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Atualizado em 2 DE maio DE 2012 ás 17:49

Heron Gordilho

O professor Heron Gordilho da UFBA vem se tornando referência quando o assunto é Direito Animal. Atualmente é Presidente do Instituto Abolicionista Animal e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Ambiental da Fundação Faculdade de Direito da UFBA. Nessa entrevista, discute a atual realidade da Bahia sobre o tráfico de animais, expondo seu ponto de vista sobre o tema.

POR ANA CAROLINA DOURADO MIRA*
carol-mira@ig.com.br

Ciência e Cultura- Primeiramente, o que consiste o tráfico de animais?

Heron Gordilho- O tráfico de animais representa a captura ilegal e transporte de animais silvestres para regiões consumidoras que, muitas vezes, é muito similar ao tráfico de armas e de drogas.  Esses animais vão para as esferas internacionais, adquirindo valor cada vez mais alto

Ciência e Cultura- Os principais destinos das espécies são os laboratórios e colecionadores. O que motiva os cientistas e os colecionadores a encomendarem/comprarem animais comercializados ilegalmente?

Heron Gordilho – Bom, em relação aos cientistas, existe uma má compreensão da relação de animais como cobaias. Na verdade 90% desses animais são mortos, são torturados e não produzem conhecimento nenhum, então, é mais uma questão de costume dos laboratórios. A indústria farmacêutica, por exemplo, já tem o costume de seguir a legislação e tem medo de modificar porque já existem métodos alternativos, recursos alternativos, para as experiências com animais. Então, é mais fruto de uma má compreensão científica desses laboratórios ou desses cientistas. Em relação aos colecionadores, é uma tradição ultrapassada que ainda existe, mas difícil de modificar. Recentemente, teve um exemplo clássico que foi o rei da Espanha, um dos presidentes da WWF (World Wildlife Found) que é o fundo da defesa de animais silvestres,  matando elefante.  O que explica uma atitude como essa? Somente tradição, estar preso a uma tradição ultrapassada. Então se você tem uma coleção de animais significava ter status. O jardim zoológico da Bahia é o quintal da casa do governador do palácio. Ter animais sempre foi sinal de status para os reis e para as pessoas que se consideravam muito importantes que tendem a colecionar animais, que é uma forma de exibir o seu poder, exibir o seu status.

Ciência e Cultura- Quais as espécies mais procuradas e comercializadas pelos traficantes atualmente na Bahia?

Heron Gordilho- Na Bahia, os macacos que são muito utilizados, como o mico leão da cara dourada. O preço varia de acordo com o mercado, mas nós temos muitos animais que estão ameaçados de extinsão comoos pássaros (Canários, Cúrio), a onça (vários tipos de onça), e que acabam adquirindo um valor no mercado. Também tem muito de biopirataria. Boa parte dos nossos animais é objeto de tráfico justamente para a biopirataria.

Ciência e Cultura- Para você, qual é o principal motivo do desaparecimento de centenas de espécies no planeta?

Heron Gordilho- O principal motivo é a ocupação do habitat desses animais pelo homem. A espécie humana se tornou no planeta Terra uma praga que vem disseminando de uma forma, ou como diz John Gray, uma primatea disseminada, e isso tem destruído o habitat de várias espécies, e esse é o principal fator da extinção de várias espécies, aliado ao tráfico, aliado as mudanças climáticas, aliado a poluição. Mas o principal motivo, hoje, é a destruição do habitat.

Ciência e Cultura- Nesse mês, em Porto Seguro-BA, a polícia apreendeu sessenta e seis aves silvestres. Além da Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA), quais os órgãos ou agentes responsáveis pela fiscalização e combate ao tráfico de animais?

Heron Gordilho- O principal responsável pelo combate ao tráfico de animais são os órgãos ambientais, a fiscalização a nível nacional: IBAMA, estadual: INEMA, e o municipal: secretária, já que os animais são propriedades, são bens de uso comum. Então qualquer das esferas e também a sociedade devem adotar as medidas para proteger os animais, então, ou seja, a omissão da polícia, a omissão dos órgãos dos sistema nacional do ambiente, dos órgãos ambientais, há uma omissão do ministério público e do judiciário. Alguns estados já possuem uma promotoria especializada na defesa dos animais, como Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo. A Bahia está atrasada nisso. Mas existe aqui já uma seção da OAB, a OAB aqui na Bahia está mais avançada.

Ciência e Cultura- Na Bahia já temos projetos para o combate ao comércio ilegal de animais e proteção da fauna?

Heron Gordilho- Não existe não. A proteção da fauna na Bahia é muito mais trabalho isolado, individual, de alguns promotores, onde eu me incluo, e de algumas ONGs, algumas pessoas voluntárias que tem feito esse trabalho. Mas não existe uma política de Estado direcionada para esse fim, infelizmente.

Ciência e Cultura- Se tratando de Direito Animal, quais são os direitos feridos quando há a prática da comercialização de animais silvestres?

Heron Gordilho- Primeiro, a liberdade dos animais, para ser mais sincero não há liberdade, eles são apreendidos. Aliás, todos os direitos básicos são violados. Segundo, a integridade física. Esses animais para o tráfico são colocados em malas fechadas, no escuro, tem asas quebradas para não fugirem e 90% deles acabam morrendo. Então o direito da vida também acaba sendo desrespeitada. Eles utilizam a técnica de dar bebida para o animal ficar sonolento e não despertar a ação da fiscalização, então os animais são embriagados. Outra técnica que eles usam é pintar as penas desses animais (ai eles morrem intoxicados) para tentar prender o animal com o outro, além de serem desdentados, os animais que tem dentes são desdentados. São técnicas extremamente cruéis que ofendem a integridade física dos animais. Então o tráfico de animais é um dos crimes mais abomináveis que tem na sociedade e um dos mais cruéis também.

Ciência e Cultura- Qual seriam as medidas necessárias para a efetivação do combate ao tráfico de animais na Bahia?

Heron Gordilho- Vontade política do Estado. A sociedade precisa ter uma participação mais efetiva e também passaria por um processo de educação, mudança de mentalidade. Basta você olhar aqui por Salvador, pelo Canela, por exemplo, para ver sempre um menino pequeno com uma gaiola traficando animais, e não é tomada nenhuma providência. Então haverá necessidade realmente de uma vontade política do Estado, através da educação ambiental. É claro que esses meninos estão fazendo isso por ignorância, né? Eles não têm na escola um processo de educação, processo de mudança de mentalidade. Você não vê isso na escola particular, que já há uma mudança de mentalidade, mas nas escolas públicas infelizmente não há. Muitos deles não estão nem na escola. Essa que é a realidade. E não há vontade do Estado, realmente, de combater esse tráfico. Não iria acabar, mas reduziria substancialmente esse tráfico de animais que destrói essa riqueza que nós temos e que retira de novas gerações o direito delas conhecerem uma espécie e de conviver com esses animais. É uma verdadeira atitude de egoísmo em relação aos nossos filhos, aos nossos netos, essa omissão em relação aos animais.

*Aluna da disciplina Agencia de Notícias em C&T da FACOM-UFBA e estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades – IHAC/UFBA

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