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Atualizado em 16 DE abril DE 2013 ás 10:52

Francisca de Paula

Conheça o projeto de pesquisa e extensão desenvolvido através da UNEB ‘Turismo de Base Comunitária na região do Cabula e entorno, e a alternativa social para desenvolvimento do turismo.

POR LUCAS MACEDO NASCIMENTO*
lukaslmn@hotmail.com

Para muitas pessoas, viajar, conhecer novos lugares, vivenciar novas culturas, é uma das respostas mais recorrentes quando questionadas sobre o que gostam de fazer no seu tempo livre. Para algumas, basta uma boa praia, belas paisagens, boa hospedagem, e muito sol, para garantir a temporada de felicidade e descanso com satisfação; para outras a vivência e a participação da ‘cultura local’ é crucial para tornar a viagem uma atividade realmente enriquecedora e que além de diversão, traga um crescimento pessoal. Mas será que dentro dos moldes do turismo que temos atualmente as pessoas estão realmente vivenciando essas experiências? Conheça então a proposta do Turismo de Base Comunitária desenvolvido pela UNEB e coordenado pela Doutora em educação, professora Francisca de Paula.

Ciência e Cultura – Quais as principais características do turismo de base comunitária e as principais diferenças em relação ao turismo comum?

Francisca de Paula Como o nome sugere, é uma forma de organização da comunidade, onde os movimentos sociais, fóruns, redes e outras organizações civis, articuladas, discutem, debatem e dialogam, entre eles, a organização do turismo naquela comunidade. É a comunidade que planeja, organiza e gerência, tudo que diga respeito ao fluxo de pessoas no próprio bairro, então, essa forma de organização se diferencia muito do turismo convencional, que é voltado para a elite e que é organizado por empresários, muitas vezes, distantes daquela realidade. Então nós temos, por um lado, um modelo de turismo convencional com um único foco na questão econômica, em que os produtos são divulgados e comercializados sem uma participação, ou vinculação, da população daquela localidade [como o caso das lembranças de salvador fabricadas na Coréia] do destino receptor e esse fato é que gera outro tipo de movimento, em que há uma busca para que essa população identifique e reconheça o valor dos seus atrativos e que eles possam também usufruir disso. Assim, o Turismo de Base Comunitária (TBC), tem como alicerce e plataforma os aspectos culturais, sendo que há uma tendência muito maior para o TBC em populações e comunidades de baixa renda que estão marginalizadas.

Por outro lado, o turismo convencional não valoriza muitas vezes o que é popular, a não ser de uma forma exótica, como algo que se fotografa, mas que pouco se convive ou se experiencia em termos de relacionamento com as populações, em um modelo massificado. Enquanto que o turismo de base comunitária se organiza de modo que as experiências sejam vividas por pessoas não em grandes quantidades, mas por aquelas interessadas em estar, conviver e experimentar o que aquela comunidade teria para oferecer.

Ciência e Cultura – Mesmo dentro de um modelo diferenciado, o turismo de base comunitária precisa se relacionar com alguns aspectos do turismo convencional, como a captação de turistas, o agenciamento, receptivo, o transporte… Como isso ocorre dentro dessa proposta?

Francisca de Paula Essa é uma pergunta importante, porque no turismo convencional essa organização de intermediação por operadoras, agências, entre outros, funciona muito bem diante do grande fluxo de pessoas.  No nosso pensamento, quando a comunidade se apropria do seu espaço, se organizando e criando laços de interdependência entre os sujeitos da comunidade, poderão desenvolver todas as etapas de produção do turismo, desde a divulgação à operação, sem o intermédio das empresas convencionais que, visando o lucro, muitas vezes exploram essas comunidades, como pacotes existentes de visitação a comunidades indígenas ou favelas, em que as agências cobram, por pessoa, em torno de trezentos reais, mas o que deixam para a comunidade é muito pouco. Na medida em que a própria comunidade possa estabelecer as condições de produção e comercialização, e que o turista que busca esse projeto tenha acesso e se comunique com essa comunidade, é necessário que além de se organizar politicamente, ela tenha uma formação mais específica, de hospedagem comunitária, de definição de preços, de guiamento, e outros serviços que subsidiem eles nesse diálogo com as pessoas que desejam visitar as localidades. Então o que nós propomos é que a comunidade, por meio de cooperativismos, e utilizando das tecnologias informacionais, assuma todas as demandas de serviço do turismo, divulgando toda a variedade de patrimônio simbólico ligado à cultura popular que é riquíssima nessas comunidades e que é diminuído justamente por essa estrutura do turismo convencional que restringe muito o convívio do turista com as comunidades locais.

Esse é outro ponto muito importante da proposta do TBC, que o diferencia muito do turismo convencional, que é o cuidado para que não ocorra a descaracterização dos locais com a criação de serviços e infraestrutura que seja diferente da realidade ali vivenciada, como um quarto muito melhor para um turista do que aquele que o morador da comunidade já normalmente utiliza, ou elementos culinários que não integrem os hábitos alimentares locais, por exemplo.  Ideia é de que os visitantes justamente utilizem os espaços como os cidadãos locais, convivendo e respeitando o modo de vida deles.

Ciência e Cultura – Existem no Brasil e na Bahia outras iniciativas nessa nova proposta de organização do turismo, elas influenciam o projeto para o Cabula e entorno?

Francisca de Paula – No que diz respeito ao Brasil, nós temos a experiência da Prainha do Canto Verde, no Ceará, e que através de lideranças comunitárias e outros atores, tiveram a iniciativa de frear a forte urbanização que acontecia na orla, e aproveitar o potencial das comunidades litorâneas, constituindo um exemplo clássico de TBC, e que já teve uma boa repercussão até mesmo internacional. Mas a grande maioria é ainda apenas um tipo de turismo comunitário, uma visitação das comunidades, mas sem a imersão na rotina local. Em 2008, também, o ministério do turismo abriu iniciativas de apoio ao turismo comunitário que terminou ajudando os projetos existentes, como em Lençóis, o projeto ‘grão de luz / Griô’ e em Itacaré a fazenda Quilombo D’oiti – Casa do Boneco. E existem também projetos no espaço rural, que tem tido subsídios de organizações como a UniSol, a Rede Traf, que efetivamente recebem turistas e veem se organizando, mas ainda é algo incipiente.

Para o projeto do Cabula e entorno não tivemos necessariamente um modelo, na verdade tenho trabalhado há alguns anos nas disciplinas da graduação em Turismo e Hotelaria da UNEB, atividades relacionadas aos empreendimentos comunitários, como nas disciplinas de Marketing e Eventos, como forma de ir aprimorando os conhecimentos sobre a região. Porém o grande salto foi a aprovação, em 2010, do projeto pela FAPESB, que ajudou a fortalecer os diálogos que vinham sendo construídos com essas comunidades através das disciplinas da graduação, proporcionando uma ampliação do desafio diante de toda riqueza cultural existente na comunidade e que cada vez mais tem sido revelado nos roteiros que são elaborados.

Ciência e Cultura – Quais têm sido os maiores problemas enfrentados pelo projeto?

Francisca de Paula – Acredito que o maior desafio está ainda na fragmentação das comunidades, na falta de articulação que leva os empreendimentos sociais a acontecerem de forma isolada, além dos conflitos e tensões entre os próprios moradores da comunidade. Mas que na medida da conscientização e da mobilização social em redes para a organização de um modelo de TBC poderá ser superada. Há também um problema de deturpação da figura dos líderes comunitários, que em alguns casos estando nesses postos, defendem interesses que não os da comunidade.

Ciência e Cultura - Quais os principais resultados alcançados com o projeto de Turismo de base comunitária no Cabula e entorno e quais as perspectivas do projeto adiante?

Francisca de Paula – Depois de muita desconfiança por parte dos moradores que já tiveram varias experiências frustrantes com pesquisadores que fazem suas pesquisas, mas depois não retornam às comunidades, já conseguimos conquistar um espaço com um projeto diferenciado, de extensão e com uma equipe multidisciplinar que tem em vista a implantação de um projeto mais amplo. Além disso, já temos adesão de varias pessoas e grupos que vêm através do projeto a possibilidade de potencialização da visibilidade de seus trabalhos, e até mesmo outras instituições como a Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública que no trabalho de campo, tendo as comunidades como articuladora das universidades trabalha de forma interdisciplinar com a UNEB, e que já propiciou a realização da I Feira de Meio Ambiente e Saúde, que ocorrerá em Julho. Nas comunidades já organizadas em redes, tivemos uma resposta mais imediata, com a criação de grupos de comércio local em economia solidária, além da construção do portal que dará visibilidade ao projeto. E especialmente, já conseguimos a realização de uma visita de um grupo de 25 pessoas, em um roteiro desenvolvido pela comunidade de Pernambués, onde a comunidade pôde ver na prática como funciona o turismo de Base Comunitária, além de varias conquistas mais internas do projeto como a participação em seminários internacionais, o Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária, que tem reunido nos últimos anos em torno de mil pessoas, e em breve o lançamento do livro que trará a contribuição em um âmbito mais acadêmico.

Os próximos passos são agora a consolidação dos roteiros, e principalmente a formação das pessoas, especialmente nas escolas através de uma das vertentes de trabalho que envolve a pesquisa em utilização de RPG na educação de jovens.

*Lucas Macedo Nascimento, estudante de graduação em Comunicação Social – Produção Cultura

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