Patricia Hill Collins ao lado de tradutora do Coletivo Traduzindo Atlântico Negro/ Fonte: Gleisson Santos

O evento contou com o apoio do Coletivo Traduzindo no Atlântico Negro, que realizou a tradução simultânea da fala de Patrícia Collins, e do PDRR. Na plateia também se encontravam a Ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia, Vilma Reis, e a criadora do Grupo Nzinga de Capoeira Angola e professora do Núcleo de Estudos Interdisciplinar sobre Mulheres (NEIM), Mestra Janja.

*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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