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Atualizado em 19 DE maio DE 2016 ás 18:54

Divergência marca tratamento de pacientes que cometem crimes

A matéria retrata as condições das pessoas que vivem em manicômios judiciários e problematiza o fim do Hospital de Custódia e Tratamento de Salvador

POR LAÍS MATOS*
lais.matos.rosario@gmail.com

Existem pessoas que são responsáveis pelas próprias ações e existem aquelas que não se comportam conforme as convenções sociais. Quando uma pessoa com transtorno mental comete um crime, ela não vai para a cadeia comum. Uma avaliação psiquiátrica determina o quadro de insanidade e, a partir dela, o juiz sentencia a medida de segurança, que pode durar até três anos. Essas medidas de segurança são cumpridas em locais especiais que oferecem atendimento psiquiátrico e terapêutico para os pacientes. Esses locais eram chamados de manicômios judiciários. Em Salvador, localizado na Baixa do Fiscal, o Hospital de Custódia e Tratamento, é responsável por acolher as pessoas que infringiram a lei e apresentam algum quadro de transtorno psicológico.

O início da luta antimanicomial começou na década de 70 no Brasil, mas as mudanças aconteceram de fato em 2001, depois de uma reforma na lei referente ao tratamento de pacientes psiquiátricos. A lei nº 10.216 dispõe a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Segundo o professor de psicologia criminal da UFBA, Domingos Araújo, as conquistas da luta antimanicomial foram significativas por mostrar à sociedade as diretrizes que foram iniciadas com o Projeto Mandacaru. “Nele, profissionais de diferentes áreas ultimaram esforços para encetar um novo modo de compreender a doença mental e os modos de tratamento”, explica.

De acordo com o diretor de Segurança Prisional da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), Major Júlio César, há uma tendência de abolição dos manicômios. “No país, há toda uma política antimanicomial, por isso, são raros os estados brasileiros que ainda possuem uma estrutura denominada Hospital de Custódia e Tratamento. Nosso serviço social tem tentado insistentemente fazer com que essas pessoas retornem para as suas famílias, mas não tem surtido muito efeito”, explica o Major.

As discussões acerca do Hospital de Custódia e da condição dos pacientes que vivem nele já duram anos. A unidade abriga atualmente 171 pessoas em regime fechado, de internação e por determinação judicial para perícia, custódia e tratamento. O maior problema ainda é o abandono e descaso com os pacientes. Após cumprirem a medida de segurança, aqueles pacientes que não tem para onde ir acabam sendo obrigados a permanecer na instituição. O Superintendente de Ressocialização Prisional, Luís Antônio Fonseca conta que a estrutura do Hospital de Custódia é algo que vem sendo discutido em todo o país, sobretudo depois da reforma psiquiátrica quando as pessoas passaram a militar por uma causa denominada luta antimanicomial. “Para se ter uma ideia, nós temos em média 18 pessoas que não deveriam mais estar lá, estão abandonadas, sem família, sem ninguém e fica para o estado acolher esses indivíduos.”

Os próprios internos cobram por melhoras nas condições e na infraestrutura. O hospital recebe indiciados, processados, sentenciados, suspeitos ou, comprovadamente, portadores de transtornos mentais. De acordo com Domingos Araújo, poucos recursos foram destinados em termos de política pública para o único Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia.

Diversos encontros são realizados para debater o fim da Casa de Custódia em Salvador. Uma das propostas, ainda em estudo, é a possível transferência dos pacientes para tratamento ambulatorial, fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A situação envolve uma questão de saúde muito mais que de segurança, ou seja, a preocupação deve estar voltada para o cuidado com as pessoas, que devem ser vistas como pacientes e não como criminosos. No entanto, apesar dos esforços dos órgãos responsáveis para melhorar a estrutura do hospital, o debate dura anos e nada é feito.

O criminalista e professor da Faculdade de Direito da UFBA, Gamil Foppel, esclarece os direitos penais dessas pessoas que infrigem a lei. “O direito penal trata com duas categorias de pessoas que são infratoras: aquelas que a gente diz que tem capacidade de auto-entendimento e autodeterminação, as imputáveis, que são pessoas que se governam e que se permitem controlar por normas de conduta; E de outra banda, temos os inimputáveis. que são aquelas pessoas que não têm a capacidade de autoentendimento, elas não têm discernimento”. As pessoas que são inimputáveis não recebem uma pena privativa de liberdade, elas têm medida de segurança. Foppel explica também que as penas privativas de liberdade têm um prazo máximo de trinta anos, já as medidas de segurança têm um prazo máximo de três anos, que pode ser prorrogado caso a situação de patologia psiquiátrica não tenha cessado.

De acordo com o psiquiatra Nailton de Paula, que atuou no Hospital de Custódia e Tratamento de Salvador, a função do médico no processo de julgamento e tratamento dos pacientes é determinante para a sentença. “Quem define isso é o laudo, prescrito pelo Exame de Sanidade Mental. Nesse exame, o psiquiatra vai avaliar se a pessoa, no momento em que cometeu o ato delituoso ou a omissão delituosa (omissão também pode ser crime), estava capaz de compreender a ilicitude do ato que estava cometendo”, elucida. Depois dessa avaliação, o exame é encaminhado para o juiz que vai decidir o futuro do paciente.

O psiquiatra defende que o Hospital não é a solução, “Pelo que eu conheço do Hospital de Custódia de Salvador, aquilo é a antessala do inferno, é pior que o purgatório. Um ser humano não merece o tratamento degradante que é dado lá”, afirma Nailton de Paula. Para ele, o ideal seria uma reforma na estrutura, que permitisse atividades lúdicas capazes de estimular o convívio social.

Com o fim do Hospital de Custódia e Tratamento os pacientes passariam a ter tratamento ambulatorial e seriam medicados na própria casa. Entretanto, em alguns casos, viver em sociedade não é seguro para o próprio paciente. Para Domingos Araújo, a responsabilidade com o paciente envolve participação da sociedade e da família. “Todavia, a assistência e a promoção deveriam ser objeto de política pública do Estado, ao invés de “ações de saúde”. Por isso, devemos alertar para o debate a sociedade civil organizada e a família, para o cumprimento da atenção em saúde mental e do atendimento psicossocial”, critica.

*Graduanda no curso de Comunicação Jornalismo na Universidade Federal da Bahia e ex-estagiária da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura da UFBA

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