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Atualizado em 6 DE julho DE 2011 ás 23:33

Aurélio Lacerda

"Semiárido não é o território da miséria, da pobreza, da ignorância e violência." A afirmação é do grupo de pesquisa Nieais da Ufba, que mostra a necessidade de uma nova mentalidade na pesquisa acadêmica sobre o semiárido baiano. Nesta entrevista, o coordenador do Nieais avalia a importância do I Seminário do Semiárido Baiano, realizado em junho, em Salvador. O evento contribuiu para a ressignificação do semiárido e à valorização da cultura sertaneja

Por Marília Mariotti*
marilia.mariotti@gmail.com

Ciência e Cultura – Como surgiu a proposta de realizar o I Seminário do Semiárido Baiano?

Aurélio Lacerda – O Seminário nasceu de uma demanda do governo do estado à universidade no sentido de que esta apresentasse alguns subsídios sobre o semiárido de modo que permitisse ao governo elaborar políticas e diretrizes especificas dessa região para atender a população que vive ali.

Ciência e Cultura – Quais foram os pontos chaves levantados pelos pesquisadores nesse encontro de Salvador?

Aurélio Lacerda – A nossa principal preocupação é promover o diálogo aberto com as comunidades locais. Não temos como preocupação primordial ir lá ensinar alguma coisa a essas comunidades, vamos para dialogar para ouvir o que elas falam sobre sua própria realidade com sua própria linguagem; na sua própria maneira de ver, sentir, falar e dizer. A partir daí, elaboramos os nossos roteiros, encontros e diálogos; produzimos os nossos textos e depois dessa produção voltamos à elas e mostramos se é isso mesmo o que pensam e dizem. Eles falam e nós acrescentamos a eles a partir de nosso conhecimento cientifico, universitário, mas sempre em uma posição de respeito e diálogo pelo modo de vida deles.

Ciência e Cultura – Nós não vimos a presença de representantes dessas comunidades de nenhuma espécie, líder comunitário ou participantes de projetos. Porque essa ausência no Seminário?

Aurélio Lacerda – Porque esse seminário tinha uma tônica diferenciada. Nesse momento, nós tínhamos de elaborar um documento, um texto com diretrizes de política, era uma coisa entre a Universidade e o Estado. Além disso, não tivemos tempo ou recursos naquele momento para realizar a interlocução necessária com essas pessoas para que elas participassem deste encontro. Não estávamos preparados para arcar com os custos de passagem, alimentação e hospedagem.

Ciência e Cultura - Você acredita que esse documento é um passo a frente nas relações entre o Governo Estadual e as atividades realizadas pela Universidade?

Aurélio Lacerda – Todos esses projetos que realizamos aqui na Bahia, claro que alguns são financiados pelo CNPq, mas a sua grande maioria são financiados pela Fapesb, que é uma agência de fomento do estado, então já há uma diálogo exitoso, um diálogo bom entre a universidade e o estado, seja em qualquer governo. Evidentemente que há posições em que há uma espécie de divergência. O Estado tem políticas com as quais a Universidade vai concordar e outras políticas com as quais vai discordar. São visões mais pragmáticas de um lado, no caso do Estado e do outro, mais apuradas da Universidade, pelo fato de ser próprio da Universidade essa pesquisa mais demorada e apurada.

Há políticas do governo do estado que desperdiçam recursos, isso porque as iniciativas nem sempre são cuidadosamente preparadas e implementadas. Muitas vezes a comunidade recebe equipamentos e investimentos, mas não são instruídas quanto ao uso destas tecnologias e ao invés de cuidar destes bens acaba abandonando-o.

Gostaríamos muito que isso mudasse, que houvesse uma mudança nessas diretrizes de políticas de governo. No sentido de que houvesse uma mudança de mentalidade dessas políticas para que sempre que um investimento, um projeto de governo chegasse lá, fosse fruto de uma discussão, um planejamento local e existisse um projeto de apropriação. Porque aquilo não é do governo, não é do Estado, aquilo é dá população. Claro, a iniciativa parte do governo, mas o que está lá vai ser da comunidade local.

Ciência e Cultura – Durante o seminário foi anunciado o primeiro Simpósio Nacional do Semiárido Brasileiro. O que se espera desse encontro?

Aurélio Lacerda – Será o primeiro simpósio nacional sobre o semiárido brasileiro, não vai ser só mais sobre o semiárido baiano e nem vai ser só mais sobre o semiárido, nós vamos aí fazer uma relação mais amistosa com o sertão, com os conceitos de sertão, com a cultura; sua sociologia sertaneja. Neste simpósio pretendemos compor uma mesa, uma grande mesa, com outras vozes não só com representantes comunitários, mas também com aquelas organizações não governamentais, as Ongs, nós gostaríamos de compor uma mesa com estas organizações e com as vozes representativas das comunidades do semiárido.

Ciência e CulturaCom quais comunidades do semiárido baiano o grupo esta desenvolvendo trabalhos atualmente?

Aurélio Lacerda – Desenvolvemos trabalho no território do sisal, na região de Valença e Cansanção, onde trabalhamos com a comunidade na formação de extensionistas – temos trabalho em Irecê, na região do sisal e na criação de peixes em quintal. Também temos uma parceria que é capitaneada pela Uneb, que é o Projeto Canudos. Ele trata sobre desenvolvimento sustentável, nós queremos que seja um projeto modelo. Todos projetos aliam extensão e pesquisa.

Ciência e Cultura – Cada uma dessas regiões possui muitas especificidades por diversos fatores como a geografia e a história próprias daquele lugar. Como o grupo multidisciplinar norteia suas ações de forma a realizar um trabalho coeso?

Aurélio Lacerda – Tanto em nosso grupo de pesquisa, quanto no seminário, nossa principal proposta é a de fazer uma mudança de paradigmas na visão do sertão e do semiárido. Eu posso dar um exemplo para vocês, nós temos um órgão federal chamado Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, a impropriedade deste nome é decorrente da mentalidade da época em que esse órgão foi criado.

Não se combate a seca, ela é um fenômeno natural. O correto seria que o órgão preparasse a comunidade sertaneja para conviver com ela. Nós não podemos continuar fazendo pesquisa sempre vendo com o viés da miséria, a gente não pode pensar que o semiárido é o território da miséria e da pobreza, da ignorância e violência. Não, o semiárido é um local de clima tropical, é um território árido, com escassez de chuva e má distribuição dessas chuvas, às vezes chove um mês inteiro e depois só vai chover no próximo ano. Nós temos é que criar conhecimentos e tecnologias para que essas populações possam viver bem com essa especificidade. Precisamos criar um projeto educacional que seja capaz de preparar essas populações para conviver com essas realidades, para que essas pessoas tenham outra opção além de migrar para os grandes centros urbanos. Queremos gerar alternativas de convivência no território onde eles nasceram e se criaram.

Ciência e Cultura – Essa questão do território e sentimento de pertencimento tem muito a ver com a questão da identidade enquanto morador do semiárido, enquanto sertanejo. Como o grupo trabalha essas questões mais subjetivas da identidade cultural?

Aurélio Lacerda – Isso é fundamental. Quando eu digo que nós vamos trabalhar com as comunidades, eu estou dizendo que temos de ter uma educação contextualizada. É preciso verificar quais são as expressões da cultura local, sua literatura, músicas e suas festas. Todas essas manifestações têm de ser valorizadas para que essas comunidades tenham uma auto – estima. Elas precisam dizer que se identificam, gostam e querem estar ali, que valorizam a sua cultura e sabem que ela não é inferior a outras culturas. Saber que sua cultura é diferente das outras e que a beleza está na diferença é essencial a qualquer comunidade.  A identidade está também na diferença porque se todas as culturas fossem iguais, só haveria uma cultura comum nacional e o regional deixaria de existir.

*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom

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