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Atualizado em 12 DE junho DE 2016 ás 15:08

Charbel Niño El-Hani

“É preciso mostrar para esse estado que temos orgulho da música da Bahia, mas que também devemos ter orgulho da ciência”, afirma o professor de Biologia da UFBA e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução, Charbel Niño El-Hani, em entrevista concedida à repórter Marina Aragão, para a Agência de Notícias Ciência e Cultura

POR MARINA ARAGÃO*
marinaaragaosilva@gmail.com

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (IN-TREE) aparece em 10º lugar na lista de 252 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), divulgada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no mês de maio deste ano.

O IN-TREE é coordenado pelo professor do Instituto de Biologia da UFBA, Charbel Niño El-Hani, que falou um pouco da atuação do INCT em entrevista para a Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA. Na entrevista, o pesquisador fala da importância do Instituto no desenvolvimento da Biologia e da Ecologia, aliada à Sustentabilidade, e destaca os desafios enfrentados para transpor os ganhos teóricos para a prática.

Ciência e Cultura – Uma parte da rede do INTC já existe desde 2010. Como surgiu a iniciativa de criar esse Instituto e, consequentemente, essas parcerias?

Charbel El-Hani – O INCT é resultado do PRONEX, um Projeto de Excelência, iniciado em 2010. Ele aumentou muito de tamanho. Hoje tem 200 pesquisadores e 49 laboratórios vinculados. Isso aconteceu porque, ao longo do PRONEX, estabeleceu-se uma estratégia de fortalecer os vínculos com pesquisadores nacionais e internacionais. Fizemos isso ao chamar pessoas para avaliarem o nosso PRONEX. A Fapesb não exigiu uma avaliação externa, mas nós criamos uma que era feita a cada seis meses, basicamente. E esses pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, vinham para avaliar o nosso trabalho, e, assim, tomaram conhecimento de tudo. Quando decidimos montar o INCT, contactamos várias dessas pessoas e eles tinham muito interesse em trabalhar conosco, pois já haviam visto como era o projeto, o espírito do INCT e, consequentemente, do PRONEX.

Ciência e Cultura – Quais outras parcerias institucionais do Instituto, além das ligadas à Biologia, Ecologia e Biodiversidade?

Charbel El-Hani – O INCT, desde o PRONEX, tem foco em pesquisa interdisciplinar e transdisciplinar. A interdisciplinaridade tem conceitos mais largos. Aquele mais usado faz relação com a união de pessoas de diferentes disciplinas, não para abordar o problema separadamente, o que seria uma abordagem multidisciplinar, mas para construir um corpo de conhecimento integrado entre as disciplinas para resolver esse problema. Essa é uma compreensão mais usual da interdisciplinaridade. Já transdisciplinaridade é um termo com uma diversidade de significados na literatura. Usamos um significado muito preciso que se relaciona, no momento da resolução de um problema complexo, reunimos atores que são de fora da academia, que trarão uma parte do conhecimento não acadêmico, e então fazemos um corpo integrado de conhecimento interdisciplinar acadêmico e não acadêmico. Esses participantes seriam técnicos ambientais, professores de educação básica que fazem parte do INCT também e estão listados no mesmo patamar dos pesquisadores. Além disso, temos pessoas de Biologia, Física, Computação, Filosofia da Ciência, História da Ciência, Pesquisa em Educação Científica, Ciências da Terra, Geologia, Antropologia, Sociologia e Comunicação.

Ciência e Cultura – Dentro desse contexto, como podemos relacionar Ecologia, Evolução e Sustentabilidade?

Charbel El-hani – Evolução e Ecologia estão intimamente relacionadas porque um dos fatores fundamentais para compreendermos como as espécies se distribuem hoje no planeta e como elas estabelecem interações ecológicas é entender a evolução dessas espécies, os fatores históricos que as levam a terem certas propriedades. É claro que compreender Ecologia é mais do que isso, porque além do fator histórico, existe o fator local no qual se deram as interações, os processos de colonização, extinção, recolonização, migração. Evolução e Ecologia são disciplinas que, inclusive, avançaram ao longo do século XX muito separadas e um dos problemas importantes hoje em Biologia é como integrá-las. Isso está diretamente dentro do foco do projeto.

E quanto à sustentabilidade, pretendemos, com o INCT, contribuir com a proposição de soluções para problemas ambientais do estado. E isso a partir de um compromisso com a ideia de que a ecologia, para ter relevância na tomada de decisão, ela precisa ter poder preditivo, conseguir construir modelos com previsões testáveis, mesmo que a previsibilidade seja limitada. Pois não se consegue fazer gestão de tomada de decisão se não existe a possibilidade de prever os resultados das ações da gestão. Então, temos a ideia de conseguir produzir este tipo de modelo e ao mesmo tempo estabelecer um vínculo com o setor que usará o conhecimento.

Imagem: reprodução TV UFBA

Ciência e Cultura – De que forma é feita a interação com a sociedade?

Charbel El-Hani – Temos várias iniciativas do INCT que são as de divulgação e popularização da ciência para um público que não é ator da prática. Primeiro, o próprio Café Científico Salvador é um exemplo, pois tem um vínculo com o INCT agora. Outro exemplo é um projeto no qual fazemos exposições sobre racismo científico, que já está na 14º exposição. Provavelmente, faremos também sobre questões de sustentabilidade e justiça ambiental. Temos também um programa de colaboração com as escolas. Há seis escolas com cerca de 20 professores, que trabalham conosco na produção de inovação educacional, usando o conhecimento que está sendo gerado no INCT como uma maneira de chegar à escola. Além disso, há um projeto que não sabemos se vai acontecer porque depende de um recurso externo ao INCT, o programa de documentários. Estamos tentando alavancar recursos para fazer o programa de seis documentários vinculados à pesquisa que é feita no INCT. Estamos procurando recurso de outra via porque o de pesquisa, quando mobilizado para o financiamento de um processo de filmagem, tem limites demais. Por isso, precisamos conseguir recursos por um edital que seja de audiovisual mesmo. Fora isso, estamos montando um blog com cinco pesquisadores associados ao INCT, o “Darwinianas”. Mas ainda não está no ar, porque isso só ocorrerá quando tivermos conteúdo suficiente para garantir pelo menos dois meses.

Ciência e Cultura – Quais foram os ganhos trazidos para a sociedade, tendo em vista a realidade do Estado?

Charbel El-Hani – Do ponto de vista da pesquisa, algo muito importante foi mostrado à sociedade baiana, se produz ciência na UFBA e se produz ciência de alta qualidade, a melhor do estado. Vivemos em uma sociedade que não conhece a ciência que se faz na Bahia. É preciso mostrar para esse estado que temos orgulho da música da Bahia, mas que também devemos ter orgulho da ciência. Então, se pensarmos em termos globais, o desempenho da Bahia, da Universidade Federal da Bahia nesse INCT é um testemunho claro da qualidade da comunidade científica.

Além disso, ao longo PRONEX inteiro, houve uma produção científica massiva de 66 artigos, periódicos bem qualificados. Lançamos uma revista, a Revista Caititu, que faz a ponte entre pesquisa ecológica e tomada de decisão, produzindo artigos que os técnicos ambientais poderão usar. Temos também alguns produtos do PRONEX que já estão em uso. Por exemplo, existe um método de avaliação sobre supressão de vegetação nativa que é feito pela superposição de mapas. Criamos esse método no qual, ao superpor mapas obtêm-se uma escala da paisagem, não uma escala pequena que é a do empreendimento sobre a supressão da área de vegetação nativa. Com ele, o indivíduo toma a decisão em três escalas. Olha-se a escala do empreendimento, a escala da bacia hidrográfica na qual o empreendimento está e a escala da paisagem na qual a bacia hidrográfica está, de modo que pode-se tomar uma decisão mais global. Até tentamos articular com a Secretaria do Meio Ambiente para que esse método fosse usado mais largamente pelos técnicos. Não conseguimos nesse nível, mas alguns técnicos que trabalham conosco começaram a colocar em uso.

Ciência e cultura – E a partir de agora, quais são as metas a serem alcançadas pelo Instituto?

Charbel El-Hani – O INCT tem uma quantidade de parceiros e funcionários que nunca possuiu antes. E isso significa uma integração da pesquisa muito maior do que havíamos conseguido até agora. Significa que somos capazes de atacar os problemas socialmente e ambientalmente relevantes, pois eles não são atacados na perspectiva de uma disciplina. Isso é a grande promessa do INCT. Além do mais, o INCT quer elaborar métodos para produzir corpos integrados de conhecimento. É mais do que meramente produzir o conhecimento, é produzir procedimento.

A nossa rede de relações internacionais é algo que precisamos destacar em relação ao impacto do Brasil no mundo. Pois, internacionalizar a pesquisa brasileira é uma maneira de fazer com que, realmente, ela tenha um impacto cada vez maior. Entretanto, há uma defasagem em relação à comunidade científica internacional. Ela, como economia, política, se estabelece em uma relação entre centro e periferia. E nós somos periferia. Se não quisermos ser, em termos de produção de conhecimento, precisamos nos aliar à comunidade científica do resto do mundo. Assim, se formarmos rede entre nós mesmos para atacar problemas complexos do estado e fazermos isso também com pesquisadores internacionais, conseguiremos conversar com o resto do mundo da ciência, além de resolver problemas locais. Pois não adianta produzirmos uma montanha de conhecimento e nada disso se reverter à qualquer problema local, como também não adianta querer resolver um problema local sem mobilizar o melhor conhecimento possível. Daí a importância da conexão com as pessoas que estão no domínio da prática, isso transporta conhecimento para o contexto do uso. É o que chamamos de pesquisa translacional.

*Estudante de graduação em Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social / Facom – UFBA

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