Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 15 DE junho DE 2012 ás 10:56

Sandra Marinho

Situado na Faculdade de Educação da UFBA e em formação desde 2007, o Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas (LEMARX) tem como objetivo contribuir para as lutas dos movimentos sociais, sobretudo, através da formação política de pessoas que aderem à pedagogia de Karl Marx e Friedrich Engels. A coordenadora do LEMARX, Sandra Maria Siqueira Marinho, em entrevista à Agência Ciência e Cultura, revela de que maneira o grupo se articula com as artes e consolida a pesquisa sobre as contribuições do Marxismo nas lutas sociais. Sandra também expõe quais são os desafios que o grupo - formado por pelo menos nove integrantes – enfrenta, apesar de transitar entre as mais variadas áreas do conhecimento.

POR EDVAN LESSA*
lessaedvan@gmail.com

Ciência e Cultura – O Manifesto do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas (LEMARX) oficializa a existência do grupo, mas como ele se estabeleceu?

Sandra Marinho - O LEMARX, existente desde 2007, resultou da intervenção de um grupo de professoras que ministravam uma Atividade Curricular em Comunidade (ACC) denominada Teatro do Oprimido. Nessa ocasião, participamos de uma ocupação feita pelos estudantes na Reitoria da UFBA e sentimos a necessidade de apropriação do materialismo histórico dialético do marxismo para impulsionar as nossas ações. Percebemos um rebaixamento teórico daqueles que reivindicavam da tradição marxista e formarmos grupos de estudos – inicialmente com seis pessoas – para ler as obras de Marx e Engels. Já havia uma percepção de que não éramos apenas um grupo de pesquisa, mas que também adotávamos determinadas posturas e ações vinculadas aos movimentos sociais. Fomos então reconhecidos pelo CNPq em 2009 e após uma reestruturação, contamos com quatro linhas de pesquisa.

Ciência e Cultura – O grupo se dedica a que tipo de atividades hoje?

Sandra Marinho - Estamos nos preparando para a leitura da obra de maior envergadura de Marx que é O Capital e há atividades com ensino, pesquisa e extensão. Somos um grupo bastante solicitado para realizar palestras, minicursos, debates. O LEMARX tem dado passos largos e, na pesquisa, lidamos com Educação e Marxismo, e as contribuições dessa corrente para os movimentos sociais. Realizamos dois cursos de natureza extensionista e permanente que já estão na sétima edição, recebendo semestralmente, entre 100 e 150 pessoas. Eles são inteiramente gratuitos e muitas vezes tiramos dinheiro do bolso para assegurar a realização das ações. Dentre os mais famosos está o de Introdução ao Marxismo. Temos várias outras atividades, já que o grupo, apesar de se localizar na Faced/UFBA, dialoga com as mais variadas áreas do conhecimento.

Ciência e Cultura – Quais são as pretensões do LEMARX?

Sandra Marinho – Existem pretensões ousadas, no sentido de que as áreas que dialogamos aprofundem seus debates e suas categorias com base na referência que adotamos. O nosso grupo é reconhecido por outro criado posteriormente, que é o LEMARX USP. Outro objetivo do nosso grupo é ampliar o materialismo histórico dialético do ponto de vista teórico e prático através de um estudo profundo das obras clássicas de Marx e Engels e de grandes revolucionários comprometidos com outra sociabilidade.

Ciência e Cultura – De que maneira o LEMARX atua no campo da educação pública e da Universidade?

Sandra Marinho – Entendemos que as atividades do LEMARX estão muito ligadas à formação política, principalmente devido ao rebaixamento teórico que temos na própria universidade – espaço que deveria ser, por excelência, da produção de ciência. E em meio a toda essa lógica da produtividade, percebemos também que as pesquisas acabam não sinalizando a relação da universidade com os movimentos sociais. Há um percentual significativo de matrículas no setor privado e considero importante recuperar o espaço público para formar as pessoas dentro da perspectiva de teorias e referências socialmente úteis e comprometidas com o projeto de sociedade para além da lógica do capital.

Ciência e Cultura – Fale da importância que formação política marxista tem na contemporaneidade.

Sandra Marinho - A formação política se constitui num contexto de profunda alienação, não só do ponto de vista material, como também da subjetividade e do desenvolvimento da consciência crítica – que é uma grande tarefa. No entanto, a formação política não ocorre de um dia para a noite, sobretudo quando existe em meio a um bombardeio de ideologias que agem com o objetivo de manutenção da alienação. Isso porque é muito mais fácil manter um processo de dominação com pessoas que tem certa incompreensão, desconhecimento ou ignorância, do que adotar medidas para que compreendam, pelos menos, as leis de desenvolvimento da sociedade em que estão inseridas.

Ciência e Cultura – Como se dá o engajamento do grupo em movimentos sociais, já que, de acordo com o Manifesto, “o estudo é apenas o ponto de partida para a práxis”?

Sandra Marinho – Temos relação com estudantes da Universidade e de outras instituições púbicas e particulares e recebemos muitos militantes dos movimentos sociais e de partidos políticos. Já trabalhamos com o Movimento Sem Terra a partir da ACC Educação Popular em Áreas da Reforma Agrária – que ainda é desenvolvida – orientada pela professora Nair Casagrande da Faced. Tivemos outra atividade ligada à arte junto ao Movimento dos Sem Teto. Participamos de alguns congressos e atividades desses movimentos, oferecendo formações específicas na esteira do Marxismo, como por exemplo, relacionadas à questão agrária, à habitação e a outras voltadas ao processo de mercantilização da educação.

Ciência e Cultura – Em quais aspectos as práticas dos movimentos sociais contemporâneos se diferem das realizadas no passado?

Sandra Marinho – Os movimentos sociais têm utilizado muito o método da conciliação e negociação devido à influência da “ação comunicativa” pensada por Habermas. Há também o processo de criminalização que os governos – reformistas e surgidos da própria classe trabalhadora – tem feito. Notamos ainda um abandono de determinados métodos da ação direta protagonizados pelas massas e pela juventude – de redes sociais, de “tuítasso” – que têm limites e se esbarram em outros. A própria luta de classe, no entanto, faz com que os métodos tradicionais voltem à tela histórica e se recuperem, expressando as suas reivindicações e bandeiras, em confronto com a manutenção da estrutura da social baseada nas relações de propriedade privada.

Ciência e Cultura – Quais são as iniciativas do LEMARX para o fortalecimento das lutas sociais?

Sandra Marinho - Alguns acontecimentos históricos resultaram no descrédito das pessoas frente aos os métodos históricos de luta. Nosso grupo compreende que essas lutas, na atualidade, não têm conseguido fazer com que o movimento avance, mas temos tentado resgatar determinadas dinâmicas e práticas, questionadas, e até perdidas. E uma das práticas de resgate e pelo processo de politização realizado a partir da arte engajada.

Ciência e Cultura – Mas como se dá essa apropriação da arte pelo LEMARX?

Sandra Marinho – Há um grupo de ateliê de estética marxista, neste semestre, com os alunos do primeiro período do curso de Artes Cênicas da UFBA, que se debruça na proposta do Teatro Dialético de Bretch. Houve duas paralisações em que participamos, propondo intervenções artísticas, as quais contribuíram para um chamado de atenção à ludicidade e para que pudéssemos resgatar o debate da ação direta que sempre acompanhou os movimentos históricos.

Ciência e Cultura – Como o Laboratório aproveita as novas ferramentas informacionais?

Sandra Marinho - O grupo tenta ao máximo aproveitar essas diferentes linguagens, principalmente as artísticas e tecnológicas. Mas o modelo de sociedade que temos adota fetiches e tudo se transforma em mercadoria, então precisamos suprimir a utilização dessas ferramentas quando elas são utilizadas no sentido de potencializar e qualificar a ação do sujeito que protagoniza em espaços diferenciados.

Ciência e Cultura – O LEMARX esbarra em quais desafios?

Sandra Marinho - Temos o desafio de debruçar na temática da individualidade, pois há críticas ao Marxismo no sentido de que não dá conta dessa temática. O capitalismo usurpa e expropria a dimensão da criatividade dos indivíduos e fragmenta muito, atomizando o conhecimento que ainda é bastante linear, cartesiano. A gente tem percebido que esses grupos menos favorecidos são invisibilizados e acabam sendo foco de resistência à voracidade dessa lógica tão desumana e perversa do capital. Então, recuperar certas coisas perdidas historicamente se coloca hoje como um ponto fundamental. Muitos jovens têm, de certa forma, resistido na contramão a essa dinâmica que está aí, criando alternativas que, com certeza, se esbarram em profundos limites. Nesse aspecto, formar uma geração futura que assumirá tarefas, avançando numa sociedade mais autêntica do ponto de vista da humanização, são os desafios que o Laboratório coloca.

Ciência e Cultura – E quanto aos avanços na ideia de livre desenvolvimento do indivíduo?

Sandra Marinho - O marxismo hoje acumulou muito em relação à questão da individuação e nós já tivemos alguns estudos e debates, inclusive sobre a importância do papel do individuo na história, assim como sobre a individualidade. Para o LEMARX o indivíduo é um ser concreto e formado por múltiplas determinações e influências e tece várias relações sociais.

Ciência e Cultura – No aspecto educativo, formular uma pedagogia socialista implica em negar outros tipos de pedagogia?

Sandra Marinho – No Laboratório a gente recupera e resgata a teoria Marxista da educação e dentre ela as possibilidades reais de materialidade dessa pedagogia. Não é do interesse da classe dominante, por outro lado, instruir a classe trabalhadora de uma educação que possa projetar esta classe a novos patamares discursivos, numa perspectiva da emancipação. Desse modo, nosso laboratório se contrapõe a outras pedagogias e outras teorias que caiam no campo da idealização – teorias românticas, descontextualizadas e desvinculadas da realidade social dos sujeitos, inclusive concebendo-o como abstrato.

*Edvan Lessa é estudante de Jornalismo da Facom/Ufba e bolsista da Agência Ciência e Cultura.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *