Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 18 DE abril DE 2013 ás 18:20

Umbuzeiro: Rei da seca

Mesmo na seca, os umbuzeiros resistem. Segundo relata a jornalista Liliana Peixinho, eles são uma fonte de renda valiosa para as comunidades semiáridas, servem para o autoconsumo e contribuem na alimentação dos animais.

POR LILIANA PEIXINHO*
lilianapeixinho@gmail.com

“Não conheço  seca pra matar um pé de umbu”. Essa frase é de Sebastião de Oliveira Matos, 39 anos, pequeno agricultor. Ele mora na comunidade de Bebedouro, município de Monte Santo, Bahia, e conta porque, em plena seca, a gente observa uma árvore aqui e acolá. Trata-se do verdinho e solitário umbuzeiro, que encanta em um cenário de resistência e de vida. Seu fruto, o umbu, é considerado o mais popular e generoso do Sertão.

Umbuzeiro no meio do pasto seco. Foto: Liliana Peixinho.

Umbuzeiro no meio do pasto seco. Foto: Liliana Peixinho.

“Os umbuzeiros sempre resistem. Mesmo na seca eles dão. Esse ano foi pouco, mas deu. Quando chove pouco ou quase nada, diminui tudo, o tamanho a quantidade e a qualidade do umbu. Mas, sempre tem”, completa o pequeno agricultor de Bebedouro.

Cadeia produtiva do umbu

Umbuzada- Iguaria tradicional nordestina, a umbuzada é feita com o fruto do umbu. Verde, inchado ou maduro, ele é cozido e depois batido no liquidificador. Antes, porém, tira-se os caroços. Finalmente, misturado a polpa ao leite e ao açúcar.

Comida pros bichos -Eroncio Porciano, 52 anos, pai de dois filhos e agricultor de pequena propriedade pedala  da sua roça até a roça do pai com sua bicicleta e um balde na garupa, para catar umbus que caem quando amadurecem ou sob efeito de ventos. É tanto umbu que nem mesmo os outros moradores  dão conta de aproveitar tudo.

Heroncio acorda bem cedo para catar umbu e dá-lo como alimento aos animais. Foto: Liliana Peixinho.

Heroncio acorda bem cedo para catar umbu e dá-lo como alimento aos animais. Foto: Liliana Peixinho.

Vinho- Jaime dos Anjos, 50, dá a receita do vinho que sua mãe, Bebé, preparava com o umbu. “Coloca o umbu de molho, no álcool, deixa ele fermentar, depois separa a polpa do caroço, e côa para aproveitar só o suco. Com isso se faz o vinagre e o vinho, e a gente usa para temperar carne, e pra tomar, como vinho, que é muito bom, azedinho ( cítrico) e dura muito tempo.”, ensina.

Doce – O doce do umbu é muito apreciado e fácil de preparar. Cozinha-se o umbu, de preferência inchado, nem maduro e nem verde; separa-se os caroços, e a polpa é misturada com açúcar para cozinhar longas horas até chegar o ponto de engrossar. Depois de esfriar, serve-se pastoso ou em barras. Essas, são até embaladas e viajam Brasil afora pelas feiras de produtos nordestinos, além de serem encontradas em supermercados.

Catar umbu é um ritual de mãos cuidadosas. Foto: Liliana Peixinho.

Catar umbu é um ritual de mãos cuidadosas. Foto: Liliana Peixinho.

Vinagre -Geronildes, 52, irmã de Jaime, já morou em São Paulo e até diz que participou do programa “Se vira nos 30”, do Faustão. Recentemente foi candidata a vereadora na cidade de Senhor do Bonfim, onde voltou a residir, depois que saiu de Monte Santo, para tentar a sorte em cidades como Salvador e São Paulo.

Gê, como é cainhosamente tratada, lembra que o vinagre de umbu é uma tradição da família e seu pai, Paulino, já falecido, sempre produziu em pequenas quantidades, junto com a mulher, dona Bebé, que agora está de cama, em outra cidade, fazendo tratamento com hemodiálise.  Ela lamenta não poder ir mais à roça por causa das estradas, que são muito estragadas e não aguenta os saculejos do carro. Há tempos a família não faz mais o vinagre e agora usa o umbu para fazer umbuzada e até para comida dos animais.  O mais comum, no entanto é mesmo pegar a fruta e chupar, pois são docinhos ou azedinhos e faz muito bem para combater resfriados, gripes.  Alguns usam como suco, para substituir refrigerantes, muito consumidos na zona rural.

Fruta -A criançada adora ir pra sombras dos umbuzeiros catar umbu e ficar chupando e brincando. Elas fazem guizado (brincam de cozinhar) e cozinham de verdade. Fazem arroz, feijão, fritam ovos, que catam nos puleiros das galinhas, e assim se confraternizam, contam histórias umas para as outras, falam sobre o que fizeram os irmãozinhos mais novos, das novidades, das estrepolias, dos sonhos e brincadeiras com os cachorros.

Geladinhos- A zona rural já tem energia e a geladeira é uma aliada poderosa das donas de casas para a conservação e aproveitamento de alimentos, antes perdidos, como os umbus.  O geladinho é um suco dentro de um saquinho de plástico, comprado em mercadinhos, a 0,70 centavos o centro. Maria de Moraes é zeladora de um hotel e para complementar a renda faz geladinho de umbu e outras frutas típicas, para vender numa pequeno balcão feito pelo marido, Andre de Moraes, numa porta lateral, como extensão da entrada principal da casa.  Ela mora em Senhor do Bonfim e sempre vai à roça do tio, ha cinco quilômetros da cidade, catar baldes de umbu, que forram o chão do terreiro. Cada geladinho é vendido a 0,30 centavos e nesse calorzão e falta d’água o geladinho é uma alternativa de renda, de aproveitamento integral de alimentos, e de alimentação saudável, além de matar a sede, de forma bem baratinha.

Umbuzeiros servem como dormitórios para as aves. Foto: Liliana Peixinho.

Umbuzeiros servem como dormitórios para as aves. Foto: Liliana Peixinho.

Dormitórios de aves- Os umbuzeiros também são dormitórios para galinhas. Antes do sol se por as galinhas e pintinhos começam a andar, umas atrás das outras, para começar a subir nos galhos dos umbuzeiros para dormirem. Logo cedinho, antes do sol nascer, vão descendo, uma a uma, cocoricando, ao lado da voz potente do galo, para acordar o vaqueiro, o leiteiro, o lavrador, o cachorro e assim começar o dia, catando ciscos aqui e acolá em todo o terreiro.

Nas feiras de todas as cidades nordestinas, como essa ai em Sergipe, cestos e cestos de umbus colorem as barracas, em tamanhos, grandes, médios e pequenos, em cores verde e amarelo, mais ou menos doces e acidas.  O sabor depende muito do tanto de chuva, quanto mais chove mais o umbu fica docinho.

Na seca, no pasto devastado, só com capim seco, o umbuzeiro está lá, vistoso, verdinho, cheio de galhos, flores, frutos, dando vida à paisagem, fazendo sombra para o gado, os lavradores e vaqueiros comerem a bóia, matar a sede, descansar da labuta,  dando vida à paisagem árida, alimentando esperanças.

+SECA: SERTÃO ADENTRO

Na trilha da seca histórica

Fotorreportagem
Guerreiras em campo de trabalho
Água, desperdício, escassez
Degradação e sustentabilidade
Diário de estrada: Elos de dor e solidariedade
Diário de estrada: Seca, fome, fé e resistência
A seca, o povo e a labuta pela vida
Indústria da seca, poder político e pobreza
Caminhos do Jornalismo ativista

* Liliana Peixinho é jornalista, especialista em  Jornalismo Científico e Tecnológico, com atuação em Mídia, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ativista socioambiental, fundadora dos Movimentos Amigos do Meio Ambiente (AMA) e Rede de Articulação e Mobilização Ambiental (RAMA).

Um comentário a Umbuzeiro: Rei da seca

  1. Fausto Alves dos Santos disse:

    Sou natural de Malhada, Bahia, região do médio São Francisco, onde ainda há umbuzeiros em abundância, muito embora, interesses por mais espaços agrícolas,, (o umbuzeiro adulto ocupa em torno de duzentos metros quadrados!), levam fazendeiros à destruição de muitos…!
    Do umbuzeiro tudo se aproveita:
    Sombra
    Frutos
    Folhas
    Batatas
    Casca(um excelente antisséptico!)
    Falar tudo sobre o umbuzeiro, só escrevendo um livro!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *