Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 9 DE abril DE 2013 ás 17:17

Arivaldo de Lima Alves

EMILE CONCEIÇÃO*
ej_jornalista@hotmail.com

Arivaldo de Lima Alves é doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília, mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Professor Titular da Universidade do Estado da Bahia, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (Campus II/UNEB) e coordenador do Núcleo das Tradições Orais e Patrimônio Imaterial (NUTOPIA/ Campus II/UNEB). Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras.
Em 1998 foi vítima de um incidente racial.  Quando era aluno do doutorado em Antropologia na Universidade de Brasília, Arivaldo foi reprovado em uma matéria obrigatória, sendo que tinha tirado nota dez em todas as outras. Foi constatado, então, que ele era o primeiro aluno negro em 20 anos de doutorado na UnB e que ninguém havia sido reprovado naquela matéria. O processo que foi aberto ficou conhecido como “caso Ari”. Em novembro de 1999, juntamente com a professora Rita Segato, o professor da UnB e Antropólogo José Jorge de Carvalho, propôs o sistema de cotas na instituição. Confira abaixo a entrevista com o professor realizada pela Agência de Notícias.

Agência de NotíciasQual o órgão financiador das pesquisas das quais participa (Núcleo das Tradições Orais e Patrimônio Imaterial – NUTOPIA e Relações Raciais e Cultura Negra)?

Arivaldo – O NUTOPIA é um grupo de pesquisa cadastrado no diretório para grupos de pesquisa da Plataforma Lattes do CNPq desde o ano de 2008. No ano seguinte, 2009, o NUTOPIA foi um importante suporte para a formação da Linha de Pesquisa 3–Narrativas, Testemunhos e Modos de Vida – do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (Pós-Crítica) da UNEB. Somos um coletivo de professores/pesquisadores doutores (Katharina Döring, Edil Costa Silva, Sílvio Roberto Oliveira, Daniel Francisco dos Santos) que atuam em áreas diversas (Antropologia, Etnomusicologia, Arte-educação, Letras e História). Este grupo de pesquisa surgiu da necessidade de criar um vínculo permanente entre projetos de pesquisa e extensão de vários professores / pesquisadores no âmbito da UNEB que desenvolvem uma linha de trabalho voltada para o contexto, o conhecimento e a produção sociocultural, histórica e artística de populações afro-descendentes e índio-descendentes. Contamos também com o envolvimento de estudantes do Pós-Crítica e da graduação em Letras e História – bolsistas de IC e estudantes em fase de elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Obtivemos até o ano de 2010 um apoio de recursos através do Edital PROFORTE da UNEB o que nos permitiu adquirir uma infraestrutura mínima, uma bibliografia básica da área que atuamos e recurso para realização de um seminário de pesquisa nacional. No momento, contamos com o apoio do Pós-Crítica onde estamos instalados. Além disso, não dispomos de verbas ou apoio sistemático de nenhum órgão.

AN - Qual a metodologia utilizada na coleta de informações e análise desse tipo de pesquisa?

Arivaldo – Veja bem, uma vez que somos um grupo de pesquisa interdisciplinar, trabalhamos em contextos culturais polissêmicos, polifônicos onde encontramos as mais variadas linguagens, utilizamos metodologias de pesquisa diversas herdadas da Antropologia, da História, da Etnomusicologia, das Letras. Ou seja, recorremos ao método etnográfico, da história oral, análise documental, da análise de discurso, de registro e transcrição musicológica.

AN - Quais são as maiores dificuldades enfrentadas, durante uma pesquisa, na coleta de informações?

Arivaldo – Uma das dificuldades que encontramos muitas vezes é a não facilidade na aquisição e uso de equipamentos úteis para o tipo de dados de pesquisa que coletamos. Outra dificuldade é o deslocamento até os locais onde normalmente encontramos os sujeitos e as manifestações culturais que nos interessam. Além disso, a dificuldade que nos desafia e estimula muito é adequar as ferramentas e orientações de método que antecipadamente levantamos aos contextos e situações inusitadas em que atuamos.

AN - Foi constatado, durante as pesquisas, algum dado que antes era desconhecido na literatura acadêmica? Qual?

Arivaldo – Somos um coletivo de pesquisadores e como tal desenvolvemos não uma única, mas diversas pesquisas. Entretanto, no sentido de atender de algum modo à pergunta, diria que em relação à tradição do samba de roda baiano, por exemplo, descobrimos que os sambadores mais antigos desenvolveram uma técnica de canto em tonalidades distintas que está em extinção, do mesmo modo, temos atentado para processos de ressignificação do samba de roda relacionados ao consumismo, à industrialização da cultura ou encaminhamentos definidos por políticas culturais oficiais.

AN - Quais foram as conclusões obtidas até o momento, a respeito das relações raciais na Bahia?

Arivaldo – Diria, sucintamente, que, por um lado, constatamos o que já se sabe: ou seja, a Bahia é uma região fundada na desigualdade racial entre brancos, negros e indígenas. O Estado e a sociedade baiana têm uma dívida monumental com os dois contingentes, negro e índio, que deram uma grande contribuição para a formação social, econômica e cultural baiana e continuam apartados dos grandes fóruns de decisão assim como não desfrutam devidamente da riqueza que produziram ao longo do tempo. Por outro lado, estes sujeitos, negro e índio, aos poucos estão se colocando na condição de protagonistas sociais e exigem um outro modelo de relação e troca com o Estado, suas instituições e agentes – o que inclui os pesquisadores.

AN - Porque, em sua opinião, numa cidade como Salvador onde a maioria de sua população é formada por afrodescendentes, nunca houve um prefeito negro? E porque a Bahia nunca teve um governador negro?

Arivaldo – Na verdade, a cidade de Salvador até já teve um prefeito negro que foi o atual vereador Edvaldo Brito. Ocorre que o Vereador Edvaldo Brito chegou a este posto em um período difícil politicamente, anos 1970, em plena ditadura militar, quando os militares reprimiam a afirmação do discurso e interesses das chamadas minorias. Logo, diria que não esteve lá exatamente representando os negros, muito menos, como prefeito, foi legitimado pelo voto negro ou esteve em defesa dos interesses da comunidade negra, era um agente político-ideológico da ditadura. Este exemplo permite afirmar que foi difícil e tardia a organização política e afirmação racial dos negros na Bahia do Século XX. Isto porque, acredito, a Bahia talvez seja o estado brasileiro em que mais modelarmente se propagou o mito da democracia racial. Além disso, durante muito tempo os brancos escravocratas, seus descendentes e prepostos criaram mecanismos de forte controle social, político e cultural que impediram a explosão de consciência racial e organização política dos negros. Por fim, diria ainda que os negros, hoje melhor organizados social, cultural e politicamente, precisam repensar as formas de inserção e negociação com os brancos que ainda são hegemônicos. O candomblé, por exemplo, foi um modelo de inserção e negociação, mas está esgotado como tal. Do mesmo modo, é preciso atacar a mentalidade escravocrata que persiste na cabeça dos brancos que deste modo naturalizam o exercício do poder, mas também dos negros que deste modo naturalizam a submissão e a autonegação.

AN - Em uma entrevista disponibilizada no site da Agência Brasil, você diz que a biologia das raças não existe e que “a raça existe a partir de uma compreensão do negro socialmente”. Por quê?

Arivaldo – De fato, nesta ocasião que não me recordo, deveria me referir ao consenso que se estabeleceu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial quando cientistas das mais diversas áreas afirmaram que não existia a biologia da raça, que aquilo que distingue os grupos humanos, por exemplo, a cor da pele, o tipo de cabelo, não se constitui como diferença biológica e racial. Por outro lado, a mesma “raça” humana, subdivida em inumeráveis grupos humanos apresenta diferenças, qualidades físicas, morais que social e culturalmente são compreendidas como positivas ou negativas, como belas ou feias. Ocorre que a valoração destas diferenças e qualidades, muitas vezes, por razões diversas se compreendeu como atributo biológico da raça, fundado em uma biologia específica para cada suposta raça. Então a raça negra, o negro é uma compreensão social, histórica e cultural daquele que foi distinguido como tal por aquele que tinha o controle da realidade social. Por exemplo, os africanos que chegaram no Brasil como escravos não se compreendiam como negros muito menos como raça negra, isso se deu durante a escravidão e quem os nomeou como negros e como raça negra foram os brancos colonizadores e escravocratas.

AN - 15 anos se passaram desde o “Caso Ari”. Depois de todos estes anos como você avalia a vida do negro na academia?

Arivaldo – Ocorreram mudanças. Positivas. As ações afirmativas, através da reserva de vagas, para negros e índios nas universidades públicas é um ganho monumental. Nas próximas décadas teremos uma visibilidade muito maior e ocuparemos muito mais postos de comando nas mais diversas áreas de conhecimento acadêmico, política, artes e economia. Ou seja, ocorreu um combate, de fato, a desigualdade racial na universidade pública e fora da universidade pública. Porém, o preconceito ainda existe dentro e fora da universidade. Os negros ainda concorrem de maneira desleal com os brancos no acesso a recursos públicos para pesquisa, por exemplo, porque as redes de relações que favoreceram os brancos durante décadas ainda persistem e estão procurando novas estratégias para se manterem fortes.

AN – O “Caso Ari” contribuiu para que você escolhesse essa área de pesquisa?

Arivaldo - Este caso racial não trouxe esta contribuição, porque antes de chegar ao doutorado em Antropologia Social na UnB que foi quando fiquei conhecido nacionalmente como pivô do chamado “Caso Ari”, já estudava relações raciais e cultura negra. Isto pode ser constatado pelo tema da minha pesquisa de mestrado, defendida em 1995, pelas questões que apareciam no meu trabalho final de graduação, defendido em 1990, em trabalhos que publiquei antes do “Caso Ari”. Este caso me permitiu requalificar o debate que já fazia, elaborar de outro modo as questões sobre a desigualdade racial e o racismo no Brasil e compreender melhor minha trajetória intelectual racializada.

AN - Como professor negro, você acha que tem as mesmas oportunidades que um professor branco dentro da universidade?

Arivaldo – Formalmente sim. Sobretudo, se considero minha titulação de Doutor. Entretanto, como já disse antes, como doutor negro, originário de uma família pobre e sem tradição acadêmica, muitas vezes não tenho as mesmas oportunidades que um Doutor branco, porque não faço parte de redes de relações e comando poderosas, administradas por intelectuais brancos. Estas redes se definem como fundadas no mérito, o que é possível verificar, porém omitem o processo racializado como este mérito é construído e legitimado.

AN - Resultados das pesquisas que participou já foram utilizados pelo governo, ou contribuíram, para implantação de projetos para melhoria das relações raciais?

Arivaldo – Desconheço este uso. De um modo geral, nossos governantes, em todos os níveis, desprezam os resultados de pesquisa dos cientistas sociais. Caso contrário, já teriam levado em consideração aquilo que cientistas de grande prestígio acadêmico, brancos e negros, vêm afirmando e denunciando há décadas sobre as desigualdades raciais e erros das políticas públicas elaboradas e executadas para os pobres, desconsiderados em relação à raça e desigualdade racial.

*Emile Conceição é graduanda em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFBA

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *