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Atualizado em 4 DE setembro DE 2018 ás 16:29

Arde em chamas nossa história

A perda de parte da história cultural, científica e histórica do Brasil e do mundo, após incêndio ocorrido no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no último domingo, que provocou comoção e indginação, é o tema do artigo de professores da UFBA. Indignados eles relatam a nossa infelicidade e pedem o fim do descaso na Ciência brasileira

NELSON BEJARANO* e SIMONE BORTOLIERO**

Consumido pelo fogo nesta noite de domingo (02 de setembro de 2018), assistimos impassíveis pela TV, o Museu Nacional do Rio de Janeiro ir literalmente para o escombro de nossa história. Na esteira da tragédia do desaparecimento do Museu Nacional do Rio de Janeiro, vale a pena uma reflexão sobre a grande contribuição dos museus para a popularização do conhecimento científico e da cultura, sem os quais ficaríamos a mercê da ignorância que se alastra feito epidemia a correr pelas ruas de nossas cidades, sem luz, sem esgoto, sem água encanada, sem escolas e agora sem memória sobre o que representa nosso passado enquanto nação.

A velha ideia de que museus são locais onde se expõem coisas “velhas” e que os visitantes precisam ter cuidado para não mexerem nas coleções e que as visitas são as chamadas “visitas jacaré”, já são coisas superadas em algumas regiões do mundo. Museus de hoje, são extremamente interativos a exemplo do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo (também vitimado por incêndio recente), a Estação Ciência, também de São Paulo e para citar um exemplo internacional, o Exploratorium de San Francisco (EUA), um dos maiores Museus de Ciências do mundo e que trabalha na perspectiva “hands on“, ou seja “mão na massa”. A importância do Museu Nacional do Rio de Janeiro não residia em seu caráter moderno, mas sim pelo seu excepcional acervo e por sua produção científica  que possibilitava acesso democrático e inclusão social a todos os brasileiros e brasileiras independente de cor, religião, orientação sexual ou classe social.

Enfim, museus tiveram seu conceito bem mais alargado pelo esforço da Organização Internacional de Museus (ICOM). Um oceanário pode ser um museu, um parque ecológico pode também cumprir os requisitos para ser um “museu”. O papel cultural dos museus não pode ser medido facilmente, já que os esforços educacionais dos museus se inserem no que se chama de “educação não-formal”. As pessoas vão aos museus, aprendem um punhado de coisas, mas não sabem – de imediato – que estão sendo mais capacitados e com visões mais sofisticadas sobre as ciências e/ou sobre as culturas também não hegemônicas em geral da humanidade.

Infelizmente as últimas pesquisas sobre Percepção Pública da Ciência, em diferentes regiões do Brasil, mostraram que os brasileiros não frequentam museus como deveriam. Inúmeros esforços tentaram reverter este quadro nos últimos anos em políticas públicas que se desmancharam por falta de investimentos neste governo atual, justamente porque sofremos um corte de verbas para os próximos 20 anos na educação e na ciência. Isto inviabiliza qualquer projeto de manutenção e recuperação do patrimônio histórico espalhados pelo país afora.

O desaparecimento do Museu Nacional do Rio que era bicentenário deixa uma cicatriz profunda em nossa cultura. O fogo eliminou todas as provas materiais da formação do povo brasileiro. Assim como os registros das línguas faladas por índios que não existem mais. Registros fósseis da infância do Homem no continente americano, nos vestígios de Luzia. Impossível enumerar cada peça e seu respectivo valor científico e cultural.

Além do acervo, considerado o maior da América Latina, o Museu Nacional também produzia conhecimento científico nas áreas da antropologia, etnologia e sociologia, através dos Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que era responsável pela administração do museu. Uma universidade que nos últimos meses não consegue verbas para a manutenção de seus diferentes campi.

No momento político atual, alguns irão se aproveitar da tragédia e outros não conseguirão explicar aos nossos filhos e filhas, netos e netas, de quem é a culpa pelo descaso e irresponsabilidade com um bem tão valioso como é a nossa própria história. Pela continuidade da luta por democratização do conhecimento científico e da cultura em espaços não formais como os museus e sua valorosa contribuição ao povo brasileiro.

* Professor do Instituto de Química da UFBA

** Professora da Faculdade de Comunicação (FACOM – UFBA)

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