Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 1 DE abril DE 2014 ás 17:06

Barcos Solares como alternativa ao transporte marítimo na Bahia

Região Nordeste apresenta os maiores valores de irradiação solar global, com a maior média e a menor variabilidade anual entre as regiões geográficas

ANTÔNIO ARAPIRACA*

O anúncio feito na semana passada [1] pelo governo do estado da Bahia sobre a revitalização do transporte marítimo de passageiros na região metropolitana de Salvador abre espaço para a reflexão sobre as alternativas tecnológicas que podem ser utilizadas nos sistemas de propulsão, ou motores, que irão movimentar estes barcos.

Considerando que a maioria esmagadora da frota baiana utiliza motores de combustão movidos a óleo diesel, gostaria de fazer algumas considerações com relação ao uso de tecnologias baseadas em combustíveis fósseis. Estudos apontam um grau de contaminação acima do normal na Baía de Todos os Santos [2], sendo que elementos orgânicos (ou melhor, hidrocarbonetos) e metais diversos estão entre os contaminantes encontrados. Este tipo de resíduo é devido a descargas de efluentes industriais e domésticos, extração de petróleo e gás, processos de geração de energia, emissão veicular e atividades portuárias.

Com o aumento de embarcações circulando na área, o grau de contaminação na Baía de Todos os Santos pode sofrer uma elevação drástica. No caso de algumas embarcações do tipo Ferry Boat, alguns motores mais modernos utilizam um sistema bicombustível que utiliza 70% de gás natural e 30% de óleo diesel, o que permite uma diminuição considerável nas emissões, mas como os barcos mais novos ficam mais rápidos, naturalmente farão um número maior de viagens, aumentando a emissão diária.

Portanto é preciso intensificar ainda mais a redução de danos e considerações deste tipo devem ser feitas pelos gestores públicos nas análises de riscos relacionadas à expansão do sistema de transportes marítimo. Ignorar estas questões pode contribuir para a produção de mais um passivo ambiental para a população da grande Salvador.

Outro elemento a ser considerado neste debate é o potencial brasileiro e baiano de energia solar. Segundo uma nota técnica de maio de 2012 da Empresa de Pesquisa Energética [3], vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a irradiação média anual no país varia entre 1.200 e 2.400kWh/m2/ano, valores que são significativamente superiores à maioria dos países europeus, os quais exploram em maior escala do que o Brasil este tipo de matriz energética.

O estudo aponta ainda que a região Nordeste apresenta os maiores valores de irradiação solar global, com a maior média e a menor variabilidade anual entre as regiões geográficas com valores máximos na região central do estado da Bahia (6,5 kWh/m²/dia). Estes dados são importantes para balizar uma escolha tecnológica, pois já que temos um dos maiores potenciais de insolação do mundo, a utilização de motores elétricos movidos a energia solar seria a alternativa mais coerente para a frota da cidade de Salvador e também em diversos municípios do estado que são banhados pelo mar e por bacias hidrográficas.

Estes motores são alimentados por painéis fotovoltaicos que podem ser colocados em cima e nas laterais dos barcos, os quais contam com um banco de baterias para armazenar o excedente de energia nas horas de maior incidência de radiação utilizando depois em períodos chuvosos ou com muitas nuvens. Este tipo de tecnologia já é utilizada para transporte hidroviário de passageiros em várias partes do mundo e não produz emissão de poluentes, economizam com o gasto de combustíveis e por serem motores bastante silenciosos, ajudam a diminuir o estresse dos animais no entorno de rios e mares.

Uma pergunta que pode ser feita é: temos condições tecnológicas no país para fazer tal opção? Sim. Desde 2009 uma competição de barcos movidos a energia solar é organizada em âmbito nacional pelo Polo Náutico da UFRJ, o Desafio Solar Brasil (DSB) [4]. As equipes que participam da competição são oriundas de escolas da rede de educação tecnológica e universidades.

Apesar do pouco tempo de realização desta competição, a mesma já produziu bons frutos, como por exemplo o Barco Solar Amazônia [5], que foi desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e visa fazer o transporte de estudantes em regiões ribeirinhas na Amazônia. A idéia de construção do barco surgiu a partir das participações de equipes desta universidade no DSB e o projeto, especialmente pensado para as condições climáticas e geográficas da região, foi financiado pelo MCTI e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O modelo é experimental, mas a intenção é exportar a idéia para outras regiões do país.

Somente para o atendimento da demanda verificada na região metropolitana de Salvador seriam necessários ainda muitos estudos e demanda de financiamento para pesquisa e desenvolvimento das embarcações, mas, a exemplo do que está sendo feito no estado de Santa Catarina, a rede universitária e de educação tecnológica baiana, em âmbito federal e estadual, poderia ser mobilizada e receber incentivos para pesquisas induzidas nesta área.

Existem quadros qualificados nestas instituições que poderiam atuar na formação de uma rede de colaboração técnica de modo a articular estudos de ciência básica e aplicados. Uma vantagem adicional de desenvolver tal tecnologia nestas instituições seria a formação de recursos humanos para trabalhar com energia fotovoltaica, o que já acontece com as equipes que participam do DSB.

Por fim, dada a distribuição de tais instituições no estado, seria possível ainda direcionar esforços para que este tipo de embarcação fosse amplamente difundida também nas bacias dos rios São Francisco, de Contas e Paraguaçu por exemplo.

Seria uma excelente oportunidade para o estado da Bahia adotar modelos tecnológicos para o seu desenvolvimento que possam aproveitar a sua condição geográfica privilegiada e intelligentsia para reduzir impactos ambientais, melhorar a sua estrutura de transporte e se projetar de forma estratégica no cenário nacional e internacional da inovação tecnológica.

*Antônio Arapiraca é físico e professor do CEFET/MG com graduação e mestrado em Física pela UFBA e doutorado em Física pela UFMG. Entre os anos de 2009 e 2010 foi coordenador da equipe de barcos movidos a energia solar do IFF/RJ campeã do DSB em 2010.

[1] Três novas linhas náuticas começam a operar em dois meses. In A Tarde,  A4, Salvador, 26/03/2014.

[2] da Rocha, G. O. et. al., Contaminação na Baía de Todos os Santos. Rev. Virtual Quim., 2012, 4(5), 583-610.

[3] Análise da Inserção da Geração Solar na Matriz Elétrica Brasileira. Nota Técnica, Empresa de Pesquisas Energéticas, Rio de Janeiro, Maio de 2012.

[4] Desafio solar Brasil. URL:http://desafiosolar.wordpress.com/

[5] Barco Solar Amazônia. URL:http://www.fotovoltaica.ufsc.br/projetos/detalhe/barco-solar-amazonia

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *