Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 11 DE maio DE 2016 ás 23:55

Kâhu Pataxó

Segundo a FUNAI, existem atualmente cerca de 460 terras indígenas regularizadas. A Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam e estabelece que o Estado deveria demarcá-las e regularizá-las até 1993. Mas a disputa está longe de acabar. Ainda exitem vários conflitos por territórios no Brasil 23 anos após o prazo previsto. Em meio a essa situação, surgem projetos de lei, como a PEC 215, que são encarados como uma ameaça aos direitos indígenas. Kâhu Pataxó, liderança na Aldeia Coroa Vermelha, sul da Bahia, começou a militância aos 15 anos. Hoje, aos 25, é Secretário Executivo da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT) e membro do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba). Em entrevista à Agência de Noticias em CT&I – Ciência e Cultura, ele retrata o cenário indigenista no país, em especial no estado baiano

LUCAS BRANDÃO*
lucasllcb@gmail.com

Ciência e Cultura: Quais as principais reivindicações indígenas atualmente?

Kâhu: Não tem como fazer qualquer discussão sobre outra luta a não ser a nossa garantia primeira e fundamental, que é o nosso território. Todos os outros direitos só podem ser assegurados depois que tivermos o nosso território legalizado. O governo não investe em nada nas áreas que considera em litígio ou disputa. Os outros direitos só virão depois que tivermos o principal. A nossa principal luta é a garantia do nosso território.

Ciência e Cultura: Quais ações têm sido tomadas pelo Estado em relação aos direitos indígenas?

Kâhu: O Estado, como um todo, tem sido omisso em relação à garantia dos direitos que a gente já tem. Na verdade, estamos tendo um retrocesso, porque a Câmara dos Deputados tem colocado algumas ações, como a PEC 215 e outras PL’s, que retrocedem o nosso direito. A PEC 215 retira do Executivo a prerrogativa de chancelar a demarcação do território indígena. Hoje, a demarcação é regularizada pelo Decreto 1775, que estabelece o procedimento de demarcação da terra indígena. Quem faz a homologação final desse processo é a presidência da República. O Legislativo quer trazer para dentro do Congresso Nacional a prerrogativa de demarcar. Eles vão dar a aprovação final e revisar os territórios já demarcados.

Ciência e Cultura: Houve avanços em relação à demarcação de terras indígenas na Bahia? O estado tem acompanhado e ouvido as reivindicações?

Kâhu: Já tem um tempo que podemos considerar a demarcação de terras indígenas estagnada. Não temos avançado no estado da Bahia. Na verdade, não temos avançado muito no Brasil como um todo. Como a questão da demarcação e regularização fundiária é de competência do Governo Federal, uma vez que a terra demarcada se torna terra da União, não temos levado essa demanda para o estado. Com o estado a gente tem tratado das políticas públicas para as comunidades indígenas.

Ciência e Cultura: Quais são as principais ações do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba)?

Kâhu: O artigo primeiro do Mupoiba estabelece que será uma entidade de articulação entre os povos e o Estado. Não vai representar os povos, e sim fazer a articulação para que as comunidades possam chegar até o Estado. O Mupoiba vai levar as ações de que necessitam para reunião com o Estado. O nosso papel é muito de articulação, tanto institucional, quanto do movimento das comunidades.

Ciência e Cultura: Há uma grande participação e apoio das comunidades em relação ao Mupoiba?

Kâhu: Sim. O Mupoiba não se trata de uma relação do movimento com a comunidade, mas com a representação dela. A relação do Mupoiba sempre vai se dar com o cacicado, que é o representante de Estado da comunidade. Quase que não vai haver relação direta com as comunidades. Hoje, nos relacionamos com todos os 146 povos do estado.

Ciência e Cultura: Como é a relação das comunidades indígenas com a FUNAI? Elas se sentem representadas pela fundação?

Kâhu: A relação da FUNAI com as comunidades é muito complicada. Ela foi criada para ser uma organização tutelar, uma vez que o Estado, antes da Constituição de 88, considerava o indígena como incapaz. Ele não poderia ter representação diante do estado. Na Constituição de 88 a FUNAI continuou nos mesmos moldes e fazendo o mesmo papel.  Muito ingênuo acharmos que a fundação fazia a nossa representação, pois não cumpre a função institucional de demarcar e regularizar nosso território. Por causa disso, a relação tem sido muito difícil. Mas, aos poucos, temos avançado. A FUNAI não nos representa diante do Estado ou da sociedade, até porque nós temos a auto representação através das nossas instituições e também as representações dentro da comunidade.

"A nossa principal luta é a garantia do nosso território" (Foto: Acervo pessoal)

Ciência e Cultura: As comunidades têm acesso à novas tecnologias?

