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Atualizado em 15 DE abril DE 2014 ás 16:14

Maria Celeste Natário

Há 20 anos, no dia 03 de abril de 1994, falecia o famoso filósofo português Agostinho da Silva. Em entrevista concedida à Agência de Notícias, Ciência e Cultura, a professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Portugal), Maria Celeste Lopes Natário Alves dos Santos, falou sobre sua paixão pelo trabalho do lusitano, a vinda dele ao Brasil, seu engajamento na aproximação entre Brasil e Portugal e sua colaboração na criação do Centro de Estudos Afro-orientais (CEAO). Confiram!

Emile Conceição*

"Agostinho da Silva é, para mim, uma paixão longa" (Foto: Acervo pessoal)

Agência Ciência e Cultura – Por que resolveu pesquisar sobre Agostinho da Silva?

Maria Celeste Natário – Agostinho da Silva é, para mim, uma paixão longa. Nas minhas aulas, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde sou professora há alguns anos, na área da Filosofia e da Cultura, é um autor que abordo sempre. Desde logo pela sua concepção de Filosofia: não apenas uma forma de pensar, sobretudo uma forma de ser. Como na antiga Grécia.

Agência Ciência e Cultura – Quem foi Agostinho da Silva?

Maria Celeste Natário – Agostinho da Silva foi um filósofo português, nascido no Porto em 1906, que se tornou o filósofo português mais conhecido no final do século XX em Portugal. Falecido em 1994, deixou uma obra vastíssima nos mais diversos âmbitos, e foi um grande defensor de uma aproximação entre Portugal e Brasil. No pensamento filosófico português e de língua portuguesa em geral, Agostinho da Silva será sempre um pensador incontornável, dada a sua vocação universalista, visando, em última instância, a promoção integral do ser humano. Para cumprir esse desiderato, Agostinho da Silva falou bastante das capacidades de imaginação do humano, que devem ser colocadas em prática. Ele próprio foi, essencialmente, um interventor, um pensador ativo, procurando, aos mais diversos níveis, valorizar o património natural de cada ser humano. Daí, de resto, a dimensão pedagógica do seu pensamento.

“Agostinho da Silva, um grande defensor de uma aproximação entre Portugal e Brasil” (Foto: Acervo pessoal)

Agência Ciência e Cultura – E quanto a essa dimensão pedagógica, fale-nos um pouco sobre.

Maria Celeste Natário – Ele deixou-nos uma obra muito próxima da obra de Paulo Freire, onde a intenção é a de um pensamento que a nível pedagógico conduza o homem a ser cada vez mais livre, mais emancipado, mais ele-próprio. São estes, em suma, os tópicos: liberdade para a criação, criatividade e autenticidade e autonomia plena.

Agência Ciência e Cultura – Agostinho foi, então, um humanista?

Maria Celeste Natário – Sim, sempre revelou um grande amor pela humanidade, seguindo aí a visão de Francisco de Assis e Joaquim de Flora: no reconhecimento das potencialidades do indivíduo; pela dimensão da esperança e na tarefa de melhorar o mundo e cada um de nós – reencontrando a criança que cada um de nós no fundo é, a criança “Menino-Imperador” das Festas do Espírito Santo, que aqui no Brasil também se celebram no dia de Pentecostes.

Agência Ciência e Cultura – Ele, também, foi um divulgador de cultura?

Maria Celeste Natário – Sim, a sua grande aposta na divulgação da cultura e no carácter construtivo que ele revela num dos textos fundamentais, como nas Sete Cartas a um Jovem Filósofo, onde aborda a relação entre mestre e discípulo, mas de modo em que o discípulo se mantém sempre livre. Daí também a sua concepção de universidade: a universidade como meio de divulgação da cultura, sendo essa mesma cultura algo que reflete a identidade do seu povo. Ele considera que cada povo tem a sua identidade e a sua missão. Daí o papel da universidade, que deve cruzar todos os saberes, tendo sempre em atenção o meio onde está inserida, já que para ele, deve cumprir, sobretudo, a função de integração da cultura nacional, de preparação do humano, no seu sentido mais elevado. Como ele próprio gostava de dizer, as universidades devem criar aqueles que irão depois “assessorar os Governos”. Em suma, para Agostinho da Silva, as universidades devem preparar mais homens e menos técnicos. E isto porque o homem é “capaz de realizar o fundamental esforço de criação do mundo”, de realizar o próprio “impossível”. Uma das minhas frases favoritas de Agostinho é mesmo essa: “Só há homem quando se faz o impossível; o possível todos os bichos fazem.”

Agência Ciência e Cultura – Quanto à política, ele era engajado nesses assuntos?

Maria Celeste Natário – Politicamente, Agostinho da Silva defendeu a Democracia como uma forma de organizar a convivência social, mas, sobretudo, como um valor cultural. Mudar o mundo, em Agostinho da Silva, é deixar que alguém seja o que é, livremente, sendo à solta. Pensamento à solta era, de resto, o título de uma obra sua. Em suma, defendeu uma sociedade em que haja pleno respeito pelos outros – como acontece em todos os grandes humanistas, sendo que, muitas vezes, a dimensão prática não acompanha os ideais, como aconteceu com Agostinho da Silva, que foi sempre um homem de ação.

Agência Ciência e Cultura – O que o fez vir para o Brasil e o que ele fez por aqui?

Maria Celeste Natário – Foi a sua consciência crítica que o fez vir para o Brasil, em meados dos anos quarenta, tendo por cá ficado cerca de vinte e cinco anos. No Brasil, teve também uma actividade muito marcante – esteve envolvido na criação de diversas Universidades, Paraíba, Santa Catarina e Brasília, e centros de estudos, como o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), onde procurou, sobretudo, que o Brasil redescobrisse as suas raízes africanas. Daí o intercâmbio que promoveu entre professores brasileiros e africanos. Foi igualmente marcante enquanto assessor do Presidente Jânio Quadros, no início dos anos 60, onde conheceu o Embaixador José Aparecido de Oliveira. Eles acabaram por ser os dois principais inspiradores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Também aí, ele foi um grande teórico e prático do que hoje se chama de “Lusofonia”, esse sentido de irmandade entre todos os falantes da nossa língua.

Agência Ciência e Cultura – Demais considerações.

Maria Celeste Natário – Agostinho da Silva sempre foi adepto do cruzamento de saberes: filosofia, literatura, cultura, arte, religião. Há nele uma grande atenção à dimensão da espiritualidade. Mas, se fica sempre muito aquém de dizer tudo o que há a dizer sobre Agostinho da Silva. Convido os leitores a pesquisarem. Até na internet há muitos textos on-line e muitos vídeos sobre ele.

* Estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba

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