A Agência de Notícia em CT&I (AGN) procura entender como é a relação do uso de IA nas universidades públicas na visão dos alunos e dos professores
Por: Anderson Gomes, Heloísa Helena, Larissa Lima, Mayana Malaquias e Uelton Fael
cienciaecultura.ufba@gmail.com
Revisado pela equipe AGN
A inteligência artificial (IA) é uma das maiores inovações tecnológicas da atualidade, transformando setores como saúde, negócios e educação. A IA se refere a sistemas computacionais capazes de realizar tarefas que antes dependiam exclusivamente da inteligência humana, como aprender, raciocinar e tomar decisões. Baseada no uso massivo de dados, a IA identifica padrões e informações coletadas, permitindo que soluções como assistentes virtuais, plataformas de aprendizado adaptativo e ferramentas de correção automática se tornem cada vez mais precisas e personalizadas.
Hoje ela faz parte do dia a dia de muitas pessoas, em destaque a vida dos estudantes. Na educação, a lA tem revolucionado a forma como alunos aprendem e interagem com o conteúdo, podendo criar experiências personalizadas que se ajustam ao ritmo de aprendizado de cada um.
Como os estudantes veem
De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) em parceria com a empresa de levantamentos educacionais Educa Insights, 71% dos atuais e futuros estudantes universitários fazem uso da inteligência artificial na sua rotina diária de estudos. Dados como esse comprovam que a inteligência artificial se instalou na vida dos estudantes tornando-se parte do seu dia a dia.
Em comparação a 2023, a mesma pesquisa aponta que houve um crescimento de 18% na quantidade de atuais e futuros universitários que utilizam alguma ferramenta de IA. A pesquisa realizada em julho de 2024, entrevistou 300 estudantes universitários que ingressaram na faculdade entre o final de 2023 e início de 2024 e com estudantes que têm interesse em uma graduação particular, com idades entre 17 e 50 anos, das cinco regiões do país.
O avanço da inteligência artificial proporcionou sérias mudanças na forma de estudar, transformando os meios tradicionais. A Agência de Notícias fez uma pesquisa com estudantes e professores de três universidades públicas da Bahia, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade do Estado da Bahia (UNEB) por meio de formulários, para entender melhor como está o uso de IA no ambiente acadêmico. Das 59 respostas de estudantes obtidas, a maioria (64,4%) afirma que usa IA para realizar pesquisas, enquanto 55,9% para sugestão de ideias e 54,2% para correção de textos, sendo o ChatGPT a ferramenta mais utilizada.
Quando questionados sobre quais benefícios acreditavam que a inteligência artificial pode trazer para o aprendizado, muitos afirmaram que na otimização do tempo, em pesquisas acadêmicas e na compreensão de conteúdos passados em sala de aula. Um dos estudantes argumentou que, “É uma ferramenta muito útil para complementar o ensino e tirar dúvidas, além de ser uma forma mais rápida de pesquisa. A única questão em relação à pesquisa é a falta de fontes”, afirma. Apenas 16,9% responderam que evitam usar, enquanto a maior parte (55,9%) não vê problema.
O Outro Lado da Moeda: a visão dos professores
O uso da inteligência artificial tem gerado preocupações entre os professores, especialmente, em relação ao impacto na aprendizagem e no desenvolvimento dos alunos. Um dos principais receios é o aumento do plágio e da dependência de ferramentas que produzem trabalhos prontos, dificultando a avaliação do aprendizado real. A facilidade de acesso a respostas instantâneas pode limitar o desenvolvimento do pensamento crítico e da criatividade, Rafaela Amaral, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Letramentos Digitais (GEPELD) comentou sua preocupação, “fico me perguntando como um adolescente que está desenvolvendo seu senso crítico vai lidar com essa inteligência artificial, que é algo complicado até para nós que somos adultos”, aponta.
Flávia Goulart, pesquisadora e professora do programa para pós-graduação em estudos interdisciplinares sobre a universidade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), confirmou a preocupação ética no uso de IA para realizar trabalhos. Contudo, acredita que o problema pode ser superado com debates e a divulgação de boas práticas, “É uma oportunidade excelente para trabalhar com a ética, mostrar que todos têm suas capacidades, que ninguém precisa recorrer para a escrita de uma máquina, porque todo mundo tem competência e capacidade para isso”.
A IA também pode apresentar oportunidades importantes, como auxiliar no planejamento de aulas, na correção de tarefas e na identificação de dificuldades específicas dos estudantes, permitindo um ensino mais direcionado. Professores que utilizam essas ferramentas de forma estratégica têm o potencial de otimizar o tempo e enriquecer o processo de aprendizagem. Entretanto, seguindo a pesquisa feita pela Agência de Notícias, apenas 15,4% dos professores utilizam essa ferramenta frequentemente.
Flávio Bergamo, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), comenta que a IA é utilizada por ele e por colegas de profissão para auxiliar a produtividade. Ele afirma que não considera o uso dessa ferramenta algo ruim para a educação, “ela me ajuda como professor e como pesquisador, pode ajudar qualquer profissional ou aluno, há plataformas que aumentam muito nossa produtividade”.
Bergamo relatou situações em que alunos plagiaram textos com a inteligência artificial. Para identificar com clareza esses casos, ele pagou do próprio bolso uma plataforma de detecção e passou a verificar todos os trabalhos dos estudantes, encontrando alguns com até 90% de plágio. Ele comenta que o professor percebe, “A gente sabe diferenciar o texto que foi escrito por um aluno de graduação e o texto que foi escrito pela IA”, afirma. O impacto dessa ferramenta na educação depende de como ela é utilizada, por isso muitos professores defendem a promoção de cursos capacitantes para alunos e professores.
Colocando na balança
As vantagens
De modo geral, é possível perceber que a Inteligência Artificial é eficiente ao fazer trabalhos mais simples e contribui na produtividade. Ronne Gabriel, estudante de jornalismo, ressalta que ela ajuda, por exemplo, a fazer resumos. “Como às vezes sou prolixo e o tempo importa em apresentações, me ajuda bastante a ser mais sintético na hora de treinar a fala”, afirma ele.
Ronne aponta que essa tecnologia também é muito boa para criação de textos genéricos como emails, ou busca de sinônimos para elaboração de textos. Porém, ele confessa sentir certo receio de usar de forma imprudente e acabar se sabotando. “Usar para escrever um texto meu é realmente como fechar os olhos para eu estar me sabotando.”, conclui
Resumo do lado bom
Acelera o tempo de trabalho, contribuindo para produtividade;
Constroi textos simples como e-mails ou textos genéricos;
Ajuda o usuário na escrita ou fornece recomendações.
As desvantagens
Ronne diz não usar a IA de forma excessiva, tentando sempre manter um equilíbrio, “Na área de Jornalismo, um estudante que usa IA para escrever um texto autoral não vai conseguir ir longe.”, declara. O uso da inteligência artificial pode trazer problemas de curto e longo prazo. Uma delas, é a dependência que muitos usuários têm após o uso sem consciência, Celestino Magalhães, membro do GEPELD, compartilhou sua preocupação, “A gente fica muito preocupado também com essa questão de apego que geralmente as pessoas têm com esse tipo de tecnologia, porque uma coisa é você usar como auxílio e outra é você ser dependente daquele instrumento”.
Rafaela Amaral, também participante do GEPELD, afirma que pela falta de letramento digital, muitos não conseguem diferenciar o que é feito artificialmente ou por uma pessoa real, “As pessoas estão cada vez divulgando mais, acreditando e sendo influenciadas sem nenhum tipo de reflexão crítica sobre aquilo que estão consumindo. Isso impacta muito nas nossas opiniões e na forma de ver o mundo”, reitera. Durante a conversa, Rafaela ressalta a necessidade de especificar os comandos para receber respostas mais precisas da inteligência artificial, evitando textos redundantes e genéricos.
Além disso, Kleysa Rodrigues, outra pesquisadora do grupo, aponta a confusão de informações da IA. A Inteligência só tem acesso a informações abertas e as que não estão com o certificado de direito autoral, por isso, a tecnologia pode alucinar e criar informações para poder entregar o que lhe foi solicitado, “De certa forma, ele alucina e cria informações. Para o professor que conhece aquele artigo, vai receber um fichamento, por exemplo, um resumo, e vai ver de cara que a pessoa não leu porque aquele trabalho vai conter informações que são verificáveis na fonte original como falsas”, explicou a pesquisadora.
Resumo do lado ruim
Facilita o plágio e a falta de originalidade, podendo gerar dependência dessa tecnologia;
Necessita de uma revisão humana, pois nem todos os dados conseguem ser totalmente verdadeiros;
Pode levar as pessoas a acreditarem em informações falsas, devido a dificuldade de uso de quem não tem experiência no meio digital;
Perspectivas futuras no Brasil
Quando falamos sobre o uso de inteligência artificial na educação não existem muitos consensos, o tema ainda causa desconfiança e conflitos. Entretanto, dentre os especialistas que conversamos, o ponto em comum é que não se pode ignorar e fingir que nada está acontecendo, as tecnologias com IA são a nova realidade e enquanto não forem tratadas como uma ferramenta de educação, vão continuar sendo usadas de formas irresponsáveis e prejudiciais pelos estudantes, que já estão usando sem nenhuma orientação.
A discussão não é mais sobre aceitar ou não o uso dessas tecnologias, e sim, definir limites éticos. Atualmente, os maiores empecilhos para um melhor desenvolvimento do uso de IA na educação no Brasil são a falta de infraestrutura e conectividade das instituições, além da falta de formação técnica dos professores voltada para a área de tecnologia e as desigualdades sociais estruturais do país.
A pesquisadora Flávia Rosa relembra o preparo que foi necessário na época da pandemia do Covid-19, comparando a adaptação para o uso da IA em sala de aula, afirmando que foi necessário investimento em treinamento por parte da UFBA, “Isso é uma demonstração de que a gente pode dominar [a ferramenta], desde que também nos seja oferecido e seja mostrado como algo importante. Naquele momento, tudo isso foi apresentado pra gente como sendo assim. Este é o único caminho. Ou é este, ou é nenhum”, assegura.
Em 2021, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) aprovou um documento intitulado “Recomendação sobre a Ética da Inteligência Artificial”, com o objetivo de montar uma base sólida com orientações sobre o uso das inteligências artificiais. No campo da educação, a recomendação mais forte é sobre a alfabetização em Inteligência Artificial, isso inclui uma educação ética em IA destacando aspectos humanísticos nos currículos para diminuir a desigualdade digital.
Além disso, existe uma preocupação especial com relação às pesquisas. A UNESCO incentiva a pesquisa interdisciplinar em IA, estimulando que as empresas privadas disponibilizem os dados coletados para pesquisas científicas, sempre respeitando a privacidade dos usuários, principalmente dos países em desenvolvimento, que costumam ser alvo de vazamento de dados.
O governo brasileiro assinou, em 29 de julho do ano passado, o primeiro Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), lançado durante a abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O plano busca desenvolver projetos e soluções em IA que melhorem de forma significativa a qualidade de vida da população. Com um investimento de R$23 bilhões de reais nos quatro anos de desenvolvimento do projeto (2024-2028), se pretende a transformação do país em referência mundial em inovação e eficiência do uso da inteligência artificial.
O processo de regulamentação do uso da Inteligência Artificial tem avançado também no país, o Projeto de Lei (PL) 2.338/2023 foi aprovado em dezembro de 2024 no Senado e segue para a análise na Câmara dos Deputados. O PL se apresenta como um marco regulatório para o desenvolvimento e o uso de sistemas de IA no Brasil. O texto prevê que deve ser informado pelas empresas de tecnologia quais conteúdos protegidos por direitos autorais foram usados já no treinamento de sistemas.
O texto define que a utilização automatizada de obras como extração, reprodução, armazenamento e transformação nos processos de mineração de dados e textos em sistemas de IA não constituem ofensa aos direitos autorais, apenas nas atividades feitas por organizações e instituições de pesquisa, de jornalismo e por museus, arquivos e bibliotecas desde que a disseminação da obra em si não seja o objetivo e não haja fins comerciais ou concorrência com a comercialização da obra original.
IA para o Bem de Todos, arquivo do Gov.com 29 de Julho de 2024 descreve os objetivos como:
1. Transformar a vida dos brasileiros por meio de inovações sustentáveis e inclusivas baseadas em Inteligência Artificial.
2. Formar, capacitar e requalificar pessoas em IA em grande escala para valorizar o trabalhador e suprir a alta demanda por profissionais qualificados.
3. Equipar o Brasil de infraestrutura tecnológica avançada com alta capacidade de processamento, incluindo um dos cinco supercomputadores mais potentes do mundo, alimentada por energias renováveis.
4. Desenvolver modelos avançados de linguagem em português, com dados nacionais que abarcam nossa diversidade cultural, social e linguística, para fortalecer a soberania em IA.
5. Promover o protagonismo global do Brasil em IA por meio do desenvolvimento tecnológico nacional e ações estratégicas de colaboração internacional.
Entre os objetivos visados pelo PBIA está a transformação na vida dos brasileiros por meio de inovações sustentáveis e inclusivas baseadas em IA, o plano é direcionado especialmente ao setor público, no entanto, o projeto destaca várias vertentes do seu uso como a iniciativa “ApoIA Startups – Educação iniciativa” da OpenAI e da Fundação Lemann de apoio a startups de educação no Brasil, com incentivo para criação de soluções educacionais de IA.
Já o projeto “Combate à Desinformação”, também da OpenAI, em parceria com a UFBA e a FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro) focado no combate à desinformação online no Brasil com auxílio de IA, também é um exemplo do envolvimento da universidade com a pesquisa e utilização da inteligência artificial.
O avanço da inteligência artificial na educação é um caminho inevitável que traz tanto desafios quanto oportunidades. Embora ainda haja receios e barreiras, as iniciativas e parcerias mostram que é possível integrar essa tecnologia de forma ética e eficiente. Com investimentos adequados, regulamentação clara e educação sobre o uso responsável, a IA pode se tornar uma ferramenta transformadora, promovendo inovação, inclusão e melhoria na qualidade do ensino, enquanto contribui para colocar o Brasil em destaque no cenário global de inovação tecnológica.