Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 4 DE maio DE 2013 ás 18:01

Fundadores e sua produção Científica

Otto Edward Henry Wucherer, John Ligertwood Paterson e José Francisco da Silva Lima apontados como fundadores da Escola Tropicalista Baiana são apontados pelos historiadores da medicina como os introdutores da medicina experimental no Brasil. Vamos descrever sinteticamente a trajetória de cada pesquisador.

POR CLÁUDIO ANTÔNIO DE FREITAS BANDEIRA*

De naturalidade alemã, embora nascido em Portugal, Otto Edward Henry Wucherer (1820-1875) destacou-se pelos estudos sobre as cobras brasileiras e seus venenos, pelas descobertas de ancilostomíase na Bahia, e do embrião da filária (causadora da elefantíase). Mas do qualquer um dos outros “tropicalistas”, Wucherer ristalizou a identidade do grupo, elaborando os seus programas de pesquisa e divulgando-os na imprensa médica europeia. De descendência luso-germânica, ele passou sua adolescência no Brasil e foi estudar medicina na Escola de Tübingen (Wurtemberg), graduando-se em 1841. Trabalhou no St. Bartholomew’s Hospital, em Londres, e também em Portugal antes de retornar ao Brasil, em 1843, atuou inicialmente nas cidades de Cachoeira e Nazaré, no interior da Bahia. Em 1847, veio residir em Salvador.

Relacionou-se como destacados parasitologistas de sua época, entre os quais o alemão Wilhelm Griesinger (1817-1868), que realizou pesquisas sobre esquistossomose (Schistosoma hematobium) no Egito. Wucherer contribuiu para o trabalho de Griesinger, pesquisando o parasita esquistossoma na urina ensanguentada de pacientes com hematuria intertropical no Brasil. Em 1866, quando tentava cumprir o estipulado pelo parasitologista alemão, ele descobriu um parasita diferente em fase embrionária na urina de pacientes, a micro-filária. Em função disso, a doença receberia mais tarde o nome de Wucheria bancrofti, em sua homenagem e ao médico australiano Joseph Bancroft (1834-1894), que descobriu a filária adulta.

Foi o descobridor ainda da enfermidade que causava opilação e cansaço, denominada desde 1835 de hipoemia intertropical pelo conselheiro da Academia Imperial de Medicina, José Martins da Cruz Jobim. Ao fazer a autópsia de um paciente escravo, descobriu que a patologia tida como sendo causada por má alimentação e a condições de higiene precárias, era causada por um verme que se alojava no intestino e que, a partir de então recebeu o nome de Ancylostoma duodenale. As descobertas de Wucherer provocaram acirradas discussões na Corte, sobretudo na Academia Imperial de Medicina, manifestadas principalmente por José Martins da Cruz Jobim e João Vicente Torres Homem (PEARD, 1997).

Somente mais tarde, contudo, se confirmaram as hipóteses formuladas sobre as causas da hematuria intertropical e hipoemia intertropical dos países quentes, no instante em que Wucherer foi elevado à condição de fundador da helmintologia brasileira. Os tropicalistas trocaram a classificação abstrata das doenças (nosologia) feita da combinação de vários sintomas, classificados em ordens e gêneros como o faziam os naturalistas, pela observação da própria moléstia com a sua etiologia esclarecida, acompanhada dos sintomas.

Desta forma, o determinismo patológico do clima tropical, tais como as vicissitudes atmosféricas, os graus de calor e umidade, entre outros, foi substituídas na nomenclatura e na medicina baiana e brasileira pelos termos ancilostomíase (antes chamada opilação ou cansaço), filariose (antes chamada hematoquilúria dos países quentes). Historiadores, como o professor Tavares Neto, destacam que os estudos sobre a ancilostomíase e a filariose ilustraram como eles rejeitavam o determinismo climatológico e atacavam as etiologias ambientais.

Nascido na Escócia, John Ligertwood Paterson (1820-1882), graduou-se em medicina pela Universidade de Aberdeen, em 1841, e foi cirurgião pelo Colégio Real dos Cirurgiões de Londres. Viajou para o Brasil com seus vinte anos de idade, incentivado pelo irmão mais velho, Alexandre Ligertwood Paterson, que havia estabelecido um consultório com comunidade britânica em Salvador – consultório que John herdaria em 1843, quando seu irmão morreu.

Método antisséptico – Embora tenha feito várias visitas à Inglaterra e à Escócia, John Paterson passou a maior parte da sua vida no Brasil como médico. Em 1869, atuou com o cirurgião inglês Joseph Lister (1827-1912) em Edimburgo (Escócia) quando aprendeu o método antisséptico, que ele ajudou a introduzir na Bahia. Wucherer e Paterson foram os primeiros a chamarem a atenção das autoridades e da comunidade médica para as epidemias de febre amarela de 1849 e a de cólera de 1855 que ocorreram na Bahia, sendo os primeiros a diagnosticarem-nas.

