Espaços culturais que desapareceram da paisagem soteropolitana ao longo dos últimos anos e algumas de suas memórias
Mayana Malaquias
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mudam-se as formas de se entreter e se divertir na cidade. Salvador sempre ferveu de cultura e agitação, mas alguns lugares que fizeram parte da alma da cidade na década de 90/2000, desapareceram com o tempo, seja pela modernização da cidade, seja pela mudança nos hábitos e nas necessidades de seus habitantes. O desaparecimento de ícones como o Tamina Park, o Café Calypso e o Clube Português da Bahia representa mais do que o fechamento de portas: simboliza o fim de capítulos importantes da história afetiva da cidade.
Relembrar, e muitas vezes até conhecer, como eram os pontos de encontro da capital baiana pode ajudar a preservar toda uma construção de identidade do soteropolitano. Ao revisitar esses espaços que não existem mais, esta reportagem resgata os fragmentos de uma Salvador que pulsa na memória e na identidade de seus moradores, uma cidade que, mesmo em constante transformação, carrega consigo o espírito daqueles lugares.
“A gente chamava de Café Colapso porque era só uma saída e bem apertada, a gente brincava ‘se esse negócio pegar fogo, morre todo mundo’”, conta o publicitário Neri Molinero, que além de frequentar o Café Calypso também chegou a se apresentar lá, “Já toquei lá também e tudo falhava, era um desastre, mas era muito legal, era bem underground”, comenta brincando e relembrando as histórias.
O Calypso era bar, casa de shows e ponto de encontro para os amantes do rock, punk e indie de Salvador. Localizado no Rio Vermelho, era conhecido por trazer bandas alternativas para a capital baiana e promover festas temáticas que marcaram a época. O local fechou as portas em 2006, mas deixou seu legado. Uma das bandas famosas na época que tocava lá era a King Cobra.
O cheiro de protetor solar, as boias coloridas nos braços e a música da Xuxa ao fundo, esse era o espírito do Tamina Park, um parque de diversões e aquáticos que marcou a infância de muita gente nos anos 90 e início dos anos 2000. Foi inaugurado em 1992 e ficava entre Salvador e Simões Filho. Na época, o empresário Jorge Carvalho adquiriu um parque de diversões de São Paulo e resolveu reformar e instalar aqui na Bahia, mas um boato de que uma cobra teria mordido – e até engolido – uma criança, assustou os frequentadores e deu início ao fim do parque, em 2005.
O Aeroclube foi um centro comercial inaugurado em outubro de 1999. Ficava na Av. Otávio Mangabeira, entre Boca do Rio e Jardim Armação. Foi o primeiro shopping a céu aberto de Salvador, e ainda oferecia a experiência de fazer compras com a paisagem litorânea. Após certo declínio e disputas comerciais, o local foi demolido em 2014 pela prefeitura e agora é onde fica o Parque dos Ventos, inaugurado em 2020.
“O Aeroclube era um espaço em frente à praia, cheio de lojas, cinemas e parque para crianças”, relembra Eliane Meneses, soteropolitana aposentada que frequentou o espaço na época. Ela conta que levava os filhos para passear no Aeroclube, “meus filhos eram pequenos e adoravam ir lá, era um espaço bem agradável, porque era na frente do mar”, comenta.
O espaço era uma verdadeira salada de frutas, tinha restaurantes, cafés, lojas, farmácias, o cinema UCI Aeroclube, a casa noturna Rock in Rio Café, o restaurante temático Café Cancun, boliche, mini kart, mini golfe etc. Além de ter sido um tradicional ponto de vendas de abadá para o carnaval de Salvador.
“O Aeroclube foi perfeito, eu levava meu filho, e lá eles tinham um espaço muito legal para crianças, com vários brinquedos. Passávamos a tarde e depois merendávamos. Também tinha a noite agitada, o pessoal ia para uma boate que tinha lá”, compartilha Socorro Abreu, farmacêutica aposentada, que nasceu em Alagoinhas, mas veio jovem para Salvador e sempre frequentou a vida cultural da cidade.
Outro espaço emblemático do rock em Salvador foi o Groove Bar. Inaugurado em 2009, o local oferecia uma programação diversificada e alternativa com shows de bandas covers e autorais, festas temáticas e eventos especiais. A decoração interna do bar era inspirada em ícones do rock. O local teve que fechar as portas em 2020 por conta da pandemia, como vários outros estabelecimentos na época.
A casa de shows Rock in Rio Café funcionou de 1998 a 2007 no Aeroclube Plaza Show. O local tinha capacidade para abrigar até 3 mil pessoas e tinha uma programação diversificada, com shows nacionais e até internacionais, além de festas temáticas e eventos corporativos. Em 2001, o Rock in Rio Café Salvador foi eleito pela segunda vez consecutiva “o melhor lugar para dançar de Salvador”, pelo guia Veja Bahia. Em 2007, o estabelecimento foi demolido devido a litígios judiciais. Essa perda foi muito sentida pela cidade de Salvador, que ficou sem um espaço de médio porte para shows e eventos.
O Clube Português foi palco de importantes acontecimentos sociais e culturais de Salvador, como festas, bailes de carnaval e o tradicional Baile de Iemanjá, muito frequentados pelos soteropolitanos. Socorro conta que costumava ir ao Clube na época do carnaval, “durante o carnaval era quando acontecia o Baile Preto e Branco. Tinha várias festas com bandas muito boas, era bem divertido”, relembra.
Inaugurado em 1963, o Clube foi construído com uma arquitetura modernista e em localização privilegiada na praia da Pituba. Sua estrutura contava com salão de festas, restaurante panorâmico, piscina e campo de futebol, sendo um local de encontro para a comunidade portuguesa e outros grupos da sociedade baiana.
Neri Molinero conta que não era sócio, mas também frequentava o Clube Português com amigos. ele contou que, “uma vez a gente tirou um coco do coqueiro e fomos levados para gerência e nos convidaram a sair do clube porque pegamos um coco, imagina!”, lembra o publicitário se divertindo com a história.
O clube enfrentou dificuldades financeiras e fechou em 2001. Em 2007, a prefeitura de Salvador demoliu o Clube e no lugar foi construída uma praça pública com equipamentos de lazer.