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Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
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Atualizado em 3 DE maio DE 2012 ás 18:22

Lynn Alves

O mundo mudou. As formas de ensino também. Os jogos eletrônicos tem se tornado uma forma de ensinar para as novas gerações. A doutora Lynn Alves, professora da UNEB, tem trabalhado nessa nova área de ensino, investindo principalmente, em jogos educacionais no estado da Bahia. Nessa entrevista afirma estar torcendo para que o Parque Tecnológico realmente dê certo e que o Game Cluster possa contribuir para a formação e ampliação desse mercado.

POR THAIS DE JESUS*
thaisj7@yahoo.com.br

Ciência e Cultura – Você acredita que os jogos eletrônicos que tem conteúdos de violência podem se tornar educativos?

Lynn Alves – Porque na verdade os jogos, independentemente se o conteúdo que ele traz é violento ou não, são caracterizados por fornecerem um problema para ser resolvido. Mesmo quando ele tem um conteúdo violento, o jogo exige do jogador que ele tenha determinadas estratégias e habilidades cognitivas para solucionar aquele problema. Então no momento em que o jogador precisa parar para estabelecer determinadas estratégias, métodos; pensar quais são os objetivos a curto, médio e longo prazo; o que é necessário fazer para solucionar aquele problema, enfim, ele está estimulando habilidades cognitivas. Por conta disso acredito que esse jogo, independente do conteúdo, pode constituir um espaço de aprendizagem. Levando isso para o ambiente da EaD, podemos torná-lo mais interativo, por exemplo, você provoca situações de aprendizagem através de soluções de problemas, quer dizer, você torna o ambiente mais dinâmico.

Nos Estados Unidos existe um grupo de pesquisadores, na Universidade do Wisconsin–Madison, que trabalha com jogos desenvolvidos com a intenção de despertar nos alunos o desejo por determinadas áreas de conhecimento que serão suas futuras profissões, por exemplo, na área de engenharia genética existe um determinado problema e o aluno tem que solucionar as questões daquela temática muitas vezes buscando informações fora do universo virtual, que retroalimentam o ambiente do jogo. Isso é o jogo motivando e desenvolvendo o sujeito. Obviamente, no que se refere ao conteúdo violento, se você já tem algo na sua estrutura psíquica, que sinaliza que você não está bem, o conteúdo independente do jogo, do livro, do filme ou da música, pode de alguma forma deflagrar um processo patogênico. O jogo por si só não deflagra esse processo.

Ciência e Cultura – Na UNEB você, juntamente com o Grupo de Pesquisa Comunidades Virtuais, desenvolve projetos de jogos educativos no qual alguns deles abordam temas históricos como a Revolta dos Alfaiates e a Revolução Francesa. Como foram desenvolvidos esses projetos?

Lynn Alves – O projeto da Revolução Francesa surgiu, porque é uma revolução que repercutiu mundialmente e a partir dela eclodiram várias outras, por isso nós escolhemos essa revolução. Obviamente, isso levantou questionamentos, considerando que nós estamos em um estado que tem uma história muito rica e vasta. Mas nós escolhemos a Revolução Francesa por que a partir do ideário dessa revolução (liberdade, igualdade e fraternidade) surgiu uma série de revoltas, como por exemplo, a Revolta dos Alfaiates que também está pautada nos pilares dessa revolução. A partir dessa escolha, nós sentamos com os historiadores e levantamos todo o material de diferentes linguagens (livros, filmes, mangás, história em quadrinhos e outros) e construímos o roteiro que permeia a história do jogo. Existe uma equipe multi- referencial que construiu e desenvolveu o jogo, formada por historiadores, pelo pessoal de arte, por designers, programadores, pedagogos e até músicos. Depois disso, fomos validar o jogo, fazer a avaliação do mesmo.

Nesse primeiro jogo tivemos uma grande dificuldade porque o desenvolvemos em 3D, mas infelizmente na rede pública e privada de Salvador não existe placa de vídeo para rodar o jogo em 3D, sendo assim ele não funcionou na escola. Dessa forma nós levamos os estudantes para avaliar o jogo em nosso laboratório. Por conta dessa dificuldade inicial, nós passamos a desenvolver jogos em flash, compramos uma ferramenta que gerava um plug-in e funcionava em qualquer lugar. Daí surgiu a Revolta dos Alfaiates, considerando que era importante para a história da Bahia, pautado nos conteúdos relacionados com a cultura afro-descendente, baseado na lei que regulamenta o ensino dessa cultura (Lei nº 10.639) depois de todo o processo de criação levamos o jogo para escola. Depois desses jogos nós desenvolvemos um jogo de biologia para a secretaria de educação do estado (In Situ), estamos criando um sobre a Revolução industrial (Industriali) e os Guardiões da Floresta que é um jogo do nosso grupo de pesquisa para crianças na faixa etária de 7 a11 anos para trabalhar as questões ligadas à lateralidade.

Ciência e Cultura – Então esses jogos já estão sendo aplicados? E como os professores se situam nesse novo ambiente de aprendizagem?

Lynn Alves – Alguns dos jogos foram validados nas escolas e outros estão disponíveis para as pessoas baixarem. No entanto, a escola de aplicação onde nós fazíamos o trabalho com os jogos (Escola Municipal Antônio Euzébio) entrou em reforma. Nós também trabalhamos com o Núcleo de Educação e Tecnologia do município, fazendo o trabalho de formação dos professores, isso porque não adianta desenvolver jogos e levá-los para a escola, se você não faz o trabalho de formação dos professores. Realizamos esse trabalho de formação no ano passado (2011) e foi interessante perceber que os professores não tem muita habilidade com o jogo, eles passavam a ensinar a nossa equipe como os ensinar. Foi interessante também constatar que eles não tinham conhecimento sobre aquele fato histórico (Revolta dos Alfaiates), esse conteúdo não é ensinado nas escolas.

Ciência e Cultura – Qual o maior desafio que a dinâmica dos games tem?

Lynn Alves – O maior desafio na verdade é levar o jogo para a escola, porque ele já está presente no discurso dos alunos. Quando falamos em levar o jogo, não quer dizer que queremos transformar a escola em lan house, mas que queremos levar o jogo para o discurso dela. É trazer o jogo para o discurso dos alunos, trazendo críticas do conteúdo ideológico que está no jogo. Obviamente que quando falo em levar se trata também de você criar um espaço para jogar, mas não só para jogar, seria um espaço para que o aluno parasse e pensasse sobre o conteúdo daquilo que eles estão jogando, para que eles reflitam.

Ciência e Cultura – É bom perceber também o apoio da secretaria de educação.

Lynn Alves – Isso é legal. Porque a secretaria de educação vai inaugurar os Centros Juvenis de Ciência e Tecnologia. Nesses centros juvenis teremos várias questões ligadas à cultura digital. Então o “menino” vai chegar ao centro e vai poder interagir com várias mídias, desenvolver várias habilidades, será um ambiente bem diversificado podendo receber até certificado.  É um avanço, a secretaria já encomendou para gente 4 jogos – Brasil 2014 (Copa do mundo), In Situ (Biologia), Industriali (Revolução industrial) e um sobre Função Quadrática (Matemática).

Ciência e Cultura – Como você analisa a inclusão dos jogos educativos no Brasil?

Lynn Alves – Nós temos poucas experiências significativas aqui no Brasil usando jogos educativos. Temos a experiência do OJE (Olimpíada dos Jogos Educacionais, realizada anualmente), que é uma iniciativa da Universidade Federal de Pernambuco juntamente com a secretaria de educação e o governo do estado e do CESAR (centro privado que articula projetos ligados a tecnologia no estado). Essa olimpíada, atualmente, é realizada também no Rio de Janeiro e no Acre, são jogos diferentes dos nossos, mais rápidos, em flash, sem narrativas. Existe também a experiência da Oi Futuro que desenvolve jogos mais próximos da OJE, são experiências mais pontuais. Agora, jogos com narrativas mais complexas somos nós que estamos fazendo, isso não significa que esse seja o certo, significa que foi a nossa opção. Mas temos poucas experiências significativas.

Ciência e Cultura – Há uma falta do incentivo das Políticas Públicas no nosso país?

Lynn Alves – É. Aqui na Bahia nós não podemos nos queixar, por que a FAPESB (Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia) é uma fundação que tem apoiado bastante de forma significativa. Então por exemplo, tudo o que você tem na Bahia relacionado aos jogos educacionais ou jogos de maneira geral você tem o apoio da FAPESB. Então se tem alguma fundação que apóia fortemente é a FAPESB. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) também tem apoiado alguns projetos, imagino que no Brasil também existam outros projetos apoiados por ele.

Isso significa que você tem agências de fomento apoiando, mas você não tem políticas para isso. Há, por exemplo, o BRGames (Programa de Fomento à Produção e Exportação do Jogo Eletrônico Brasileiro) que é do Ministério da Cultura, mas ano sai e ano não sai, não funciona efetivamente. Políticas consistentes nós não temos. O Ministério da Cultura resolveu adotar os games como um recurso audiovisual e contemplar isso nas políticas, como na Lei Rouanet (Lei Federal nº 8.313de Incentivo à Cultura) isso significa que hoje os games também podem entrar na Lei Rouanet. Mas nós não temos isso de forma sistemática, não existem políticas no que se refere à área de desenvolvimento de games.

Ciência e Cultura – Você citou a FAPESB e no último dia 13 de março, ela lançou um Edital, para implantação de Redes de Jogos Eletrônicos e Audiovisuais da Bahia, que apoiará um projeto estruturante de pesquisa na criação da infra estrutura laboratorial básica para desenvolver um Cluster de Games e Audiovisuais no Parque Tecnológico da Bahia. De acordo com o site da instituição o investimento é de 2,2 milhões. Como você analisa essa iniciativa?

Lynn Alves – Essa é uma iniciativa extremamente importante, por que a partir desse recurso é que vai se implantar no Parque Tecnológico o Game Cluster da Bahia. Esse Game Cluster tem a intenção de unir a universidade junto com a pequena indústria que já existe na Bahia na área de games. Então a ideia é fortalecer esses dois segmentos, para que a gente possa criar aqui no estado da Bahia o mercado na área de games, não só o mercado interno, mas o mercado de produção externa. Isso é bom, porque o objetivo é criar espaços de formação, qualificação profissional e você não está somente qualificando, mas também produzindo internamente e externamente.

Ciência e Cultura – O que mais nós podemos pontuar sobre a qualificação profissional dessa nova área?

Lynn Alves – Em nível de formação profissional podemos pontuar que nós não temos na Bahia cursos específicos na área de games, com exceção do curso de especialização que a UNEB ofereceu em 2010-2011 (também financiado pela FAPESB), onde foram formadas 22 pessoas na área. Nós vamos propor uma segunda turma, provavelmente ano que vem. Inicialmente a ideia era de termos o curso esse ano, mas não tivemos o apoio da FAPESB, teríamos de ser autossustentáveis, nós não tivemos a demanda que esperávamos. O SENAI também irá oferecer em nível médio o curso de programação de games, isso também é uma coisa importante. Será um curso para adolescentes do ensino médio, quer dizer, que você já tem outra vertente na área de programação e eu soube que eles estão com a intenção de abrir para área de designer. Isso mostra que já tem uma preocupação no estado de está formando profissionais, qualificando para atender essa demanda que provavelmente esse Game Cluster vai ter.

Ciência e Cultura – Qual o seu maior desejo para essa questão do desenvolvimento dos jogos educativos no Brasil?

Lynn Alves – Eu estou feliz. Porque o que eu queria já aconteceu, que era trazer o SBGames (Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital) que é o maior evento de games da América Latina e nós conseguimos trazer o ano passado; queria fazer a especialização, já fiz a primeira turma; queria que a UNEB tivesse uma graduação na área, e vamos ter no ano que vem um curso tecnológico. Então agora o que eu quero é que o Parque Tecnológico realmente dê certo e que o Game Cluster possa contribuir para a formação e ampliação desse mercado, e que a gente possa consolidar a área de games enquanto uma área de pesquisa consistente, robusta e contribuir realmente para que a educação possa pensar as novas mídias como espaço de aprendizagem. Isso é o que eu espero.

No que se refere à pesquisa em nível de mestrado e doutorado, nós já sabemos que as áreas de educação e comunicação são as que mais produzem dissertações e teses sobre a temática, isso já é um dado positivo. Isso me deixa realizada, sabendo que a área da educação, apesar de toda a resistência que ela tem para interagir com as novas mídias, já tem sinalizado mudanças. Eu desejo que o Parque Tecnológico consiga realmente se constituir nesse espaço de formação e produção de jogos eletrônicos dentro e fora do Brasil.

Para ter acesso aos jogos basta acessar:  www.comunidadesvirtuais.pro.br

*Estudante de Jornalismo na UFBA da FACOM – UFBA

6 comentários para Lynn Alves

  1. Joao disse:

    gostei da entrevista, enriquecedora, principalmente para mim, que não tenho muita familiaridade do jogos eletrônicos, fazendo abordagens interessante no que diz respeito a uma interatividade dos jogos com a educação como processo dinâmico no espaço de aprendizagem.
    Gostaria de Saber:
    Existe jogos nesta linha na´`area de geografia?(se positivo desculpe a falta de informação)
    Estes jogos podem se tornar um vicio e se positivo, não pode ocorrer uma dependencia comportamental do usuário daquela estrutura e na medida em que falta ele pode se sentir desprotegido?

    • Lynn Alves disse:

      Prezado João,

      Existe jogos que podem trabalhar os conceitos relacionados com a Geografia, por exemplo, o Sim City é um deles.
      Em relação ao vício é possível que o jogador desenvolva um comportamento de dependência em relação ao game ou a qualquer outra mídia se ele tiver alguma questão psíquica que precisa que resolvida e ele esteja canalizando a energia para o jogo momentaneamente.
      Temos que pensar que a causa desta dependência deve ser investigada e que o jogo ou qualquer mídia não deve ser encarada como causa, mas uma forma que o jogador encontrou para extravassar a energia reprimida.
      Espero ter respondido suas dúvidas.

      Um abraço

  2. Cláudia Souza disse:

    Muito enriquecedora sua entrevista. A UNEB e nós alunos parabenizamos sua iniciativa, competência e garra.

  3. Elma Lúcia Moraes da Luz disse:

    Parabéns pela iniciativa, tenho certeza que a utlização dos games no processo educativo serão uma grande contribuição para a utilização das mídias em educação.

  4. Tamira disse:

    Lynn, bom te encontrar por aqui! preciso falar com voce. Sua entrevista está muito coerente com o que vivemos em sala de aula. Qual é o seu contato?

  5. Maura Zaurísia de Souza disse:

    Oi Lynn, parabéns pelo seu Sucesso!
    Sempre admirei a competência e habilidade em toda sua caminhada. Tenho grande orgulho de ter sido sua aluna e sua orientanda em minha primeira especialização. Você foi uma grande incentivadora para que eu continuasse com meus estudos!
    Um abraço carinhoso!
    Maura Zaurísia

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