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Atualizado em 9 DE dezembro DE 2012 ás 12:56

Ciganos na Imprensa: violência e reducionismo

Monitoramento de veículos jornalísticos do país apontam a constante agressão a esses povos e contribui para representá-los como um grupo perigoso

Carol Lemos e Gilberto Rios*
carolinalcunha@gmail.com e gilberto.rios13@gmail.com

“O inconsciente é o discurso do outro”. Com essa máxima, o psicanalista Jacques Lacan formula o que viria a transformar a maneira de pensar o indivíduo e a linguagem a partir do século XX. Em seus estudos, Lacan instigou o mundo a pensar que o inconsciente se manifesta e é construído a partir da fala e, portanto, tudo por ela é construído. Inclusive formas de violência. É a partir dessa concepção que se pode dizer que a Imprensa pode ser um lugar responsável pela criação ou prolongamento de discriminação e preconceito. A evidência dessa atitude foi apresentada pelo grupo Etnomídias (Facom-UFBA), que mapeou a forma como a Imprensa brasileira enquadra os povos negros, índios e ciganos no seminário Ciganos e a Mídia Brasileira: Um Retrato.

Foram 19 meses monitorando diariamente 27 veículos para compreender sistematicamente a imagem que a mídia brasileira confere a esses grupos étnicos. Patrocinada pela Ford Foundation e com apoio do grupo Afirme-se, essa pesquisa integrou o projeto Faces do Brasil, cuja base está na busca de dados para contribuir com a legitimação dos povos tidos como minorias no Brasil.

“Não minorias em número, mas em lugar de fala”, disse Joaci Conceição, graduando em Comunicação e pesquisador no projeto. Ele conta que das 3.086 matérias encontradas no período de outubro de 2010 a junho de 2012, os ciganos foram pautados em 1,14% dos textos, totalizando 29 publicações. Nessa primeira fase, voltou-se para análise de conteúdo.

Os números mostram que esse é um tema pouco abordado e, qualitativamente, as matérias estudadas pelo Etnomídia sempre apontam que os ciganos são os causadores da violência. “A sociedade brasileira está passando por um momento de políticas afirmativas para povos negros e índios e, por isso, precisamos lidar com a forma como a mídia retrata eles”, propõe o pesquisador.

Para selecionar o material que serviu de base para pesquisa, era necessário que as notícias tivessem, pelo menos, 200 caracteres no corpo do texto e que a referência às etnias fossem explícitas na matéria através de palavras. Nenhum pesquisador poderia contabilizar uma ocorrência nova senão sob essa condição, mesmo que na foto da notícia houvesse alguém das etnias pesquisadas.

“Apesar de todo o esforço da legislação brasileira em fazer leis contra a discriminação das minorias, os povos ciganos são os únicos sem base governamental”, expôs Marilucia Leal, pesquisadora do Etnomídias e graduanda em Comunicação. Ela explica que o projeto é uma das formas de dar subsídios para o Estatuto de Igualdade Racial de 2010 e dos artigos 3º, 5º, 8º e 20º da constituição federal, “todos versando sobre a construção uma sociedade livre, justa e solidária”, contou ela.

“Não há nenhuma contextualização das etnias”, acusou Conceição. Dessa forma, a Imprensa deixa de enfatizar a diversidade desse grupamento, reduzindo a pluralidade de suas culturas a apenas uma, ínfima e estigmatizada. “Eu tinha que me desintoxicar de tanto ver a palavra índio”, brincou Marilucia ao observar como um dos veículos se referia a esse grupamento étnico.

Apesar disso, o grupo acredita que a pesquisa será um incentivo para mais pesquisas no campo acadêmico e um motor para a militância no assunto. O próximo passo para a finalização do trabalho é a análise qualitativa dos dados, que deve terminar em março de 2013. “A gente não está ali pra acusar nenhum jornal nem pra sugerir uma forma ideal de enquadramento, mas nosso papel é mostrar que há uma redução na forma como os meios tratam esse tema”, concluiu Joaci.

PESQUISA - “Escrever uma história dos ciganos, é escrever a história dos que a rejeitaram”, defende o pesquisador e professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Rodrigo Corrêa Teixeira. Doutor em História, Rodrigo é autor da tese Correrias de Ciganos pelo Território Mineiro

Foi necessário para os pesquisadores estudar a etimologia da palavra “cigano” e entender como o reconhecimento das diversidades existentes entre as etnias ajuda na construção de uma identidade própria e, ainda assim, diversa. Segundo o relatório, só existe uma identidade única entre os povos ciganos quando o tema abordado vem de um contexto de relações sociais entre minorias diversas que se unem.

Em Relatório Sobre as Comunidades Ciganas do Seculo XXI, Teixeira constata os problemas enfrentados por essas comunidades ao longo da história e na atual conjuntura socioeconômica do Brasil. Orientar os gestores públicos quanto à classificação e identificação dos ciganos também foi estabelecido como meta para poder atender as demandas dos povos ciganos no Brasil, enquanto parte da sociedade.

A pesquisa evidencia que os povos ciganos de diferentes etnias conseguem, apesar de sua diversidade, dialogar umas com as outras havendo, assim, trocas culturais. A confluência dessas comunidades se dá na não existência do desejo de se ter um território delimitado, mas no resgate de valores como “integração social, igualdade de direitos, rechaço da exclusão e o respeito mútuo de todas as identidades representadas no mundo”.

Demograficamente, os ciganos distribuem-se não em fronteiras delimitadas, mas de acordo com sinais étnicos característicos como instrumentos, vestimenta e aparelhos de uso cotidiano. São essas singularidades culturais que delimitam as fronteiras simbólicas já que o nomadismo é uma de suas características mais marcantes.

No Brasil do século XIX, os povos de etnia cigana apareciam somente ao inquietarem as autoridades. Fomentou-se na sociedade brasileira, com estímulo da Imprensa, um sentido pejorativo para representar tal comunidade e suas ações. Atribuem-se a ela, através do discurso hegemônico, características negativas que reforçam a opinião hostil do observador.

O primeiro mapeamento desses povos feito pelo IBGE constatou que a presença de acampamentos ciganos no Brasil se concentram em grande número ao longo da BR-101. Outro dado abordado pelos pesquisadores no relatório é o fato de que os “50% das prefeituras que identificaram a presença de acampamentos ciganos municípios com mais de 50 mil habitantes, enquanto que apenas 20% são municípios com menos de 10 mil habitantes” (IBGE-2009).

Acoplar dados institucionais de migração, moradia e estimativas populacionais a conclusões obtidas através da observação comportamental e cultural dessa comunidade é o intuito da elaboração do relatório. Com ele, gestores públicos e o público interessado podem ter acesso a informações que auxiliem na contextualização e conhecimento de aspectos decisivos para a aceitação e integração desse grupo étnico como parte ativa da sociedade.

*Carol Lemos e Gilberto Rios são bolsistas da Agência de Notícias Ciência e Cultura e estudantes de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia

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