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Atualizado em 28 DE setembro DE 2020 ás 22:15

Ataques a reuniões on-line são a nova expressão da força bruta bolsonarista

Todo domingo final de tarde, um grupo de artistas, intelectuais, professores, ativistas da cultura se reúnem voluntariamente para trabalhar pela cultura brasileira. E isso incomodou os fascistas

POR JOANA BRANDÃO*
joanabrandao@hotmail.com

O ataque das reuniões on-line por uma série de perfis falsos é a mais nova subversão da razão pela força bruta bolsonarista. Subversão da razão, do uso da palavra, da informação. No domingo, dia 06 de setembro de 2020, esta horda fascista se sentiu mobilizada para caotizar uma reunião em que estava prevista a palestra “O lugar dos povos indígenas nas políticas culturais do Brasil“, pelo professor universitário, doutor em literatura, reconhecido estudioso das línguas e culturas indígenas, José Bessa Freire. A reunião foi a quinta da série Estados Gerais da Cultura, idealizada pelo renomado cineasta Silvio Tendler – o cineasta dos vencidos – com o objetivo de discutir estratégias de resistência ao desmonte da cultura pelo governo vigente. Nesta reunião, participam há cinco semanas pesquisadores, artistas, professores, intelectuais, ativistas da cultura. E isto incomodou os fascistas!

Ataques por perfis bolsonaristas: subversão da razão, do uso da palavra, da informação.

A palavra, os argumentos, diria Platão, permitem o esclarecimento, a possibilidade de chegar à verdade. Os sofistas, embora não tão confiantes na possibilidade de uma verdade absoluta, defendiam o uso da retórica como estratégia de poder. Desde a defesa grega da retórica e o que dela herdamos através da sociedade greco-romana, a palavra é vista como forma de elevar a sociabilidade humana. Toda ideia de liberalismo e república se funda neste princípio. A palavra não é usada pela sua capacidade de elevar o volume, quando nas instâncias democráticas em que se buscam soluções para os problemas sociais. Ela é usada pela sua capacidade de expressar razoabilidade, de convencer pela potência das ideias, dos argumentos. As sociedades africanas das quais herdamos outro tanto da nossa sociabilidade tinham na palavra e na musicalidade formas de expressar uma complexa filosofia e cosmologia, caminhos para construir o bem-estar da comunidade. As sociedades indígenas das Américas em toda sua diversidade iam na mesma direção.

Tantos idiomas, tão complexos. E diante de uma herança tão rica, esta leva de ignóbeis utiliza apenas a possibilidade de calar. Não há outro nome para descrevê-los senão a barbárie. São pedras atiradas contra a possibilidade da razão. As tropas defensoras do atual presidente não entram para questionar, para apresentar argumentos e debater suas ideias. Elas entram transformando a palavra em força. Para inviabilizar a comunicação das pessoas que estão genuinamente na reunião, inserem no chat mensagens imensas com xingamentos, desenhos, caveiras, e odes ao (anti)mito deles. E, seguindo o exemplo de seu ídolo, exuberam na mediocridade. Músicas de letras sexualizadas são colocadas ao mesmo tempo em que no chat dizem que “ideologia de gênero é a perversão da pessoa humana por defender sexo com todos“. Trechos de games (jogos) violentos e o presidente fazendo arminha são alguns dos temas apresentados na tela durante a invasão. Ruídos a toda altura impedem a comunicação dos participantes legítimos. Em outra reunião em que presenciei um ataque, eles inseriram sons escatológicos.

Não satisfeita em tentar subverter os fatos com suas fake news, a horda bolsonarista quer agora subverter a própria possibilidade de comunicação, o espaço acústico e visual em que se expressa a palavra. Eles não querem discutir ideias, querem exatamente impedir este ato pela força bruta; querem silenciar o diálogo, a própria possibilidade de cultura. É a arma empunhada na direção de García Lorca, é a fogueira à espera de Galileu. A diferença é que não mostram a cara. Os perfis são obviamente falsos.

Estes ataques precisam ser investigados, assim como as fake news estão sendo. É preciso investigar se há dinheiro PÚBLICO financiando estes ataques ao direito democrático de debate aberto e franco. É preciso investigar quais as empresas que financiam estes ataques e criminalizá-las. O silenciamento da palavra pela força bruta é a nova estratégia eleitoral bolsonarista e ameaça o que resta de democrático nas eleições de 2022.

Teóricos da comunicação, entusiastas das tecnologias em redes, quem nos convenceria um tempo atrás que democratizar a comunicação era popularizar a barbárie?

Apesar da tentativa fascista de impossibilitar o encontro, ele ocorreu (com algum atraso) pelo Youtube. Ao ver e ouvir a Sabah Moraes com sua bela voz e interpretação melodiando a cultura popular brasileira ficou a certeza de que a onda fascista não é capaz de matar a poesia. Resistiremos pela beleza e pela razão!

Veja aqui o registro do encontro:

*Joana Brandão é jornalista e integrante da Liga Latino-americana de Irredentos.

** Artigo originalmente publicado no Blog Núcleo dos Irredentos

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