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Atualizado em 1 DE junho DE 2016 ás 23:36

Severino Soares Agra Filho

Em meio à crise política no país, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram projetos polêmicos que alteram significativamente a legislação ambiental e que podem agravar a ocorrência de impactos ambientais provocados pela realização de grandes obras. Saiba mais sobre essas mudanças na entrevista, realizada pela Agência de Notícias Ciência e Cultura, com o especialista em avaliação de impactos ambientais sobre a legislação ambiental e suas consequências Severino Soares Agra Filho

POR BEATRIZ BULHÕES*
biabulhoes_@hotmail.com

Alguns especialistas ambientais acreditam que as ações humanas sem responsabilidade têm sido fundamentais para a crescente crise do meio ambiente no Brasil e no mundo. Alheios à problemática dos impactos sofridos pela natureza, a Câmara dos Deputados e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovaram, no mês de maio deste ano, a PEC 65/2012. A legislação ambiental atual exige a realização de um estudo sobre o impacto que uma obra irá causar no ambiente antes da obtenção da licença para que a obra seja realizada, após a alteração, mesmo com que o estudo seja feito, não tem a obrigatoriedade de ser analisado para concessão da licença.

Outro PLS, o 654/2015, também está tramitando no Senado e pretende juntar as três licenças usadas hoje em uma única e simplificada. Para esclarecer um pouco sobre estes projetos, conversamos com Severino Soares Agra Filho doutor em Economia Aplicada ao Meio Ambiente, pela Unicamp, e especialista em avaliação de impactos ambientais sobre a legislação ambiental e suas consequências.

Ciência e Cultura: Como funciona o licenciamento ambiental?

Severino Agra Filho: O licenciamento ambiental está previsto na legislação, na lei nacional do meio ambiente. Existe o conselho nacional do meio ambiente (CONAMA) que sempre regulamentou a licença ambiental no Brasil. Antigamente, cada estado estabelecia o seu próprio sistema, depois, em 97, o CONAMA resolveu uniformizar o procedimento.  Há uma licença para quando começa a planejar o empreendimento, a licença prévia, depois há uma licença para a implantação, e, por fim, a licença de operação.

Ciência e Cultura: Por que existem três licenças?

Severino Agra Filho: Analisando a licença ambiental de uma refinaria, por exemplo, não temos a capacidade de dizer como será exatamente quando tiver realmente funcionando apenas com as informações iniciais. A ideia do licenciamento serve também para você dar a ideia de um anteprojeto, um projeto básico, para ser analisado e definir o que ele tem que ajustar. Depois de analisado, é feito um projeto executivo, que já é definitivo, pois já contém as orientações da licença prévia sobre o que precisa estar no projeto. Depois, na licença de operação, faz-se uma checagem se tudo que foi previsto na licença foi feito e instalado, além de acompanhar o monitoramento. Essa licença de operação tem um prazo de validade e de renovação, então é o momento que aproveitamos para ver se tem alguma coisa que precisa ser monitorada e acompanhada. Como nem a empresa tem a informação precisa de, por exemplo, como o lançamento de efluente tratado será suficiente ou não para o que você pensava, quando é medido durante um funcionamento você vê o que deu certo e o que não deu. Sempre tem uma coisinha fora do lugar e é preciso fazer alguma complementação para ficar dentro dos padrões. Cada licença é condicionada para a seguinte. A licença prévia é condicional para a de instalação, que sinaliza e já faz uma condicionante para a licença de operação, que é condicionante para a fiscalização. Isso se chama aprimoramento contínuo.

“Algumas empresas, geralmente as mais avançadas e que são mais internacionais, já tem uma consciência e fazem o licenciamento correto. A empresa também ganha muito dinheiro com gestão ambiental.” (Severino Soares Angra Filho)

Ciência e Cultura: Como funciona a lei hoje em dia?

Severino Agra Filho: Cada estado ainda tem uma dinâmica diferente. A dinâmica obrigatória é que, dependendo do porte do projeto, como a primeira licença é muito complexa, precisa-se antes fazer um estudo de impacto ambiental (EIA). Esta na constituição, no artigo 225, no capitulo de Meio Ambiente. Todos os estados têm órgãos ambientais e praticam conforme essa resolução que uniformizou, com algumas particularidades. Em uma refinaria, por exemplo, precisamos do estudo de impacto por ser um estudo profundo. É também uma resolução do CONAMA que estabelece os requisitos de conteúdo. O órgão ambiental tem que definir o chamado “termo de referência”, explicando o que deve conter no estudo de impacto. Para ter uma ideia, o estudo de impacto ambiental hoje custa pelo menos de cinco milhões. Demora um ano e é feito por mais de 20 especialistas, em média. Por exemplo, a ponte Salvador – Itaparica precisou de uma firma de milhões e contratou 30 técnicos pra fazer o EIA e a licença prévia. Uma das propostas no Congresso é mudar tudo isso, criar o que já se esta se fazendo na Bahia erroneamente, a junção das licenças. A chamada licença única, sem complexidade nenhuma, esse é o problema. Falam ainda em criar outra licença chamada licença por adesão e compromisso (LAC), onde você preenche um formulário, dizendo que se compromete a ser honesto, não poluir, etc. E no final do dia sairia no sistema a sua autorização.

Ciência e Cultura: O senador Acir Gurgacz (PDT / RR) propôs, através da PEC 65/2012, que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não seja condicionante para a concessão da licença ambiental. Qual a sua avaliação dessa proposta?

Severino Agra Filho: É o mesmo que pegar aquele artigo que eu li (o no artigo 225) e mandar acabar. Aquele artigo diz da seguinte forma: toda empresa com empreendimento de potencial alto e significativo tem que apresentar, na forma da lei, o estudo do impacto. Se ele exige, ele tem que analisar. Na proposta do senador, só a apresentação importa para a autorização da obra, que não poderá ser suspensa nem cancelada. Ou seja, basta entregar o estudo que já está aprovado. Ele simplesmente jogou fora todo esse artigo.

Ciência e Cultura: Antes da proposta da PEC 65, a lei conseguia barrar obras com grande impacto?

Severino Agra Filho: A lei só dá as diretrizes, cada estado detalha melhor. O detalhamento existente já era frágil, senão não aconteceria o que esta acontecendo. Os estados também não fiscalizam. Mas tem toda uma concepção que, se quisesse fazer bem feito, poderia fazer. Como eles interpretam e como eles praticam é que termina precarizando a lei. E a licença demora, às vezes, cerca de dois anos para sair, então os empresários estão sugerindo essas mudanças pra pressionar.

Ciência e Cultura: A justificativa da aprovação da PEC 65 é que ela economizará dinheiro aos cofres públicos, já que a obra não poderá ser cancelada. Você concorda?

Severino Agra Filho: O problema é em qual perspectiva está se falando. Algumas empresas, geralmente as mais avançadas e que são mais internacionais, já tem uma consciência e fazem o licenciamento correto. A empresa também ganha muito dinheiro com gestão ambiental. As que estão nessa visão de vanguarda, infelizmente são poucas, as nacionais não discutem esses assuntos. Hoje temos vários procedimentos que imprimem o conceito de eco eficiência e conseguem produzir a mesma coisa com um menor consumo de energia, de água, de matéria prima… fazer gestão ambiental virou uma vantagem econômica. E o conceito que se trabalha de gestão ambiental é o de desenvolvimento ecológico, social e econômico. É um tripé, não da pra atender mais ou menos uma, mais ou menos outra e a econômica totalmente.

Ciência e Cultura: Qual a proposta do Estudo de Impacto Ambiental?

Severino Agra Filho: O EIA manda que se analise primeiro as possibilidades. Se o objetivo do projeto é valido, principalmente para obras públicas, deve ser provado que exige a necessidade desse projeto. Depois, alternativas de onde fazer, por exemplo, uma ponte. Qual tipo de ponte, onde fazer, qual o traçado, tudo isso. Dessas alternativas deve-se escolher e analisar o impacto de cada uma e confrontá-las, decidindo qual a melhor para o meio ambiente. O empreendedor deve fazer o estudo e apresentar para você que ele pegou, das alternativas possíveis, a melhor. Mas digamos que, se ele tem que dar três alternativas, deve escolher alternativas decentes. Não pode conter duas alternativas indecentes e a dele ser a única decente. Mas os órgãos ambientais ainda não conseguem captar isso, mesmo que algumas vezes seja evidente.

Ciência e Cultura: Qual a relação entre o estudo de impacto e a licença unificada?

Severino Agra Filho: Ainda existem três licenças, mas só para projetos grandes. Os projetos de médio e pequeno porte é que usam licença unificada. Uma indústria de cimento, por exemplo, usa a licença única. O estudo de impacto é o que pode cancelar o fornecimento da licença, até que voltem com outro estudo anos depois. Só projetos menores que tem licença prévia sem o estudo, como uma fábrica de calçados, porque a licença já tem informações suficientes. Já coisas mais complexas, como uma fábrica de celulose ou uma refinaria, que envolvem cinco ou seis municípios de impacto, tem que fazer uma avaliação maior. Ainda estamos estudando uma maneira de melhorar o estudo de impacto, para ele dar um resultado mais avançado. Fizemos uma pesquisa vendo os impactos que estão sendo causados quando a empresa opera e comparando com os impactos que o estudo previa. A maioria não corresponde. Não pensam no tamanho do efeito, então as medidas que fizeram de correção e prevenção às vezes não é suficiente pelo tamanho do impacto. Dizem que vão fazer uma estação de tratamento de influentes, mas quando percebem a vazão já é maior do que imaginavam, segundo eles.

Ciência e Cultura: Qual órgão é responsável pela fiscalização?

Severino Agra Filho: Quando o impacto envolve mais de um município, a licença é dada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) e ele fiscaliza. Quando o projeto tem impacto que atinge dois estados, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) dá a licença e também fiscaliza. Se o impacto for só em um município, o próprio município pode dar a licença. Mas às vezes mandam o documento e nas prefeituras não tem gente, a prefeitura se faz de surda. Ou vão lá, barganham alguma coisa com o governador para o município e eles deixam o projeto funcionar. Até porque o prefeito geralmente quer o projeto, pois ainda pensa na ideia de que o crescimento a qualquer custo vale a pena.

*Graduanda do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e estagiária da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura Ufba

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