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Atualizado em 1 DE junho DE 2016 ás 23:57

Estilo de vida defende apenas ingestão de comidas cruas

Um novo modo de viver. Trata-se da Alimentação Viva, método que prioriza o consumo de alimentos nunca cozidos, refrigerados ou estocados. Os adeptos garantem uma mudança não só de peso, mas também moral. Especialistas em nutrição explicam quais os pontos positivos e negativos desse estilo de vida

BEATRIZ BULHÕES*
biabulhoes_@hotmail.com

Em tempos que as comidas light passaram a ser fit, os shakes emagrecedores foram substituídos por sucos detox e procura-se cada vez mais comer alimentos orgânicos, surge uma nova corrente: a da Alimentação Viva. Aqui, comer é mais um ato de prazer do que de necessidade, e quanto mais crua a comida estiver, melhor.

Nessa corrente, os alimentos são divididos em quatro categorias: biogênicos, os alimentos que geram a vida, como germens, brotos e sementes germinadas; bioativos, os que ativam a vida, que são frutas e hortaliças cruas e não estocadas; bioestáticos, que param a vida, como são chamados os alimentos refrigerados ou cozidos; e biocídicos, alimentos que destroem a vida, nome dado aos alimentos que sofreram modificações ou adições químicas. Aos seguidores da alimentação viva só é permitido comer os dois primeiros tipos.

Contudo, a nutricionista doutora em dietética pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Deusdélia Teixeira, que leciona sobre o processo de cozimento dos alimentos, avisa: “Uma dieta a base de frutas e vegetais crus só é composta de água, vitaminas, sais minerais e alguns ácidos. Isso não alimenta da maneira adequada”.

“Se você for atrás de nutrientes, eu não posso te orientar a nada, apenas que procure um nutricionista. Mas se você for atrás de vida, eu tenho vida pra te dar”, promete José Fernandes Júnior, 58 anos, mais conhecido como “Zé Vivo”, em sua palestra sobre alimentação viva ocorrida na UFBA, durante uma Feira Agroecológica. Zé participou da criação do programa Terrapia, que estuda e ensina a alimentação viva, juntamente com Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro.

Zé Vivo / Imagem reprodução Correio

Desintoxicação – “Todo mundo aqui é viciado, todo mundo aqui é dependente químico”, começou Zé Vivo. Depois, explicou: “Nós somos dependentes químicos de substâncias que aparecem ao cozinhar os alimentos”.

Sua trajetória na busca de uma alimentação mais saudável começou 22 anos atrás, quando abandonou o álcool e o uso de drogas ilícitas. Após cinco anos sóbrio, conheceu o alimento vivo, por meio de uma médica psiquiatra que o ajudou no processo de abandono das drogas. Para começar a dieta, Zé Vivo passou por uma fase de desintoxicação do corpo, passando 21 dias sem comer. Durante os sete primeiros, nem água era permitido. Entretanto, há um consenso na medicina de que só é possível viver 4 dias sem beber água.

Após dois meses se alimentando apenas de alimentos vivo, percebeu mudanças em seu modo de viver e pensar. “Comecei a entender coisas que eu não entendia antes, como dar a outra face, ou porque a preguiça e a gula fazem mal. Uma mudança bem diferente, pois independente se o alimento vivo cura hemorróida ou traz a pessoa amada em três dias, esse novo modo de viver me mudou moralmente”, relata.

Apesar da orientação de fazer, no mínimo, 5 refeições por dias, Zé Vivo afirma que, às vezes, não faz todas essas refeições nem em um mês. No dia da palestra, disse ter comido apenas um limão e bebido água, além de ter respirado ar puro e ter tido contato com a terra, coisas que ele considera mais fundamentais.

Sua dieta desintoxicante, que chama de Zetox, parte do princípio que a pessoa precisa se liberar dos vícios em comida. “É como um dependente químico, eu só parei de beber quando vi que a cachaça era mais forte que eu. Quando eu percebi que esses carboidratos e proteínas eram mais forte que eu, e levei quatro anos para entender isso, consegui passar cinco anos totalmente vivo e me alimentando de luz”, conta.

Morador de Brasília, de passagem pela Bahia, não resistiu e comeu uma acarajé. “Não é pecado comer uma coisa ou outra diferente, mas não pensando nos carboidratos e proteínas, essas coisas todas que você não precisa. Eu comi por prazer, acompanhada de uma cervejinha”, relata Zé Vivo.

Na prática – A doutoranda e professora da escola de nutrição da UFBA (ENUFBA), Karine Beck, explica que há os adeptos radicais, que consomem apenas alimentos vivos, e os moderados, que mantém um consumo médio de 70% de cereais e sementes germinadas associados a 30% de outros alimentos, como os de origem vegetal.

“Não é um estilo de vida que devemos excluir, esse incentivo ao consumo de grão, por exemplo, é muito bom. Apenas devemos buscar harmonizar a alimentação viva com a alimentação saudável, sem restrições”, complementa.

A caribenha Suzy Eugênia conheceu esse estilo de vida depois de vir morar aqui no Brasil. Ela conta que sempre gostou de ter uma alimentação saudável e acredita que o alimento perde nutrientes ao entrar em contato com a água. Hoje em dia se alimenta de brotos e grãos ao menos um dia por semana, enquanto nos outros dias sua alimentação segue os princípios veganos. “Eu não me sinto fraca quando como os brotos, mas me sinto às vezes com tontura ou dor de cabeça e gostaria de saber se estou fazendo certinho para não acabar desnutrida”, conta ela. Ao fim da palestra, Suzy pediu para Zé que a orientasse e acompanhasse seu progresso na alimentação viva.

De acordo com a explicação da nutricionista Karine Beck, o corpo se adéqua a nova alimentação rapidamente, em cerca de uma semana, mas até lá, seu estômago tende a reclamar. “Durante o tempo de adaptação o seu organismo achará estranho aqueles novos alimentos, podendo gerar desconfortos abdominais”.

Sintomas mais graves, entretanto, podem ter ligação com a desnutrição. O cérebro é o mais afetado na pouca disponibilidade de carboidratos, por serem a fonte de glicose para esse e outros órgãos. “Mais cedo ou mais tarde, o organismo passa a ter pouca disponibilidade de glicose na corrente sanguínea, podendo ocasionar as tonturas”, adverte a nutricionista Andrea Ferreira.

Crudivorismo – A alimentação viva tem como base o crudivorismo, ou seja, a preferência em comer alimentos crus. Para os adeptos dessa prática, o alimento perde nutrientes quando levado ao fogo. Zé Vivo conta que sua casa, em Brasília, é quase um ponto turístico. Como se alimenta integralmente de alimentos vivos, sua cozinha não possui geladeira ou fogão, o que atrai diversas pessoas para tirar fotos desse estilo diferente de viver.

Alimentos 100% crus são a base da Alimentação Viva

Todavia, a comida não cozida pode conter diversos elementos que diminuem a absorção de outros nutrientes, os chamados fatores anti-nutricionais. “Comer comidas cruas tem qualidades e desvantagens, deve- se ter um equilíbrio”, explica a professora Deusdélia. Por exemplo, o ácido fítico presente nas leguminosas atrapalha a absorção dos metais, como cálcio, ferro e zinco, e o ácido oxálico nas frutas, quando consumidos em grande volume podem, futuramente, gerar pedras nos rins.

A justificativa de se alimentar inteiramente de alimentos crus é conseguir a absorção total das moléculas de silício. De acordo com Zé Vivo, desde que a primeira banana surgiu no mundo, ela carregaria as mesmas moléculas de silício que as bananas cultivadas hoje em dia. “Para estar viva até hoje é porque a banana agregou informações de como, no meio ambiente, poderia extrair a luz do sol pra fazer fotossíntese ou como podia pegar informações com o solo. Enfim, toda essa ligação com o ambiente é feita com as moléculas de silício”, afirma.

Assim, absorver essa substância seria o equivalente a absorver todas as informações vitais do alimento. Todavia, essa molécula de silício estaria protegida por outra molécula, de água: ao aumentar a temperatura do alimento, a água evaporaria levando consigo o silício e as informações. Consumindo o alimento cru, não haveria perdas. Por outro lado, a professora Deusdélia contrapõe a justificativa do ativista. “O silício que eu conheço está mais nas cascas, e é utilizado inclusive pra fazer vidro e cimento”.

Opinião dos especialistas – A falta de literatura médica que explique melhor esse modo de vida reflete no desconforto dos profissionais, já que não se sabe os malefícios e nem os benefícios que podem trazer em longo prazo. Essa é uma das queixas da professora Karine Beck. “Eu busquei estudos no Pubmed, para poder entender um pouco mais sobre alimentação viva, e não encontrei nenhum arquivo”.

A nutricionista Andrea Ferreira argumenta que o conceito de saudável é muito amplo para se definir uma dieta, mas alerta: “Poderá acarretar em alguns desequilíbrios para a saúde quando feito sem orientação ou sem acompanhamento nutricional, realizado por um nutricionista”.

Já Deusdélia Teixeira é taxativa: “Eu sou contrária a essa e outras correntes radicais. A alimentação é veiculada na mídia e vira moda, fanatismo, igual a time de futebol”.

De qualquer forma, há um consenso: a alimentação saudável abrange comer todos os tipos de alimentos, observando sempre a quantidade e a qualidade deles. “Nada tão restritivo acaba sendo saudável”, finaliza Karine.

*Graduanda do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e estagiária da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura Ufba

Um comentário a Estilo de vida defende apenas ingestão de comidas cruas

  1. Carlos Alberto Guimarães de Sá disse:

    É impossível comprovar que os alimentos cozidos não perdem o valor nutricional. É impossível comprovar que os alimentos vivos não conservam o valor nutricional. Em fim, são muitas teses expostas e cada uma defendendo o que prega, mas o fato é que existe muita coerência no projeto de alimentação viva. A alimentação que gera a vida.

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