Kâhu: Nem todas comunidades têm acesso às diversas tecnologias possíveis, mas a maioria tem usa aquelas disponíveis hoje, sejam de comunicação ou industriais. Temos acesso também às tecnologias desenvolvidas por nosso povo.

Ciência e Cultura: De que forma essas novas tecnologias têm influenciado na estrutura das comunidades?

Kâhu: Essas novas tecnologias têm mudado muito a comunidade, principalmente os meios de comunicação, o acesso à internet e a energia. Isso prejudica o nosso convívio e dificulta a participação nas atividades comunitárias. A internet atrai muito mais os jovens. Eles ficam muito iludidos com a internet e seus diversos espaços. Ficam nas redes sociais e acabam deixando de participar das atividades da comunidade. Essa tem sido uma dificuldade que a gente tem tentado contornar.

Ciência e Cultura: Como as novas gerações têm se posicionado em relação à preservação da cultura indígena? Há um movimento de afastamento da identidade étnica?

Kâhu: As novas gerações acabam participando e se envolvendo demais com os meios de comunicação, em especial as redes sociais, e acabam deixando o convívio e as atividades comunitárias em segundo lugar. Mas, nós, a juventude do meu povo, estamos tentando desenvolver um novo programa de computador, que cria algumas redes onde a gente pode traduzir muito dos textos que estão em português para nossa língua, o patxóhã. Inclusive, estamos desenvolvendo grupos de discussão nas redes sociais onde só conversamos em nossa língua para que a identidade linguística permaneça.

Ciência e Cultura: Como é organizada a educação nas comunidades? Há uma valorização da identidade étnica local ou é reproduzido um modelo tradicional?

Kâhu: Temos uma dificuldade muito grande. Por mais que a legislação nos permita ter uma educação diferenciada ou específica, não conseguimos realizar isso porque o modelo do Estado não permite, é muito burocrático. Um exemplo: a nossa língua é o patxóhã e só temos duas aulas por semana, sendo que de português, que é a nossa segunda língua, temos cinco aulas. Não conseguimos ter uma educação específica e diferenciada nesse modelo que o Estado tem.

Ciência e Cultura: As políticas públicas, como as cotas, tem conseguido combater o preconceito e promover a inclusão dos povos indígenas?

Kâhu: De fato, as cotas têm ajudado ajudado a promover a inserção da nossa participação em diversos espaços, principalmente o acadêmico, onde temos conseguido avançar muito. Mas existe o problema da permanência. Uma vez que nossos indígenas saem do seio da comunidade e vão para um espaço de vivência na cidade, onde não tem aquela união e é cada um por si, é muito dolorido. Muitos dos nosso jovens têm retornado para as comunidades ou sofrem uma depressão muito grande durante a permanência nas universidades. Com relação ao preconceito, não resolve. Até porque o preconceito só vai ser solucionado pela educação. O preconceito é uma coisa enraizada, vem lá do berço familiar, que a escola reproduz, e, às vezes, multiplica e ajuda a fortalecer. O estudante vem com sua formação de base já feita quando chega no espaço da universidade. Como quando alguém vê um índio e fica batendo na própria boca e fazendo “uh, uh”. Isso é uma falta de respeito.

Ciência e Cultura: A imprensa tem sido muito criticada com relação a atuação em torno de questões indígenas. Como você vê essa atuação?

Kâhu: Algumas partes da imprensa, não posso generalizar, têm colocado a gente numa posição muito complicada. Tanto que as reportagens que são vistas estão sempre colocando como “o índio invade” e não tentam compreender qual a situação que está acontecendo como um todo na comunidade. Inclusive, não conseguem noticiar, por exemplo, as várias mortes que têm ocorrido com os guaranis kaiowás, com os terenas e tantos conflitos, além dos vários suicídios de jovens no Mato Grosso. A imprensa tem sido muito parcial na hora de levar informação. Até porque quem controla parte da imprensa e das grandes mídias são famílias que têm grandes latifúndios.

Ciência e Cultura: Como se organiza o modo de produção nessas comunidades? Quais as principais formas de cultivo?

Kâhu: A produção das comunidades é basicamente a agricultura familiar de subsistência. Produzimos para sobreviver. O excedente a gente acaba comercializando, geralmente entre comunidades indígenas mesmo. Além disso, o meu povo é explorado pelo turismo na região. A estrutura do povo pataxó é basicamente em cima do turismo, mas, de um modo geral, a economia e a produção dos povos indígenas é da agricultura familiar.

*Graduando do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e estagiário da Agência de Notícias em CT & I Ciência e Cultura.

Um comentário a Kâhu Pataxó

  1. Kahu Pataxó, guerreiro jovem, é um dos nossos orgulhos na luta legítima e incansável pelos direitos dos povos originários das Américas.

    Temos que ser solidárias(os) ao Grito destes Povos.

    São os verdadeiros Donos da Terra!

    Professora Maísa Flores – 15 set. 2016

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *