Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 10 DE fevereiro DE 2017 ás 17:56

Trajetórias e enfrentamentos das pessoas com anemia

30% dos casos de anemia falciforme diagnosticados no Brasil estão na Bahia. Salvador é a cidade brasileira com o maior número de pessoas com a patologia. Como as políticas públicas e as pesquisas científicas têm contemplado a doença?

POR LARISSA SILVA*
silva.larissa1@outlook.com

“A médica me deu 7 anos de vida. Depois disse que eu não passaria dos 14. Por fim, falou que eu viveria até os 21”. Estas foram as estimativas de vida que André Gomes, 32, recebeu da médica que o atendia, após ser diagnosticado com anemia falciforme. Essa doença hereditária ocorre quando a hemoglobina, proteína presente nas hemácias (glóbulos vermelhos) e responsável pelo transporte de oxigênio nas células, sofre mutação. Esta mudança gera dificuldade de oxigenação do sangue, o que faz com que as hemácias percam flexibilidade e adquiram formato de foice. Com essas células mais rígidas, a circulação sanguínea se torna difícil e as chances de oclusão celular e de obstrução dos vasos aumentam.

Os sintomas mais frequentes são cor amarelada nos olhos e pele (icterícia), graves crises de dor, tendência a infecções e ao aparecimento de úlceras (feridas), sobretudo nas pernas. É importante ressaltar que esses sinais podem se manifestar de maneira diferente em cada indivíduo.

Apesar de ser uma enfermidade crônica, ela não precisa ser associada à morte da forma que André ouviu da sua médica, porque pode ser cuidada. Segundo Clarice Mota, mestre em Saúde Coletiva e doutora em Ciência Sociais, o comportamento dos especialistas em saúde nos casos como o de André é causado, em parte, pela deficiência na formação desses profissionais. “Os currículos acadêmicos não contemplam estudos sobre a doença falciforme”, completa. Além disso, também atribui esse mau atendimento ao racismo institucional, já que essa patologia é predominante em negros.

Políticas públicas – A doença, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um grave problema de saúde pública mundial, pode ser atenuada com diagnóstico precoce e tratamento adequado. Um dos cuidados necessários é o uso contínuo de Hidroxiureia, remédio fornecido pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A medicação, atualmente, é importada, mas, até 2018, a demanda do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá começar a ser atendida pela produção local. O medicamento será produzida na cidade de Vitória da Conquista, através de uma parceria entre os laboratórios Bahiafarma e Cristália.

Segundo levantamento do Ministério da Saúde, a cada 650 nascidos vivos na Bahia, um possui anemia falciforme e a cada 17, um nasce com o traço falciforme. Os números são os mais elevados do Brasil, onde a incidência é mais concentrada nas regiões Norte e Nordeste. As pessoas que têm o traço falciforme não apresentam os sintomas de quem possui a enfermidade, mas é importante que elas tenham consciência de sua condição genética para que possam decidir sobre seu futuro reprodutivo.

Genética da anemia falciforme

Quando ambos os pais possuem o traço falciforme (AS), em cada gestação há: 25% de probabilidade de ter um filho sem a anemia (AA), 50% com o traço falciforme (AS) e 25% com a enfermidade (SS).

A identificação da anemia falciforme é feita em recém-nascidos com até uma semana de vida através do teste do pezinho. Após esse prazo, o diagnóstico é dado pelo exame chamado eletroforese de hemoglobina. Ambos são realizados nos postos de saúde e, desde 2009, a patologia é de notificação obrigatória em Salvador.

Essas ações de distribuição de medicamentos básicos e diagnóstico são asseguradas pela Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, desenvolvida em 2005 – quase cem anos depois do primeiro diagnóstico – e implementada em Salvador através do Programa de Atenção às Pessoas com Doença Falciforme (PAPDF). O principal objetivo do programa é reduzir a mortalidade, melhorando a qualidade de vida das pessoas com a enfermidade. Para isso, também preconiza a assistência médica integral e orientação aos familiares. A capital baiana possui 12 centros de referência e 2 ambulatórios para tratamento da doença.

Apesar desses avanços, ainda há muito a ser feito. Segundo a especialista em Saúde Coletiva Clarice Mota, como a detecção de anemia falciforme através do teste do pezinho só foi implantada na Bahia em 2001, pessoas que nasceram antes dessa data não foram examinadas e podem não estar inseridas nas redes de cuidado. E a assistência integral à saúde é fundamental para garantir a redução de crises e sequelas, aumentar a expectativa e a qualidade de vida. O Ministério da Saúde considera que atenção integral é o conjunto de ações de promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde.

Clarice afirma que para a saúde da população negra entrar na agenda política foi necessária muita pressão dos movimentos sociais. “Se hoje ainda precisamos falar de racismo, estamos atrasados”, critica. Um dos indicadores do racismo ao lidar com essa enfermidade além do tratamento inadequado oferecido nos centros de saúde é a invisibilidade dela no meio acadêmico.

Centros de Referência

Localização dos centros de referência em anemia falciforme de Salvador

Pesquisas – Apesar de ainda não serem muitas, existem pesquisas científicas que têm o enfoque na anemia falciforme. Um exemplo disso é o estudo coordenado pelo professor e ortopedista Gildásio Daltro, em parceria com a Universidade de Paris XII, com o desenvolvimento de um tratamento alternativo para pacientes que possuem uma complicação da doença, a  necrose nos ossos. O método consiste na aplicação de uma espécie de massa feita a  partir de fosfato de cálcio, substância compatível com os ossos naturais, e células-tronco do próprio paciente. O procedimento é menos invasivo do que a colocação de prótese no local afetado, e também o indicado com mais frequência no Brasil. Os testes feitos até hoje obtiveram 93% de sucesso, conforme apontam os exames clínicos.

Outro estudo analisou o impacto da anemia falciforme nas trajetórias escolares de estudantes baianos afetados pela doença. Na pesquisa realizada pela pedagoga Alessandra Barros, quase 90% dos entrevistados, 15 crianças e adolescentes em idade escolar, afirmaram que têm faltado às aulas graças às dores causadas pela enfermidade. Com a análise, ela concluiu que há a necessidade de um projeto político-pedagógico mais inclusivo nos colégios e de mais programas de escolarização para pessoas hospitalizadas.

O recorte de gênero aparece em alguns trabalhos. Um exemplo é o da pesquisadora e doutora em enfermagem, Sílvia Ferreira. Na obra “Qualidade de vida e cuidados às pessoas com doença falciforme”, coordenada por ela, é feita uma análise das experiências das mulheres com a doença e as implicações do diagnóstico tardio para elas. Para a autora, as condições de mulheres e homens na área da saúde são desiguais.

Nesse sentido, Clarice Mota afirma que o direito reprodutivo das mulheres com a doença deve ser garantido. Ela denuncia que muitas escutam de profissionais que elas não podem ter filhos e aponta que esses casos podem ser de racismo institucional. “Estamos em um processo de tomada de consciência que só vai realmente acontecer se ficarmos ligados nessas sutilezas”, conclui. A saída apontada por ela é não se omitir nessas situações, denunciando e intervindo sempre que necessário.

Para saber mais:

ALVES, Ana Margareth; QUEIROZ, Maria; et al. Doença Falciforme: Conhecer para cuidar. Ministério da Saúde, 2015.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual da anemia falciforme para a população / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2007.

BARROS, Alessandra; et al. O impacto da anemia falciforme nas trajetórias escolares de estudantes brasileiros afetados pela doença: diálogos com os temas da Educação Especial.

MOTA, Clarice; TRAD, Leny; et al. Os desafios do cuidado integral à doença falciforme sob os diversos olhares: o olhar da gestão, o olhar das famílias e usuários e o olhar do serviço e seus profissionais. In: Cronicidade: Experiência de adoecimento e cuidado sob a ótica das Ciências Sociais. Ceará: UECE, 2015.

PESQUISA de Ortopedia aplica células tronco no tratamento para pacientes com Anemia Falciforme.

*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

Um comentário a Trajetórias e enfrentamentos das pessoas com anemia

  1. luana disse:

    Boa tarde estava lendo um artigo que fala o seguinte ” A prevenção dessa doença pode ser feita por uma alimentação correta de forma Anemia Sintomas saudável, isso deve começar ainda na infância e percorrer por toda a vida. É importante consumir alimentos que são ricos em ferro e vitamina B, esses alimentos são essências para o desenvolvimento dos glóbulos vermelho no sangue. Uma alimentação saudável não previne somente a anemia, mas outras doenças em geral.” Isso procede ?

Deixe uma resposta para luana Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *