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Atualizado em 10 DE maio DE 2012 ás 22:50

Laila Rosa

Laila Rosa, Prof. Dra em Etnomusicologia (UFBA/New York University) integra o Núcleo de Estudos Interdisciplinares Sobre a Mulher (NEIM/UFBA), que realizará entre os dias 14 e 16 de maio o XVII Simpósio Sobre Mulheres e Relações de Gênero. Nesta entrevista ela ressalta a importância de se discutir sobre as questões de gênero, sexismo, racismo e lesbo-homofobia, além da relação dos mesmos com as matrizes de desigualdades que convivem no espaço social urbano. Relaciona ainda as questões mencionadas ao cenário musical baiano.

POR MARILÚCIA LEAL*
lealmarilucia@gmail.com

Ciência e Cultura - Qual a contribuição do NEIM no panorama atual das pesquisas sobre gênero, sexismo, racismo e lesbo-homofobia na Bahia?

Laila Rosa - O Núcleo de Estudos Interdisciplinares Sobre a Mulher (NEIM/UFBA) é uma importante referência de atuação política e acadêmica baiana na produção de pesquisa sobre estudos de gênero, sexismo, racismo e lesbo-homofobia e o XVII Simpósio vem para atualizar e consolidar esta discussão com pesquisadoras/es de outros núcleos, instituições e militantes do movimento social e sociedade civil como um todo. A projeção nacional do NEIM tem sido ainda mais consolidada com a criação do Programa de Pós-Graduação em estudos interdisciplinares sobre mulheres, gênero e feminismo (PPGNEIM/UFBA) e o bacharelado de gênero e diversidade (BED/UFBA). Existem outros importantes núcleos e programas de atuação relevante como o Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade (CuS/UFBA), o Diadorim (UNEB), o CEAO (UFBA) e o recém-lançado Odara – Instituto da Mulher Negra (Coletivo de entidades do movimento social), somente para citar alguns.

Ciência e Cultura – Quais as principais matrizes das desigualdades encontradas no contexto social urbano soteropolitano? Como elas se manifestam?

Laila Rosa - Como uma cidade majoritariamente negra, o aspecto da desigualdade racial em Salvador é preponderante, mas que não deve ser pensada isoladamente. Por esta razão, a importância de articular o debate racial com gênero, lesbo-homofobia-transfobia que produz diferentes/desiguais lugares nas relações de poder desde a definição de políticas públicas à esfera cotidiana. Gênero, raça/etnia, classe, sexualidade e geração são marcadores sociais e políticos de diferença e se manifestam na produção de desigualdades, de violência e de preconceito.

Ciência e Cultura - Como se estabelece a relação sexismo/racismo?

Laila Rosa - Raça e gênero são marcadores sociais, culturais e políticos. As feministas negras, militantes do movimento de mulheres negras já denunciavam o sexismo dentro do próprio movimento negro. Logo, as relações de gênero delineavam as relações de poder dentro de um movimento social e político de grande relevância que é até hoje o Movimento Negro. Por outro lado, há também uma desigualdade entre as próprias mulheres brancas, negras e indígenas, onde somente através de uma reflexão sobre raça e classe é possível trazer uma maior amplitude deste panorama político que produz lógicas tão perversas que precisam ser combatidas.

Ciência e Cultura - Quais os principais marcadores de gênero e como se relacionam com questões raciais e sexuais?

Laila Rosa - Se considerarmos a questão da sexualidade, o quadro se torna ainda mais complexo em relação ao discutido na pergunta anterior, pois, há também uma outra produção de diferença e de desigualdade, ainda que simbólica entre sujeitos heterossexuais, lésbicas, gays e transexuais. Cada sujeito conforme sua “localização” irá se situar de uma forma particular, e particular será também sua situação de violência e de discriminação sofirda, se a mesma for dissonante da lógica patriarcal branca e heteronormativa.

Ciência e Cultura - Estatísticas revelam um avanço nos números de ocorrências de manifestações de preconceitos e fatos sexistas, racistas, homofóbicas e afins. O que justificaria tal realidade?

Laila Rosa - Os debates sobre sexismo, racismo, lesbo-homo e transfobia têm dado visibilidade e desnaturalizado o que por muito tempo foi sequer discutido como questão política, onde ainda se acreditava que o público estava separado do privado. Estamos em tempos de reivindicações políticas de enfrentamento a todas estas violências. A Lei Maria da Penha vem provar isso, o racismo ser criminalizado e as políticas de ações afirmativas vêm provar isso, resta que ambas a sociedade e a legislação brasileira compreendam sua responsabilidade política para combater a  lesbo-homo e transfobia.

Ciência e Cultura - Você acredita que o conteúdo de músicas, como algumas produzidas pelo segmento do pagode, pode reforçar a partilha de matrizes sociais desiguais aqui em Salvador?

Laila Rosa - Como musicista e etnomusicóloga que compreende música como expressão cultural global e política, certamente, venho discutindo já há alguns anos como são essas configurações em termos de representações de gênero, de racismo e também de branquitude, o que normalmente esquecemos de mencionar quando falamos sobre a questão racial e do próprio sexismo. A música do pagode em si não fabrica misoginia, se não é fruto de um contexto onde ser misógino é “natural”. Aliás, o pagode há de ser pensado no plural e em primeiro lugar como espaço de protagonismo negro, o que foi perdido com o Axé, por exemplo. Contudo, há determinados nichos não somente do pagode, mas também de outros gêneros musicais que corroboraram e ainda corroboram com discursos sexistas que precisam ser discutidos mais amplamente em termos de indústria e de consumo. A classe média branca consome o pagode, a indústria cultural vende e lucra com o pagode, a mídia divulga o pagode ou gêneros afins. É todo um complexo que reitera o sujeito negro (masculino e feminino) como hipersexualizado e estigmatizado. O artista negro para ter projeção na grande mídia precisa entrar nesse jogo do mercado e colaborar para sua própria estigmatização dentro dessa lógica cultural e política racista. Várias/os artistas negras de excelência como Mariella Santiago, Manuela Rodrigues, Juraci Tavares, Maurício Lourenço, Gilberto Santiago, Júlio Caldas, Márcio Pereira, somente para citar alguns, sofrem muito mais por fugirem dos estigmas artísticos “reservados” para artistas negros, ao propor trabalhos autorais que fujam dessa lógica de estigmatização. O livro Solistas Dissonantes de Ricardo Santhiago traz depoimentos de artistas negras que, como Zezé Mota que sofreu preconceito por não querer ser cantora de samba. Não que ser cantora de samba seja de “menor” importância, mas que uma cantora negra/músico negro, segundo a lógica desse mercado “só pode” cantar ou tocar samba, pagode, etc. Voltando ao pagode, se pensamos na situação das mulheres negras que já são duplamente discriminadas por raça e gênero, temos ainda uma outra forma de violência que mina a auto-estima das mulheres. Como o prof. Clebemilton Nascimento, que irá lançar seu livro sobre pagode durante o Simpósio bem pontua, esse tipo de pagode finda por produzir um discurso majoritariamente masculino sobre as mulheres que o protagonizam enquanto “cachorras”, “piriguetes”, “metralhadas”, “pomba-sujas” ou “frutas”. Ainda que tais discursos possuam um caráter multifacetado, sobretudo em relação à figura da “piriguete”, o mesmo desqualifica e marginaliza o corpo feminino que esteja fora do padrão hegemônico de beleza, sem falar que reduzem todas as mulheres às suas qualidades físicas e nada mais.

Ciência e Cultura - E como avalia a lei “antibaixaria”, nesse contexto da desconstrução das desigualdades simbólicas?

Laila Rosa - Hoje não é mais “natural” rir de piadas explicitamente racistas na TV como há 20 anos atrás sem que dê em algum processo de discriminação racial, por que temos meios legais para tal, depois de muita luta das entidades negras. Hoje entendemos que “briga de marido e mulher se mete a colher, sim”. Precisamos avançar para deixarmos de achar tão “natural” a violência simbólica apontada pela antropóloga feminista e fundadora do NEIM, Cecilia Sardenberg ao analisar a letra de um pagode que diz que “mulher é que nem lata: um joga e outro cata.” Por esta razão, a lei, polemicamente conhecida como “antibaixaria” da deputada Luiza Maia, recém aprovada, traz uma importante questão ao debate e enfrentamento dessa produção naturalizada de desigualdades simbólicas que nada tem a ver com censura, mas com o investimento do dinheiro público, de nós mulheres e alguns homens que não se sentem contemplados por tal discurso. Por outro lado, a própria forma como a lei ficou conhecida, “antibaixaria” confere um teor classista à lei, o que prova que estamos apenas começando o debate que deve ser ainda mais aprofundado. Mas já é um passo politicamente de grande importância e, portanto, uma conquista para as mulheres.

* Marilúcia Leal é estudante de jornalismo pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura.

4 comentários para Laila Rosa

  1. Ednildes Sodré Gomes disse:

    Finalmente, a liberdade de expressão alcança universos superiores da verdade em questão. Hoje, a complexidade social, cultural e política requer que revisemos em tempo real os acontecimentos sociais e o seu nível de expressão. Afinal, há o que seja pejorativo ou não. Não é censura aquilo que afeta profundamente as dignidades humanas, nesse contexto de gênero e/ou raça, e nesse processo de evolução dos seres e mudanças de paradigmas. Educação, Informação, Comunicação e Civilização já. Parabéns!

  2. Sandra Cristina de Souza disse:

    Gostei muito do depoimento da Pesquisadora,Laila Rosa.Ela sabe como expressar de maneira clara e objetiva todos os assuntos abordados,fiquei satisfeita e orgulhosa por ser mãe de uma pessoa tão dedicada,responsável e competente.

  3. Magali Kleber disse:

    excelente entrevista!!!

  4. Magali Kleber disse:

    excelente entrevista!!!
    Muita profundidade na a analise e exemplos!
    Parabéns!
    Magali

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