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Atualizado em 13 DE dezembro DE 2018 ás 15:37

Uma adolescente no Afeganistão: “A Ganha-Pão”

A repórter Amanda Dultra encarou o desafio de resenhar filmes, contribuindo para o aumento do repertório de nossos leitores. E a primeira é sobre a animação The Breadwinner, que em português foi traduzido para A Ganha-Pão, filme dirigido por Nora Twomey e produção de Angelina Jolie e Mimi Polk Gitlin

POR AMANDA DULTRA*
amandadultra@hotmail.com

Como a rosa-do-deserto que desabrocha no Sahel africano, “A Ganha-Pão” (2017) pinta um pouco mais o cenário do Oriente Médio. Ambientado no Afeganistão, o longa-metragem de animação é assinado pela diretora irlandesa do aclamado “Secret of Kells” (“Uma Viagem ao Mundo das Fadas”, no Brasil), Nora Twomey. E, nessa trama, acompanha a jornada de sobrevivência de uma pré-adolescente num país dominado pelo Taliban.

Poster do filme

“A Ganha-Pão” é um filme canadiano-hiberno-luxemburguês baseado no livro homônimo da autora canadense Deborah Ellis, a qual baseou o contexto de Parvana em uma entrevista concedida por uma mãe afegã cuja filha vivia sob o bacha posh. Para a realização da sua obra, Ellis passou meses recolhendo depoimentos de mulheres em campos de refugiados sobretudo no Paquistão. Talvez por isso, as cenas presentes na película sejam dotadas de uma verossimilhança tão crua e honesta.

O filme, através de traços delicados e cores quentes, conta a história de Parvana, interpretada pela atriz Saara Chaudry, uma menina de 11 anos que mora no Afeganistão antes da invasão estadunidense, em 2001, e após a guerra contra a União Soviética, que durou de 1979 a 1989. Numa nação culturalmente rica, contudo arrasada em outros aspectos, a garota vive com sua família do jeito que pode.

Em um país onde as mulheres não possuem o direito individual de ir e vir, Parvana não tem liberdade, a menos que esteja acompanhada de um homem. Seu pai Nurullah, interpretado pelo ator Ali Badshah, é um ex-militar com deficiência, representa sua janela para o mundo, através da educação, pois ela não tem permissão de frequentar um ensino formal, e a desculpa para sair de casa (tendo em vista que ele precisa de ajuda para a locomoção). Quando Nurullah é levado preso pelo Taliban, é como se os poucos direitos que ainda restassem fossem eliminados. Algo teria de ser feito.

A narrativa se desenvolve no Afeganistão assolado pela guerra / Imagem reprodução

Bacha posh - Como a Joana d’Arc outrora vestiu-se de homem para comparecer ao exército, Parvana fantasia-se como o menino Aatish para poder prover para a sua família e buscar por seu pai. O que mais ela poderia fazer? Além de seu pai, sua família consiste de duas mulheres: sua mãe Fattema, interpretada pela atriz Laara Sadiq, e sua irmã mais velha Soraya, vivida pela atriz Shaista Latif, e seu irmão bebê Zaki, vivido por Lily Erlinghauser.

Como ela ainda não havia atingido a puberdade e adquirido os caracteres sexuais secundários, pensou em assumir esse papel masculino. Essa situação de mascarar seu gênero real e um fenômeno muito comum no Afeganistão. Conhecido como bacha posh (traduzido literalmente como “menina vestida como menino”), é um processo o qual garotas são criadas por suas famílias disfarçadas do sexo oposto a fim de gozar de liberdades negadas às mulheres. Não somente a protagonista se submete a esse método, a sua melhor amiga Shauzia, vivida pela atriz Soma Bhatia, também se camufla.

Na reportagem da National Geographic, publicada em março deste ano, fala sobre essa prática e, de acordo com a diretora da organização Mulheres pelas Mulheres, Afegãs Najia Nasim: “Essa tradição permite que a família evite o estigma social associado a não ter nenhum menino. [Meninas bacha posh] podem sair para fazer compras sozinhas, buscar suas irmãs na escola, arranjar um emprego, praticar esporte e ter qualquer papel masculino na sociedade”.

A animação aborda uma prática cultural chamada Bacha posh, na qual, diante dos estigmas de uma sociedade patriarcal do oriente médio, uma menina é escolhida para assumir uma identidade masculina / Imagem reprodução

No entanto, apesar de pintar um cenário cruel para mulheres no Afeganistão, “A Ganha-Pão” explora mais fundo do que um nível raso de compreensão das políticas religiosas implementadas no Oriente Médio. Não há somente agonia para Parvana, como também existe esperança de um novo dia e de rever seu pai. Temas como amizade, família, autonomia, feminilidade, e empatia são abordados com delicadeza na cinematografia dedicada de  Nora Twomey e do estúdio irlandês Cartoon Saloon. Com um estilo de animação de duas dimensões (2d) marcante e fluído além de sonoplastia única, a película tem qualidades técnicas impecáveis, sem contar as atuações de tirar o fôlego, recheadas com camadas de emoções complexas.

“A Ganha-Pão” é mais do que a jornada de uma menina em busca de seu pai. A trama carrega em si a resistência da vida nas ruínas de uma civilização. Parvana, com sua resiliência, torna-se a própria a rosa-do-deserto que insiste em florescer e mudar a paisagem com sua existência singular.

Ficha técnica

Diretor: Nora Twomey

Estúdios: Cartoon Saloon(Irlanda)/Aircraft Pictures (Canadá)/Melusine Productions (Luxemburgo)

Roteiro: Anita Doron (roteirista adaptadora) e Deborah Ellis (autora do livro original)

Produtores: Angelina Jolie e Mimi Polk Gitlin

Ano: 2017

Países: Irlanda/Canadá/Luxemburgo

*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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