Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 16 DE setembro DE 2011 ás 13:39

Ana Alice Alcântara

Para a pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim-Ufba) e atual coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, um dos empecilhos para a participação das mulheres na tomada de decisões políticas são os próprios partidos. A também professora do Departamento de Ciência Política da Ufba fala porque mulheres que ocupam altos cargos públicos ainda são vistas com estranheza

Vitor Andrade*
andradevitor@folha.com.br

Ana Alice iniciou na militância feminista em 1978, em um grupo de estudantes brasileiros no México, vinculado a uma ação de denúncia dos malefícios da Ditadura brasileira. Em 1981, ao regressar ao Brasil, ingressou no grupo Brasil Mulher de Salvador e, em 1983, fundou o Neim com outras pesquisadoras.

Ciência e Cultura – A mulher no poder ainda é vista como algo antinatural?

Ana Alice Alcântara – É. Por incrível que pareça, mesmo a gente tendo uma presidente, ainda é algo inusitado. Cada vez que a mulher ocupa um espaço, há uma espécie de estardalhaço como se fosse a grande novidade. Como se fosse um bicho diferente chegando ao zoológico. Isso é muito claro, não só em termos de repercussão, como os enfrentamentos que ela passa a ter. Não só no campo da política formal, mas a presença da mulher em estruturas de poder sempre é visto como algo inusitado.

Se tomarmos como exemplo a própria Dilma, as ações que ela faz ou o tipo de comportamento dela não é visto como a partir das decisões também dos partidos, das articulações do poder ou da própria conjuntura nacional. O foco é sempre: “Dilma está fazendo isso porque é mulher”. E não necessariamente é porque é mulher. Dilma fica sempre sobre um foco especial.

Ciência e Cultura – Atualmente temos 18 mulheres líderes, ou governando significativamente uma nação. Quais as dificuldades que essas mulheres vêm enfrentando por estarem governando um país?

Ana Alice Alcântara – A principal dificuldade é a da expectativa social. Isso é um complicador, pois coloca as mulheres numa berlinda. Essas mulheres têm que está provando a cada momento uma capacidade diferenciada. Há um cuidado de não fazer coisas que pode ser considerada “coisa de mulher”.

A política de Dilma é diferente da do Lula? É. Mas a política de Dilma é diferente da do Lula por que ela é mulher ou por que ela tem uma trajetória distinta? A minha tese é de que ela tem uma trajetória política distinta. Dilma enfrentou as repressões do Regime Militar de uma forma incisiva do que o Lula enfrentou. Então a mudança de política da Dilma passa pela trajetória desse sujeito político e não pelo fato dela ser mulher.

Por aí que digo que a preocupação das mulheres é mostrar competência, mostrar que o que define é o poder. O gênero fica na expectativa do que a sociedade e o campo político esperam.

Ciência e Cultura – Comemoram-se em 2012 os 80 anos dos direitos de voto feminino no Brasil e ainda se luta por gabinetes paritários, igualdade nas disputas eleitorais. Dilma no início do seu governo queria cumprir a cota de 30% para preencher seus ministérios. Mas só conseguiu empossar nove mulheres dirigindo Ministérios ou órgãos com status de Ministério. Hoje elas são 10 nesses cargos. Por que até a presidente sofreu resistências em colocar mulher nos altos cargos do seu governo?

Ana Alice Alcântara – Acredito que a primeira resistência passa pelo partido. Chamamos isso de presidencialismo de coalizão. O partido da Dilma sozinho não tem maioria. Qualquer presidente hoje no país precisa do arco de aliança que passa pelos acordos com outros partidos políticos. Então não só a vontade de Dilma de colocar mulheres funciona.

Meus estudos sobre esse ponto da política formal vêm mostrando que a resistência principal à participação política das mulheres, está nos partidos políticos.  O partido político é a barreira de acesso das mulheres.

Se pensarmos nesse campo de discussão, Dilma não tinha mecanismo para obrigar o PDT, o PMDB em colocar uma mulher no Ministério. Na hora que você negocia com tal partido que um Ministério vai para ele, é esse partido que indica o nome. Aí é onde entra a fragilidade do sistema. A presidente deveria ter força para decidir.

Oitenta anos de voto feminino e somos apenas 13% das câmaras municipais, 12% das prefeituras. Portanto, as mulheres têm dificuldade com o campo político, mas essa dificuldade passa pelo partido. O partido não estimula, não democratiza seus espaços.

Mulheres que chegaram aos poder, primeiro tiveram que provar para os partidos que são boas de votos. Muitas tiveram que enfrentar os próprios partidos para saírem e conseguir a legenda.

Ciência e Cultura – Num ranking feito pelo demógrafo José Eustáquio Diniz Alves com outros pesquisadores, o Brasil aparece em 110º lugar em presença de mulher no parlamento, com 8,8% de parlamentares mulheres.

Ana Alice Alcântara – Esse é um dado da União Parlamentar Internacional interessante porque, dos países que têm uma política de cotas para candidaturas de mulheres, o Brasil é tratado como o exemplar da cota que não dá certo. Ela não dá certo porque é frágil.

Desde o primeiro ano que a cota foi estabelecida ela é uma cota de brincadeira. Estudos internacionais mostram claramente que as cotas só dão certo se tiver vontade política e um sistema de sanção. No Brasil não temos um mecanismo que obrigue os partidos a cumprir a lei.

Países como Costa Rica e Argentina são os melhores exemplos na América Latina de cumprimentos de contas para candidaturas de mulheres. Temos o exemplo de Ruanda, na África, onde houve um emprenho por parte do próprio governo em inserir as mulheres na política. Já no Brasil, temos uma lei frágil porque os deputados atendem os programas partidários, que em alguns casos não são favoráveis. Por isso que digo que devemos tomar mais conta dos partidos e pressioná-los mais para que o eleitorado controle mais os deputados.

Ciência e Cultura – A senhora acredita que esse quadro é consequência de uma cultura machista que impera no país?

Ana Alice Alcântara – Claro que sim. Temos uma cultura machista muito forte que se manifesta não só nos índices de violência, não é à toa que precisamos da Lei Maria da Penha, mas nas estruturas de poder. Você pode ir para qualquer partido, tanto de direita ou esquerda, claramente as mulheres tomaram o cotidiano dos partidos. Mas ainda na hora da indicação política, vão os homens.

Ana Alice Alcântara – Em sua opinião, o que acha do fato de Dilma ser uma mulher que está no poder, espera-se mais dela?

Ana Alice Alcântara – Sim. Principalmente as mulheres estão esperando mais dela. Dilma passa a ser um modelo. Qualquer coisa que Dilma fizer e não dar certo, esse insucesso não é por causa do partido político, do momento, não vai dar certo porque ela é uma mulher. Então esse é um foco violento e isso é machismo.

Ciência e Cultura – Quais os atrasos foram vencidos há 80 anos, quando a mulher conseguiu seu direito de votar, e quais necessitam serem vencidos atualmente?

Ana Alice Alcântara – Acho que a principal questão que deve modificar é a questão do poder. As mulheres avançaram no mercado de trabalho, elas estão cada dia mais participando da vida social, vem rompendo preconceitos. Mas a questão do poder permanece inalterada. O poder permanece inalterado, não só na Presidência da República ou no Governo do Estado, o poder não muda dentro dos partidos políticos, dentro de casa e em todas as instâncias.

Estamos entrando no mercado de trabalho, mas as mulheres ascender às hierarquias superiores desse mercado de trabalho é muito mais difícil. As mulheres só sobrem no poder quando há regras formais de ascensão. Nós carregamos o andor, mas o santo não faz o nosso milagre, não é?

Quais são as principais temáticas que a senhora aborda na sua linha de pesquisa no Neim?

Ana Alice Alcântara – Meu foco é mulher e poder. Dentro dele, falo participação política formal, que seriam as mulheres no legislativo e executivo. Publico muito também sobre o movimento feminista. Eu falo sobre políticas públicas, mas sempre com foco gênero e poder.

*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom

Entrevistas relacionadas

_________________________

Dora Leal Rosa

Notícias relacionadas

_____________________

Pesquisa mapeia contribuição feminina na produção científica

VII Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *