O evento anual mobilizou uma multidão de pessoas de todas as idades para celebrar a cultura japonesa e brasileira.
Por: Eric Tavares e Uelton Fael Souza
O Festival de Cultura Japonesa de Salvador, conhecido popularmente como Bon Odori, movimentou o final de semana da capital baiana nos últimos dias 5, 6 e 7 de setembro. O evento, sediado no Parque de Exposições de Salvador, contou com a participação de milhares de pessoas, que puderam se fantasiar do seu personagem favorito – os cosplays -, mostrar suas habilidades em jogos de console, como Mario Kart e EA FC (antigo FIFA), experimentar a culinária japonesa, participar de oficinas e workshops e aproveitar uma gama de shows e apresentações culturais. A Bon Odori, realizada anualmente, comemora as relações amigáveis entre Brasil e Japão e é um momento de diversão para todos aqueles que gostam do universo dos animes e da cultura pop. Além disso, comemora a chegada da primavera, com danças e festas típicas do evento.
O evento ocupou todo o espaço do Parque de Exposições, com atrações culturais em seus três palcos (Haru, Mirai e Natsu), que iam desde artes marciais, como Sumô, até grupos de dança japonesa; um espaço para o comércio de artes e outros itens, o Espaço Cultura POP; e outra praça alimentação com opções da culinária japonesa, o Espaço Culinário. Também houveram participações especiais de convidados, como os dubladores Guilherme Briggs e Feh Dubs, o sanfoneiro Denilson Félix, entre outros.
Reprodução: João Ataíde
Como um ponto vermelho em cima do morro que leva ao campo do Parque de Exposições e se destacando entre o verde do mato e das árvores, Adriano, de cosplay muito detalhado do personagem Alucard, do anime Hellsing, nos conta que frequenta a Bon Odori desde 2018 e explica a escolha do personagem: “Principalmente porque eu gosto muito do anime, mas a outra questão foi que nos outros Bon Odori’s nunca tinha visto um cosplay do Alucard. Então uni o útil ao agradável”.
Sua roupa foi feita por profissionais da empresa Cosguys, com muitos detalhes idênticos ao personagem. “Foi bem complicado, não exatamente para mim, mas os cosmakers que fizeram isso. [...] [Eles] demoraram um tempo porque foi muito trabalhoso, muito detalhe envolvido e muito carinho também. Eles são muito bons no que fazem.” Seu cosplay se destaca não somente pela beleza, mas por apresentar o vasto mundo dos cosplayers e da variedade de animes e mangás.
O Festival de Cultura Japonesa surgiu com o objetivo de celebrar a integração entre a cultura japonesa e brasileira. No século XX, uma grande massa de imigrantes japoneses chegaram ao Brasil, trazendo com eles sua cultura, que se adaptou à nova casa. Em cidades como São Paulo, bairros como a Liberdade foram formados e moldados em torno dos nipônicos. No entanto, a migração não se manteve somente nos grandes centros do país, com Salvador também recebendo parte dessa migração.
No final dos anos 90 e início dos anos 2000, a influência da cultura japonesa nos brasileiros expandiu-se também para as produções importadas do Japão. Animes e mangás – histórias animadas e desenhadas equivalentes a desenhos e quadrinhos no Ocidente – fizeram parte da geração dos nossos pais até os dias de hoje. Muitos adultos ainda se lembram da época que assistiam Dragon Ball, Naruto ou Cavaleiros do Zodíaco na TV aberta, em canais de streaming ou piratas. Essas produções se popularizaram na camada mais jovem e fazem parte da vida de muitos brasileiros. Muitos ainda se lembram de como eventos envolvendo anime e a cultura otaku eram pequenos e com um ar mais íntimo, se resultando em conversas em pequenos grupos e maratonas de animes que estavam em alta na época, com a chegada de grandes eventos, como o Bon Odori, cria um vínculo maior entre os fãs com os produtos que tanto amam.
O público da Bon Odori, mesmo assim, não se limita somente aos animes e mangás, tornando o festival num verdadeiro centro da cultura pop, com pessoas fazendo cosplays de personagens de jogos, séries, desenhos e outras mídias. A variedade é muito aparente no evento, abrangendo todas as idades e públicos que gostam desse nicho.
Blanca, de cosplay de Enderman, do jogo Minecraft, contou um pouco sobre a preparação para a Bon Odori: “[Demorou] uns 5 dias. Para tudo, nesse caso. Até roupa. Eu tive que procurar porque eu não queria algo que me sexualizasse, sabe? E aí eu preferi algo mais coberto, já que o Enderman nem tem roupa, para falar a verdade, aí eu falei assim: ‘Não, vou ir toda coberta de preto e é isso’”. Cercada por crianças que não paravam de pedir para tirar fotos, para ela é gratificante ver o reconhecimento das pessoas com o seu trabalho e esforço entregues no cosplay. “É minha primeira vez e eu já tirei foto com umas 15 pessoas diferentes. Criança, adulto, adolescente. Foi bastante cansativo, mas é muito legal ver que o pessoal reconhece o cosplay e tem interesse em gravar o momento do evento comigo, né?”.
Além do público, pessoas que trabalham pela Anisa (Associação Cultural Nippo-Brasileira de Salvador), associação que ajuda na produção do evento, veem o Bon Odori um evento cultural muito importante. Alice Kimie, líder do grupo de dança do Anisa, Hanabi, esteve presente nos 3 dias de evento e vê muito bem essa importância: “Além de ser uma cidade marcada pela diversidade cultural e pela mistura de povos, a Bahia é o terceiro estado com maior presença de nipo-brasileiros no país. Viver momentos em que a cultura japonesa é celebrada aqui é uma emoção única para nós, descendentes. É valorizar, cultivar e manter viva uma história. Saber que um povo tão receptivo, alegre e gentil acolhe com tanto carinho as tradições de um país do outro lado do mundo é, sem dúvida, uma experiência profundamente gratificante”.
A dançarina também percebe a grande adesão para o evento e o aumento do público a cada ano, e junto disso, mais espaços e mais acessibilidade é criada para quem vai ao Parque de Exposições: “Em 2025, tivemos novidades importantes, como o espaço Yume, voltado especialmente para as crianças, além de melhorias no setor de acessibilidade. O objetivo é tornar o festival cada vez mais inclusivo, garantindo que todos possam se divertir e viver essa experiência única”. Para ela, o Bon Odori é mais do que uma comemoração: “Para mim, é falar de família, de tradição e de cultura. É um momento de conexão profunda com meus antepassados e, ao mesmo tempo, de celebração da vida. [...] É o instante em que visto meu yukata, danço no palco, tiro fotos e me permito ser genuinamente feliz. Mas, acima de tudo, é um lembrete da importância de manter viva a cultura e o verdadeiro sentido do Bon Odori: honrar os antepassados, agradecer pelas boas colheitas e guiar os espíritos para o paraíso, preservando suas memórias nas novas gerações”.
Diversos artistas de todos os lugares do Brasil divulgaram suas artes no festival. Jonas Jatahy comentou sua primeira experiência no festival e na cidade de Salvador: “É uma cidade maravilhosa, apesar das pessoas falarem mal às vezes, mas é uma cidade muito linda, cheia de cultura, sabe? [...] Sou de Manaus, Amazonas, e está sendo maravilhoso estar aqui.”. Suas obras são feitas 100% em aquarela e inspiradas em artistas da cultura pop, como a cantora Beyoncé. “Comecei em 2020. Como eu não tinha dinheiro para comprar um tablet ou alguma coisa para fazer digitalmente, então comecei tudo no papel mesmo e aqui estou mais avançado do que nunca”, explica.
A Bon Odori, acima de tudo, não é somente um evento para celebrar a cultura japonesa, mas sim um espaço para celebrar toda forma de arte e cultura pop. O Festival de Cultura Japonesa é um universo que é criado todo ano na cidade de Salvador, relembrando a todos o seu amor pela cultura e as mídias que orbitam as suas vidas.