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Atualizado em 14 DE junho DE 2011 ás 03:20

“A sexualidade é uma construção social”, diz pesquisador da Ufba

Com base na Teoria Queer, coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade, Leandro Colling, acredita que o ser humano não nasce com sexualidade definida e critica decisão do STF sobre união homoafetiva

Vitor Andrade*
andradevitor@folha.com.br

Em 1993, o geneticista norte-americano Dean Hamer publicou um estudo na respeitada revista científica Science no qual afirmou ter descoberto o gene da homossexualidade. Segundo a suposta descoberta, a pessoa nasce homossexual e esta seria condição imutável.

Isso gerou muita discussão e as opiniões no campo científico sobre o tema ficaram divididas. Um dos pesquisadores que discorda dessa hipótese é o professor do Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Leandro Colling. Ele defende que a sexualidade é um dado da cultura, não da biologia. Para ele, as pessoas quando nascem não têm uma sexualidade definida.

Colling afirma que a constituição corporal é um dado da sexualidade que não deve ser vista como determinante. “Eu posso mudar meu corpo, me construir como mulher, por isso a biologia não é determinante”, afirma. Ele acredita que a sexualidade, seja ela hetero, homo, trans ou bi é uma questão de influência social que tem mais força sobre o indivíduo quando ele está constituindo-se identitariamente. “O que queremos denunciar é que a sociedade cria um monte de normas do que é ser homem e do que é ser mulher”, relata.

Para justificar suas afirmações, ele utiliza a Teoria Queer, que surge nos anos 80, com o objetivo de se opor às normas socialmente aceitas. O termo queer pode ser traduzido por estranho, ou até ridículo, e nomeia essa teoria como uma forma de deboche e contestação feitos pelos movimentos homossexuais. Um dos seus princípios se baseia nas ideias do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) que dizia que o sexo biológico é fruto de um efeito do discurso.

Para o fato de ter muitos discursos heterossexistas e mesmo assim haver homossexuais, Colling argumenta que, apesar de existirem as normas, e elas tendo a força que têm algumas pessoas não se adaptam. “Duas pessoas podem passar por experiências iguais e estas podem impactar de forma absolutamente distinta em cada um. Foucault já disse que onde há poder, há o contrapoder”, explica ele, alertando que esse processo de identificação é muito complexo.

No Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS), o qual Leandro Colling é coordenador, há a discussão da forma como a sociedade impõe uma sexualidade heterônoma. “A heterossexualidade é algo que é imposta sobre nós desde antes de nascermos”, afirma Colling. A associação que é feita entre a heterossexualidade e a reprodução humana produz uma heteronormatividade homofóbica, segundo o professor. A imposição da “heteronormatividade” seria a geradora de muitos atos de violência. “Os sujeitos que não se adéquam aos padrões são vítimas das mais atrozes violências possíveis”, declara Colling.

Leandro Colling

Mas o pesquisador também enfatiza que, apesar de tratar de aspectos da homocultura, ele acha de vital importância estudar a heterossexualidade, “para desestabilizá-la e desconstruí-la”. No grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade, que é composto por vinte bolsistas de diversos cursos da Ufba, Leandro discute que “a heterossexualidade não é uma dentre as possíveis orientações sexuais que uma pessoa possa ter”. Ele acredita que a conscientização sobre a heterossexualidade compulsória é uma boa arma para combater a homofobia.

Fazer ciência Influenciado pela matriz teórica do grupo de pesquisa que coordena, Leandro Colling também declara que tem críticas ao modo de se fazer ciência no Brasil hoje. “A Teoria Queer tem uma desconfiança total das pesquisas que usam categorias fixas com o objetivo de quererem compartimentar o objeto de estudo em si. Isso é uma coisa muito forte na ciência brasileira em especial”, afirma.

O professor da Ufba acha que é impossível separar o sujeito que pesquisa e o objeto pesquisado. Quando um sujeito decide qual será seu objeto de pesquisa a escolha seria feita por causa do seu consciente ou inconsciente. Ele também salienta que, “a separação não significa não ter uma relação crítica com o objeto”.

Essa bipartição teve resultados negativos no quesito pesquisas sobre a homossexualidade, como aponta Colling: “Essa tentativa de separação gerou, no campo da sexualidade e gênero, uma coisa muito nefasta no sentido de tornar patológica determinadas sexualidades, dizendo que era ciência. Essa era uma visão heterossexista do mundo travestida de ciência”.

Telenovelas – Desde 2008, quando foi criado, o grupo de pesquisa CUS, que está ligado ao Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult) da Ufba, tem como foco identificar e analisar a representação de não-heterossexuais (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e intersexos) nas telenovelas da Rede Globo. Os estudos do grupo têm identificado três grandes formas de representar os homossexuais na teledramaturgia: ligar o não-hétero à violência; relacionar as homossexualidades com a representação caricata. Outra forma é construir personagens escritos dentro de um modelo heteronormativo onde se apaga as diferenças.

Este último exemplo de representação, segundo Colling é mais recente. Mas, apesar de ser valorizada por alguns movimentos, ela vai de encontro com o que propõe alguns adeptos da Teoria Queer. Eles defendem que todos são diferentes e exaltam a diversidade social. Para eles, os indivíduos que são tidos como “afetados”, e consequentemente diferentes dos padrões socialmente aceitos, devem ser tratados com respeito.

Leandro Colling vê com críticas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em reconhecer a união homoafetiva, devido ao receio da imposição de modelos aceitos pela sociedade. “Apesar de ser uma importante vitória, nosso risco nesse caso é de quererem criar uma norma do que é um gay, uma lésbica ou uma trans aceitáveis. Se o projeto é esse de querer criar um padrão, eu estou fora”, afirma.

Para o professor, que também é membro do Conselho Nacional LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), as políticas devem ser criadas para dar conta das diferenças que há nessa comunidade. “A riqueza do mundo está na diversidade, não numa norma hegemônica de imposição sobre o outro. Às vezes querem que sejamos iguais, quando o bacana é que sejamos diferentes”.

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*Estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom

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