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Atualizado em 2 DE abril DE 2020 ás 20:01

Esperando a ciência chegar lá…

Trancados em casa até um milagre chegar, ou seria melhor dizer: até a ciência descobrir um milagre. Será que dessa vez vamos reconhecer o valor de investir em pesquisa científica?

POR JOANA BRANDÃO*
joanabrandao@hotmail.com

Nunca se rezou tanto pela ciência. Confessemos, ateus, agnósticos e religiosos, todos temos uma coisa em comum no momento: todos esperamos que ciência bata em nossas portas e nos diga: “Podes sair, estás livre”. Trancafiados, olhando o dinheiro, a comida, a gasolina, a disciplina – afinal não somos chineses – esgotarem-se, esperamos que seja anunciada a descoberta de um tratamento eficaz para a COVID-19. O coronavírus conseguiu a proeza de se tornar mais conhecido que os Beatles, e por conseguinte que Jesus, e mais temido que o aquecimento global. Conseguiu também deixar os canais de Veneza e o céu da China azuis.

Imagem: Giovanna Hemerly

Diante de microorganismo tão eminente, cada um, à sua maneira, faz um bom agouro para o dia de amanhã, para que médicos e cientistas encontrem logo a resposta que irá fazer o mundo voltar ao normal, nem que este normal signifique o céu da China poluído novamente e Veneza com menos tons de azul. O que não dá mesmo é seguir vivendo como se ir ao supermercado fosse uma operação de guerra.

Mas, e os cientistas? Bem, na verdade, nesta pandemia a ciência já bateu em nossa porta inúmeras vezes. Comecemos pela estatística.

Por meio de estudos estatísticos e epidemiológicos, um grupo de cientistas do Imperial College London convenceu Boris Johnson, o primeiro-ministro inglês, de que a estratégia de “não fazer nada” iria salvar a economia apenas por alguns dias. Depois disso, uma tragédia na proporção de aproximadamente 500 mil mortos assolaria o Reino Unido, e não teria economia que se segurasse em pé quando 80% do país tivesse sido acometido pelo ilustre penetra que não precisa nem de visto nem de passaporte, só de uma porção de ar. Johson mudou de estratégia, não a tempo de impedir que ele mesmo e o príncipe Charles se contaminassem pelo vírus.

As estatísticas orientam diariamente ações de saúde pública sobre as demandas de leitos hospitalares e de UTI, medicamentos e equipamentos. Na matemática que nos ensinaram na escola havia uma tal de função exponencial, que agora, aplicada à saúde pública, mostra como o vírus funciona. O número de infectados cresce exponencialmente, ou seja, na prática, dobra a cada dois dias e meio, segundo pesquisa das Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Federal do ABC (UFABC). As previsões com base nas estatísticas têm levado, entre outras coisas, à reserva de estádios de futebol para leitos hospitalares e hotéis de luxo para isolar pessoas contaminadas. Tudo a espera do abril sombrio.

Um mês após o primeiro caso diagnosticado do novo coronavírus, cientistas chineses fizeram o mapeamento genético do vírus, abrindo o caminho para se criar uma vacina, cujo teste em humanos foi aprovado em 17 de março, e também foi iniciado na mesma semana nos Estados Unidos. Entretanto, mesmo que em tempo recorde, estima-se que a vacina não atravesse todos os testes antes de 2021.

No Brasil, cientistas do Instituto Adolfo Lutz, USP, e Universidade de Oxford fizeram o mapeamento genético do vírus em 48 horas, contra uma média de duas semanas dos outros países. O Laboratório Nacional de Computação Científica junto com pesquisadores da UFRJ e UFMG identificaram em dois dias mutação genética do coronavírus nos diferentes estados do país, traçando um caminho para reconhecer as adaptações do vírus em regiões tropicais.

Em termos de tratamento, o composto hidroxicloroquina foi aprovado pela Food and Drug Administration, dos Estados Unidos, para uso de emergência. A decisão foi embasada primeiramente por um polêmico estudo francês, muito criticado pela comunidade científica, que concluiu que o uso da hidroxicloroquina, associado ao antibiótico azitromicina, reduziu a infecção pulmonar e taxa viral em seis dias de tratamento. Segundo o microbiologista Didier Raoult, pioneiro do uso do remédio na França e um dos autores do estudo, a aplicação tem melhor efeito se for feita em casos de gravidade moderada ou no início do agravamento do quadro, quando seria possível controlar a multiplicação do vírus.

Organismos médicos dos Estados unidos estão desenvolvendo pesquisas sobre o remédio, assim como a China, com amostras maiores e randomizadas, uma vez as uma das principais críticas ao primeiro estudo foi a amostra pequena, de 36 pacientes, e não aleatória, o que pode causar viés de confirmação. Já o antiviral cubano Interferon alfa 2B (IFNrec), utilizado para outros vírus como o HIV, papiloma humano (HPV) e de Hepatite B e C e tratamento de câncer, foi utilizado como um dos medicamentos selecionados pela Comissão Nacional de Saúde da China para o tratamento da COVID-19 no país e é apontado como responsável pela cura de 1500 pacientes. Para nenhum dos casos há pesquisa extensiva realizada, mas são indícios de alguns caminhos para redução do agravamento da doença.

Enquanto não se gera um protocolo definitivo para tratamento da doença que necessita de testes em larga escala, cientistas do renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) produziram protótipos de ventiladores pulmonares mecânicos de fabricação mais fácil e econômica do que os atuais disponíveis em hospitais. O produto, denominado E-vent, custaria US$ 100 (cerca de R$ 510), em contraposição ao valor médio de US$ 25 mil a US$ 50 mil dos aparelhos tradicionais utilizados em hospitais. No Brasil, UFRJ e USP também avançaram na produção de um protótipo de ventilador pulmonar, com previsão de disponibilidade para uso em três semanas, a um custo de R$ 1.000 a unidade.

Na Bahia, a Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Santa Cruz, junto com a start-up Geodatin, criaram uma plataforma de monitoramento do surto no estado, com projeção de cenários variados, para a população entender o avanço da doença real e em caso de isolamento restritivo ou circulação livre de pessoas. Estes são alguns dos avanços das ciência médica, de engenharia e informática na maratona que se estabeleceu nos últimos três meses ao redor do mundo contra o coronavírus.

A plataforma "Portal Bahia COVID-19", iniciativa da UESC e da UFBA, com apoio da start-up Geodatin, permite acompanhar os dados registrados da doença em cada município, além de simular a propagação do novo coronavírus por todo o estado. / Imagem: reprodução

Já as ciências humanas, essas nos mostram através da história que não é a primeira vez que a humanidade enfrenta uma doença capaz de dizimar porcentagem significativa de seu corpus. E que confiar na capacidade do sistema imunológico humano, como propôs inicialmente Boris Johnson, é uma estratégia que pode até ser eficaz a longo prazo, mas um tanto custosa em termos de vidas. Para citar duas epidemias bem mortais a nível global, a peste bubônica ceifou cerca de 75 a 200 milhões de vidas na Eurásia no século XIV e a gripe espanhola foi levada de norte a sul por soldados da primeira guerra, no início do século XX, matando cerca de 50 milhões de pessoas no mundo.

No Brasil, os corpos eram empilhados nas ruas, e homens fortes eram obrigados a abrir valas coletivas para enterrá-los, pois já não se tinha mais coveiros vivos. O país que nos primeiros anos de colonização era louvado pelos viajantes europeus devido aos ares frescos e limpos, foi ao longo dos últimos 500 anos abalado por epidemias como a de febre amarela, sarampo, varíola, cólera, meningite e peste bubônica que dizimaram juntas milhões de pessoas, entre elas populações indígenas inteiras.

As ciências sociais e políticas apontam possibilidades de tecnologia sociais para apoiar as camadas sociais mais vulneráveis em tempos de crise, e a ciência econômica para formas de distribuir renda e reduzir danos às empresas, mesmo diante de um cenário de isolamento de no mínimo dois meses. Obviamente que a implementação de todo esse conhecimento depende de boa vontade política e aqui já são outros quinhentos. A pergunta que fica é: estaremos cientificamente mais ou menos preparados para uma próxima pandemia? Será que dessa vez vamos reconhecer o valor de investir em pesquisa científica? Espero que a resposta seja sim.

Percebemos hoje que o investimento na ciência é necessário não apenas para evitar a “fuga de cérebros”, quando pesquisadores renomados preferem desenvolver suas pesquisas no exterior, onde conseguem financiamento. O investimento previne a fuga de vidas. E essas não têm regresso e custam caro também para a economia. Mesmo em uma perspectiva que coloca o capital em primeiro lugar, vidas são mão de obra. E o isolamento está deixando bem evidente que sem trabalhadores não se produz capital.

*Joana Brandão é jornalista, cineasta e educadora. Sempre sonhou em vivenciar um momento histórico importante para humanidade. Só não pensou que seria agora e trancada na própria casa. Escreve a coluna “Cronicas do fim do mundo” para a Ciência e Cultura sobre implicações sociais e culturais da pandemia global pelo Covid-19.

Um comentário a Esperando a ciência chegar lá…

  1. Wbirajara disse:

    Parabéns jornalista Joana Brandão. Excelente texto.

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