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Atualizado em 8 DE dezembro DE 2017 ás 11:46

Homens com “H” maiúsculo

Pesquisadores relatam como a construção social da masculinidade preponderante tem afetado negativamente, não só a relação entre diferentes gêneros, como também a relação do próprio homem consigo mesmo

POR GIOVANNA HEMERLY*
Gihe296@gmail.com

A “masculinidade hegemônica”, conceito apresentado pela socióloga Raewyn Connell, é  uma definição pré-estabelecida pela sociedade sobre a forma que a masculinidade deve ser vivenciada. Inspirado pelas ideias do filósofo Antonio Gramsci sobre hegemonia cultural e hierarquia de classes, essas ideias visam explicar como o padrão masculino dominante afeta as relações de gêneros.

A hegemonia cultural é a disseminação da ideologia de uma classe dominante e influencia as relações entre todas as classes sociais, como  descrito por Gramsci. Conell faz um paralelo entre a posição de influência e domínio dessa classe imperante com o ideal do masculino opressor. Partindo dessa lógica, a socióloga acredita que há uma ideologia amplamente reproduzida dos ideais do homem como gênero de superioridade natural e a opressão contra os demais gêneros surgiriam dessa situação. No entanto, pesquisadores apontam que a opressão desse modelo dominante além de afetar os demais gêneros, afetam também o próprio homem.

Para o coordenador do Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação (GIRA), Felipe Fernandes, a masculinidade representa para sociedade, de um modo geral, uma posição de superioridade em relação a tudo aquilo que associado ao universo feminino. Ele afirma que o ideal de homem, socialmente construído, oferece legitimidade em assumir a posição de superioridade, como a sujeição a se encaixar nos padrões sociais para se manter nessa posição, já que isso já foi  estabelecido desde antes deste nascer.

Masculinidade utópica – Felipe Fernandes afirma que essa construção de masculinidade varia de cultura para cultura, mas ainda assim continua sendo um ideal inatingível, pois é uma idealização que está além da realidade do homem comum. “Nós, que somos entendidos pela sociedade como homens, sempre buscamos chegar o mais perto possível desse ideal. Só que não há ninguém que consiga chegar perto do que de fato chamamos de masculinidade hegemônica”, afirma.

Também reconhecendo como um grande problema a idealização do masculino, o coordenador do grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade (CuS) e do grupo de pesquisa de Gênero, Narrativas e Políticas Masculinas (GENI), ambos da UFBA, Djalma Thürler afirma que essa questão tem se tornado um grande problema por não permitir ao homem demonstrar aspectos da sua própria personalidade, já que a masculinidade hegemônica se orienta pelo que o homem deveria ser e não pelo que ele realmente é.

Mesmo que alguns homens fujam do padrão hegemônico, ainda há um grupo majoritário que busca constantemente se adequar a um modelo para não sofrer sentimentos oriundos da repressão social. Para Thürler, “a impossibilidade de corresponder às normativas faz da masculinidade um exercício permanente. Nem todos os homens correspondem aos padrões de masculinidade e, apesar das regras existirem, podem não ser seguidas, o que gera a sensação de fracasso”.

Para ressaltar a masculinidade como construção social não condizente com a realidade do homem comum, Thürler cita os estudos do pesquisador mexicano Javier Gómez Flores que denominava essas  normativas sociais de “delírios da ultramasculinidade.” Os estudos de Javier classificavam o ideal hegemônico em quatro aspectos fundamentais: o delírio da importância, o delírio do egocentrismo, o delírio da exacerbação da libido e o delírio do guerreiro.

De opressor à vítima – Os estudos acerca da masculinidade são recentes, isso por que o homem era visto apenas como agente da opressão de gênero, não levando em conta sua situação como possível vítima da masculinidade hegemônica, explica Thürler. No entanto, hoje, ele considera que qualquer homem também pode ser, em algum momento, vítima desse tipo de masculinidade. “Qualquer homem, em qualquer idade, pode se sentir sujeito de um exercício de masculinidade agressiva e exploradora”, declara.

O coordenador do GIRA, Felipe Fernandes, também explica que o preconceito presente na estrutura da sociedade brasileira contribui para a perpetuação e consolidação desse ideal de masculinidade. “Nossa sociedade foi estruturada a partir de dois princípios: o de que tudo que não é branco é selvagem e o de que tudo que não é masculino é cognitivamente inferior. Então quanto mais branco e hétero for aquele sujeito, mais perto do ideal de humanidade aquela pessoa vai estar”, reforça.

Masculinidade não-hegemônica – “A masculinidade hegemônica é perversa com todos os homens”, é o que afirma o doutorando do programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da UFBA (PPGNEIM), Wellington Pereira. No entanto, o homem negro é o mais prejudicado justamente por não estar incluído no padrão socialmente aceito da  masculinidade predominante.

De acordo com Pereira, a construção do que é ser homem é feita a partir de padrões eurocêntricos e patriarcalistas, pautados a partir de um viés branco. Qualquer indivíduo que foge desse padrão hegemônico é fadado à hipersexualização, objetificação  e violência. Por isso, questiona a situação do homem negro que não se insere ou se recusa a ser inserido nesse contexto. “E o negro que não tem pegada? E o negro que também não quer representar essa coisa da pegada? O homem negro é visto só como um ser para o sexo, ou seja, ele está animalizado, ele está sendo visto só como carne”, relata Pereira.

O pesquisador também ressalta que acredita não apenas na existência de uma masculinidade única, mas sim de masculinidades, no plural. Ele propõe uma outra percepção para a masculinidade, envolvendo uma relação entre espírito, mente e corpo saudável. Assim sugere que ao invés de exaltar um padrão branco, patriarcal e eurocêntrico, poderiam ser ressaltados valores inspirados nas personalidades dos orixás. “A masculinidade, para mim, poderia ser representada pela tranquilidade e o discernimento de Oxalá, a perspicácia e a sabedoria de Obaluaiê e a força de Ogum, mas que ao mesmo tempo tem um bom coração”, declara Wellington.

* Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Bahia e repórter da Agência de Notícias em CT& I – Ciência e Cultura

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