Outro fundador a Escola Tropicalista, o português José Francisco da Silva Lima (1826-1910) chegou à Bahia em 1840, aos quatorze anos de idade. Doutorou-se em 1851 pela Faculdade de Medicina da Bahia após ter defendido tese intitulada: “Dissertação Filosófica e Crítica Acerca da Força Medicatriz da Natureza”. Durante sua longa carreira. Realizou várias viagens aos países europeus, visitando importantes centros de pesquisa e trazendo informações que mantinham a comunidade médica local informada sobre os avanços da medicina européia. Em 1862, naturalizou-se cidadão brasileiro.  Entre suas investigações médico-científicas, as sobre os estudos sobre beribéri e o ainhum (doença peculiar à raça negra, que se caracteriza pela queda espontânea de dedos do pé; dactilose espontânea) se destacaram.

A Escola Tropicalista Baiana inicia a fase de declínio por volta de 1873, quando ganham difusão as teorias de Louis Pasteur. Neste período, o médico baiano Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906/ver perfil) se incorpora ao grupo, desenvolvendo estudos anatomopatológicos. Dedicou-e inicialmente ao estudo do beribéri, tendo sido defensor da doutrina microbiana, mas foi obrigado a abandonar a pesquisa, alegando falta de estrutura suficiente (pessoal especializado e equipamento de laboratório) que acompanhasse as inovações da ciência médica, a partir das descobertas de Pasteur, Robert Koch (1843-1910), Claude Bernard (1813-1878), entre outros.

Publicou artigos na Gazeta Médica da Bahia sobre temas que faziam parte da agenda dos “tropicalistas” como beribéri, lepra, informações sobre a incidência de doenças que mais afligiam os brasileiros e sobre a necessidade da reforma do sistema de saúde na Bahia.  Posteriormente considerou inviável o exercício da medicina sob o modelo médico “tropicalista”. Em função disto, Nina Rodrigues afasta-se do grupo em 1897, depois de ter atuado como principal colaborador da Gazeta Médica da Bahia, do qual foi diretor entre 1890 e 1893.

O desligamento de Nina Rodrigues simboliza o encerramento da chamada Escola Tropicalista Baiana, segundo avalia Pedro de Motta Barros (1998). Enquanto Otto Edward Henry Wucherer, John Ligertwood Paterson e José Francisco da Silva Lima se aplicaram às pesquisas anatomopatológicas relacionadas à clínica médica direcionada aos pobres, Nina Rodrigues passou a se dedicar à biossociologia brasileira, na qual o biológico era entendido como determinante do social, inspirando-se nas teorias de Cesare Lombroso (1836-1909) em medicina legal e de Wilhelm Wundt (1832-1920) em psicologia coletiva.

A ideia de criminoso nato foi introduzida por Lombroso. Por sua vez, Wundt compreendia a psicologia das multidões como domínio dos indivíduos por um guia de superioridade comprovada pelo fato de ser de cor branca e de raça germânica. Essas teorias, que compunham o pensamento racista e eugenista, tinham como base o pensamento de Herbert Spencer (1810-1903), Charles Darwin (1809-1882) e Francis Galton (1822-1911) que defendiam a superioridade da raça branca. Desta forma, as pesquisas de Nina Rodrigues voltaram-se, assim, para problemas de raça e de cultura, em geral, e de crimes tendo como fundamentos as teorias racistas e o positivismo de Auguste Comte.Não demoraria para que os estudos apontassem para a necessidade de controle social de raças tidas como inferiores. Concluiu que não era apenas a herança racial a chave da predisposição para certas doenças, mas que os africanos e os povos racialmente miscigenados eram também mais predispostos para a criminalidade, sendo mentalmente inferiores, e não deveriam, por isso, ser considerados cidadãos da nação.

Se por um lado Rodrigues foi uma consequência do pensamento científico do seu tempo, por outro foi pioneiro dos estudos dedicados à cultura afro-brasileira. Apesar de o seu argumento da inferioridade da raça negra não fosse comprovado cientificamente, ganhou reconhecimento e respeito à sua produção. Nina Rodrigues reuniu informações significativas nas áreas de literatura, etnografia, folclore, política, costumes e filosofia numa época em que havia uma preocupação em negar as influências africanas na cultura brasileira e ressaltar a cultura europeia. “Ao enfatizar o estudo sobre o africano no Brasil, considerando-o central para a melhor compreensão das disciplinas de medicina e de direito, focalizou uma realidade que a intelectualidade baiana preferia ignorar”.

Pioneiros da ciência médica no Brasil: onde tudo começou

Ensino e pesquisa médica em solo tropical

A mulher vencendo barreiras

Famede: uma história em Ruina

Ensino médico ligado intimamente a irmandade da Bahia

*Cláudio Antônio de Freitas Bandeira é jornalista especializado em Jornalismo Cientifico e Tecnológico

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *