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Atualizado em 6 DE maio DE 2012 ás 20:10

Silvio Vieira de Melo

Com maiores investimentos, UFBA poderá ter condições de realizar pesquisa na área de nanopartículas de fármacos para encapsulamento e liberação controlada de princípios ativos como a insulina, o hormônio sintético da tireóide, drogas para o tratamento de dor crônica, entre outros

Por Ailton Sena
aailton.sena@gmail.com

Doutor em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o professor da Escola Politécnica da UFBA Silvio Vieira de Melo desenvolve pesquisas na área de Nanotecnologia. Nessa entrevista aborda as dificuldades da pesquisa  e afirma que  o Brasil não tem dado a devida importância aos estudos deste campo. Ele defende as parcerias com instituições privadas como alternativa ao descaso do governo. “Vejo essa atitude como a única alternativa atualmente viável para se desenvolver pesquisa relevante no Brasil”, aponta. Ele conta, ainda, que devido ao cenário do estado recorreu à alternativa de expandir sua pesquisa. Ele está em Sydney, Austrália, desenvolvendo pesquisas de pós-doutorado.


Silvio Vieira de Melo, doutor em Engenharia Química

Ciência e Cultura – Em linhas gerais, de que se trata a área de pesquisa em Nanotecnologia?

Silvio Vieira de Melo – A nanotecnologia é considerada a base para a próxima revolução industrial e sua consolidação irá demandar a quebra de vários paradigmas. É uma área de pesquisa ampla e multidisciplinar, que envolve todas as ciências básicas e as engenharias de uma forma geral. O seu principal objeto de estudo são os sistemas, materiais e processos na escala nanométrica (1 nanômetro é 1 bilhão de vezes menor do que 1 metro). O engenheiro químico, em particular, devido à riqueza da sua formação, que tem em suas bases a química, a física, a matemática e mais recentemente a biologia, possui uma vantagem comparativa considerável para se destacar na engenharia da escala nanométrica. Ainda pode parecer estranho ouvir falar em nanotecnologistas, nanocientistas, nanoengenheiros, nanolíderes, mas é só uma questão de tempo.

Ciência e Cultura – Qual a importância das pesquisas nesta área?

Silvio Vieira de Melo - A pesquisa nessa área tem aplicações em fármacos, nutracêuticos, cosméticos, fertilizantes, catalisadores, óxidos metálicos e polímeros especiais, entre outras. Novos materiais e produtos irão surgir no âmbito da nanotecnologia e vão viabilizar o desenvolvimento de sistemas de aquecimento solar mais eficiente, equipamentos eletrônicos menores e com menor consumo de energia, sistemas de liberação controladas de drogas para o tratamento de doenças como diabetes, hipotireoidismo e diversos tipos de câncer, fertilizantes de liberação lenta com menos desperdício, processos petroquímicos mais rápidos e mais baratos usando nanocatalisadores. Ou seja, em pouco tempo, o padrão e a qualidade de vida das sociedades que assimilarem e desenvolverem a nanotecnologia irão melhorar significativamente.

Ciência e Cultura – Como o senhor analisa o desenvolvimento de pesquisas nesta área na Bahia com relação aos outros estados?

Silvio Vieira de Melo - O desenvolvimento de pesquisas nesta área na Bahia está muito aquém dos estados das regiões sudeste e sul do país, porque o apoio financeiro dos órgãos de fomento, tanto no nível federal quanto estadual, não corresponde à necessidade dos pesquisadores e instituições. Sabe-se também que o Brasil está com pelo menos 10 anos de atraso em pesquisas em nanotecnologia com relação aos países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e a Comunidade Européia. Mesmo países em desenvolvimento, como Índia e China, tem investido relativamente bem mais que o Brasil nessa área.

Ciência e Cultura – Como tem sido o apoio das agências de financiamento?

Silvio Vieira de Melo - Há uma dificuldade muito grande das entidades públicas de amparo a pesquisa para entender a importância da nanotecnologia. Os gestores dessas entidades normalmente são indicados por critérios políticos e a lógica da política no Brasil é a do imediatismo. Investir em nanotecnologia, que ainda demanda muita infraestrutura em pesquisa básica, é uma aposta que leva de 10 a 15 anos para trazer frutos de relevância internacional, tempo considerado incompatível com os cargos políticos que se renovam a cada quatro anos, muitas vezes em até menos tempo. Na esfera federal, por mais que se divulgue que a nanotecnologia é uma área prioritária, na prática o aporte de recursos ainda é muito tímido. O Brasil está correndo serio risco de perder mais uma vez o bonde da história. Na esfera estadual praticamente não se fala em nanotecnologia.

Ciência e Cultura – Quais as contribuições que este ramo de pesquisa, em especial, as desenvolvidas pelo senhor, trouxeram para o ramo de fármacos?

Silvio Vieira de Melo - Atualmente, estamos estruturando o Laboratório de Nanotecnologia Supercritica, na Escola Politécnica, para que em breve tenhamos condições de realizar trabalhos relevantes na área de nanopartículas de fármacos, para encapsulamento e liberação controlada de princípios ativos como a insulina, o hormônio sintético da tireóide, drogas para o tratamento de dor crônica, entre outros. Dada a dificuldade de financiamento para montar a infraestrutura necessária na Bahia, a opção que encontramos foi expandir as nossas fronteiras para o exterior. Atualmente, 2 alunos de doutorado do Laboratório estão desenvolvendo suas teses em 2 universidades da Itália, em centros de pesquisa de referência internacional. Eu me encontro em Sydney, Austrália, desenvolvendo um projeto de pesquisa de pós-doutorado na University of New South Wales, cujo tema é a produção e encapsulamento de nanopartículas de fármacos, via diferentes técnicas que fazem uso do CO2 supercrítico (gás denso). A vantagem dessa estratégia é que conseguimos alcançar num período de 1 a 2 anos algo que no Brasil, em particular na Bahia, levaríamos 5 a 10 anos para obter. A desvantagem é que acabamos tendo que dividir nossas idéias com grupos do exterior, o que numa área extremamente competitiva como a indústria farmacêutica, altamente protegida por patentes, pode implicar em perdas financeiras.

Ciência e Cultura – Já existem resultados na pesquisa?

Silvio Vieira de Melo - Nossas pesquisas estão em andamento. Nenhum resultado foi aplicado na prática, até porque as aplicações medicinais demandam tempo até que sejam autorizadas pelos órgãos reguladores e fiscalizadores. O primeiro passo é o registro de patentes, que também é muito difícil no Brasil, levando em média 5 anos para que o registro definitivo de uma patente seja concedido. Sem contar que, na área farmacêutica, o registro de patentes internacionais é fundamental. Porém, devido aos altos custos envolvidos, que as agências de fomento não se dispõem a cobrir, é muito limitado o número de patentes internacionais registradas por pesquisadores brasileiros. Potencialmente, os projetos de pesquisas que estamos coordenando podem levar a resultados de grande impacto, mas o contexto em que estamos inseridos no Brasil e na Bahia infelizmente não é favorável à aplicação desses resultados.

Ciência e Cultura – Quais os benefícios que advém da aplicação das nanopartículas  aos alimentos (ramo conhecido por  nutracêuticos)?

Silvio Vieira de Melo - Atualmente, nosso grupo de pesquisa não está trabalhando com nutracêuticos. Contudo, uma aplicação da nanotecnologia para agregar valor terapêutico a um alimento consiste na impregnação de princípios ativos usando fluidos supercriticos. Em poucas palavras, pode-se usar um gás denso para carrear princípios ativos específicos para o interior dos alimentos, que passariam a ter, alem do valor intrinsicamente nutritivo, o valor terapêutico agregado.

Ciência e Cultura – A sua pesquisa tem sido financiada pelo governo ou por meio de parcerias com empresas privadas?

Silvio Vieira de Melo - Parte das pesquisas é financiada pelo governo e parte por empresas privadas. Nos editais das agências de fomento tradicionais o volume de recursos é pequeno e a demanda muito grande, por isso é normal que bons projetos tenham méritos, mas não obtenham recursos. Além disso, quando os projetos são aprovados com recursos, a exemplo do edital universal, os valores praticamente são usados para custeio, porque são muito baixos, o que inviabiliza a compra de equipamentos, sobretudo os importados.  A parceria com as empresas privadas ainda é tímida no Brasil. No nosso caso, posso dizer que o grande parceiro é a Petrobras. Em breve estaremos com um novo laboratório na UFBA, para produção de nanocatalisadores, com infraestrutura de ponta, totalmente financiado pela Petrobras, única empresa que investe regularmente em pesquisa e com um volume de recursos razoável. A cultura do empresariado brasileiro não é a do risco e investir em pesquisa é arriscado. Nem sempre se alcançam os resultados desejados. Alem disso, a maioria das empresas, quando procura um pesquisador na universidade para propor um projeto não quer remunerar a equipe de pesquisadores. Outras vezes, a empresa se dispõe a dar a contrapartida, pagando os pesquisadores, mas as regras da universidade e do serviço publico federal são anacrônicas e rígidas demais, ou mesmo quando há agências de fomento envolvidas. Apenas para citar um exemplo, um projeto do nosso grupo deveria concorrer a um edital da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), em parceria com uma empresa farmacêutica disposta a pagar a equipe de pesquisadores como contrapartida. Porém, após consultada, a FINEP informou que os pesquisadores não poderiam receber nenhuma remuneração pelo projeto. Como ninguém vai trabalhar de graça para uma empresa, o projeto foi abortado. Enquanto isso, nossos alunos de doutorado, que serão os futuros pesquisadores desse pais, entregam seus talentos e esforços durante 3 a 4 anos em troca de 3 salários mínimos por mês. É lamentável.

Ciência e Cultura – Então, em sua visão o estabelecimento de parcerias com empresas privadas é lícito e necessário para desenvolvimento de pesquisas?

Silvio Vieira de Melo - Eu vejo essa atitude como a única alternativa atualmente viável para se desenvolver pesquisa relevante no Brasil, na área das engenharias e em particular na nanotecnologia, objeto dessa entrevista. Essa é uma tendência mundial. No Brasil, temos o agravante dos salários dos professores/pesquisadores, doutores, nas universidades serem muito baixos. Apenas para fazer um paralelo, na Austrália um professor universitário ganha cerca de 5 vezes mais do que um professor universitário no Brasil. Sem contar que na Austrália um professor universitário, na área da engenharia, ganha cerca de 50% a mais do que um engenheiro sênior com cargo gerencial numa indústria, alem do prestigio social que desfruta. A conseqüência natural é que em países como a Austrália, os melhores cérebros são atraídos para as universidades, e em países como o Brasil, cada vez mais os melhores cérebros estão fugindo das universidades. A relação é direta: as universidades com os melhores cérebros irão desenvolver as melhores pesquisas. Na engenharia química, em particular no Brasil, a única alternativa para conseguirmos evitar a fuga de professores da universidade para a indústria, ou mesmo para outras atividades, é permitir a remuneração adicional através de projetos financiados por empresas privadas.


* Estudante de Jornalismo da FACOM-UFBA

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