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Atualizado em 24 DE abril DE 2014 ás 15:07

Carlos Vogt

Poeta e linguista, é coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, foi reitor desta Universidade (1990-1994), presidente da Fapesp (2002-2007) e secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo (2007-2010). Atualmente é coordenador cultural da Fundação Conrado Wessel e Presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Em entrevista à Agência, o professor Carlos Vogt fala sobre as dificuldades da educação científica no Brasil e na América Latina.

MATHEUS VIANNA*

Foto: Brasilianas.org

Agência Ciência e Cultura – Nas suas pesquisas sobre cultura científica e participação cidadã em ciência e tecnologia, qual a visão da população latina sobre a importância social da ciência?

As pesquisas de percepção pública da ciência e da tecnologia (C&T) que realizamos no Labjor nos mostram que a população de uma forma geral apresenta uma visão positiva em relação à C&T. Esse otimismo é observado em relação aos benefícios que a pesquisa científica pode trazer às nossas vidas em diversos aspectos, bem como à visão de prestígio que as pessoas têm sobre os profissionais que se dedicam à ciência.

Algumas diferenças aparecem, no entanto, entre os grupos sociais analisados. A pesquisa que realizamos no Estado de São Paulo, publicada na última edição dos Indicadores da Fapesp (2010), por exemplo, mostra que as classes econômicas mais baixas são mais céticas em relação aos benefícios futuros da C&T. Isso acontecemuito provavelmente porque essas pessoas acreditam que o usufruto desses benefícios envolva um poder econômico que elas não possuem.

Esse padrão se repete em pesquisas realizadas com públicos mais específicos, como o estudo Los Estudiantes y laCiencia, realizado com jovens de 15 a 17 anos em sete capitais ibero-americanas (o Labjor foi a equipe brasileira nesse projeto coordenado pelo Observatório Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade – Rycit/Cyted). Sete em cada dez estudantes concordaram com a afirmação que “a ciência traz mais benefícios do que riscos às vidas das pessoas”, mas os jovens das escolas públicas em geral são menos entusiasmadoscom as comodidades oferecidas pela tecnologia.

Vale ressaltar também que a crença de que “a ciência pode resolver todos os problemas” e que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia não vai trazer qualquer tipo de risco num futuro próximo aparece em uma minoria da população. Ou seja, o sentimento positivo prevalece em relação à C&T, mas as pessoas também se mostram em certo grau moderadas e conscientes dos riscos que ela pode trazer.

Agência Ciência e Cultura – Como uma adequada educação científica primária pode fornecer aos jovens o interesse pela carreira científica?

Na pesquisa realizada com os jovens constatamos que apenas 2,7% dos estudantes ibero-americanos pensam em seguir uma carreira nas áreas das ciências exatas ou naturais, como química, física, biologia e matemática. Esses dados são bastante preocupantes, considerando que o Brasil é um país cujo futuro depende de avanços científicos e tecnológicos, e, portanto, precisamos formar mais cientistas e engenheiros competentes.

Os motivos apontados pelos estudantes para esse baixo interesse estão estreitamente relacionados à maneira como os conteúdos são trabalhados em sala de aula: 78% acham que as ciências naturais e exatas são “muito chatas”, e para seis em cada dez alunos as matérias são difíceis. A maioria dos jovens se queixa também que os recursos utilizados nas aulas, como laboratório, biblioteca e visitas a museus são limitados.

Outro fator que paradoxalmente parece afugentar os jovens das carreiras científicas é o fato de os cientistas, em seu ponto de vista, serem “pessoas excepcionais”, com inteligência superior, que os jovens não se consideram capazes de alcançar. Além disso, cerca de um quarto dos estudantes acredita que essa seja uma área com ofertas restritas de emprego.

Esses dados, que à primeira vista parecem desanimadores, devem ser considerados, no entanto, como potenciais a serem trabalhados em políticas públicas que objetivem reverter esse quadro. A formação de professores de ciências competentes para a educação básica é ponto chave nesse processo. É preciso que os nossos jovens recebam uma educação científica de qualidade e entendam que a ciência está presente nos mais diversos aspectos de nossas vidas.

Agência Ciência e Cultura – Qual é o papel do jornalismo científico nessa construção do interesse dos jovens pela ciência?

Eu diria que o jornalismo científico e a divulgação científica, de uma forma mais geral, têm um duplo papel no envolvimento dos jovens e da sociedade com a ciência e a tecnologia.

O primeiro tem relação com o pressuposto do jornalismo de que ao oferecer a informação à população, você viabiliza a socialização do conhecimento e, dessa forma, possibilita a formação crítica da sociedade e a promoção da participação do público em temasmuitas vezes restritos a certos grupos, como por exemplo,a ciência e a tecnologia.

O segundoponto tem mais relação com o sentimento despertado na população em relação à ciência, e diz respeito aoobjetivo maior dos divulgadores científicos, que digo que é o de fazer com que a ciência, como um fenômeno cultural, seja tratada e vivenciada como o futebol. Ou seja, que mesmo sendo poucos os que de fato exerçam a ciência profissionalmente – como também acontece no esporte –, todos sejamos amadores da prática científica, no envolvimento e entendimento do assunto, e também no sentido afetivo.

Mas para isso é necessário que o interesse pela ciência e o consumo de informação sobre o tema andem lado a lado. E não é isso que temos observado em nossas pesquisas, nas quais o interesse da população e dos jovens estudantes pela ciência se mostra muito maior que o conhecimento real e a busca pela informação no cotidiano.

Um possível caminho para mudar esse quadro seria explorar a divulgação científica em novos formatos. Na pesquisa que realizamos com os jovens pudemos observar que, se a televisão continua sendo a principal fonte de conhecimento científico, a internet e a ficção científica, em livros, filmes, histórias em quadrinhos ou games, parecem caminhos bastante promissores para se atingir essa população.

*Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura da Ufba

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