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Atualizado em 4 DE dezembro DE 2011 ás 19:41

Gláucio Machado

Em entrevista, o doutor em Artes Cênicas e professor da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Gláucio Machado, fala sobre sua pesquisa sobre teatro como empreendimento, produção teatral e as principais dificuldades encontradas pelos grupos de teatro na atualidade

Por Adriana Santana*
asantana.cultura@gmail.com

Em entrevista, o doutor em Artes Cênicas e professor da Escola de Teatro da  Universidade Federal da Bahia (Ufba), Gláucio Machado, fala sobre sua pesquisa em desenvolvimento, Um certo olhar sobre a pré-encenação e a encenação: o espetáculo teatral como empreendimento político-econômico-social, sobre a produção teatral e as principais dificuldades encontradas pelos grupos de teatro na atualidade. Natural do Rio de Janeiro, há dez anos Gláucio atua profissionalmente na Bahia, tendo dirigido durante o período as peças Ubu Rei, Como Almodóvar e atuado em O Melhor do Homem.

Ciência e Cultura - Como os segmentos político, econômico e social se articulam na produção teatral, mais especificamente na Bahia?

Gláucio Machado – Estou na Bahia há 10 anos, então vou falar de uma situação recente. Parto do pressuposto de que se você quer realizar um espetáculo teatral, faz parte da natureza dessa realização buscar recursos físico-financeiros, seja num nível mais profissional, seja num núcleo familiar, por exemplo. Isso é do pilar das artes cênicas, mas a gente dentro de uma escola de Artes é que insiste em perceber apenas determinados aspectos da atividade das artes cênicas.

Ciência e Cultura - Poderíamos chamá-los de aspectos artísticos?

Gláucio Machado – Não gosto de chamar de artísticos, porque eu também estou sendo artista ao conversar com o diretor de uma empresa, eu nunca vou deixar de ser artista com ele. Mas diria aspectos relacionados ao trabalho do ator sobre a cena, ao trabalho do diretor na hora de construir a cena. Essa diferença é que eu acho uma pena, um grande erro para nós, que é o foco do meu projeto atual. O projeto final aponta pra isso: a gente está ensinando Artes Cênicas de um jeito errado. A gente precisa trazer conteúdos de gestão para o curso de Artes Cênicas. Eu não estou falando de Artes, mesmo porque não sou professor de escultura ou pintura, então realmente eu não posso falar sobre o ensino de outras áreas de Artes. Mas eu até imagino que uma pessoa que queira ser pintor, consegue ser pintor em casa, alguém que queira ser escritor, consegue se fechar em seu gabinete e produzir uma grande obra. Você não consegue fazer isso em teatro, então você depende de algum talento para essas questões físico-financeiras.

Ciência e Cultura - A questão da pesquisa é pensar o teatro a partir da gestão?

Gláucio Machado – O objetivo é pensar o teatro a partir do que ele é como atividade. Quando eu olho para a atividade teatro, o que eu vejo? Eu vejo um ator que tem o seu trabalho, mas eu vejo também alguém que pode ser o ator, o diretor ou outra pessoa que trabalhe para conseguir as coisas. É importante, nesse sentido, olhar o teatro não como atividade cultural, mas como atividade. Pra ele acontecer, o que eu preciso? Preciso de ator, diretor, cenógrafo, figurinista, às vezes eu posso dispensar um ou outro, mas o que eu não posso dispensar? Alguém que consiga as coisas.

Para o ator ou diretor seria importante que ele já tivesse feito discussões sobre gestão. Eu canso de sugerir aos alunos que corram para a Escola de Administração para cursar disciplinas, mas a gente nunca consegue, por uma distância que ainda existe entre as faculdades. Eu gostaria de encurtá-la. A tendência natural nesse projeto é me aproximar de conceitos administrativos.

Ciência e Cultura - Uma integração entre a Escola de Teatro e a Faculdade de Comunicação, que também estuda gestão cultural, seria importante nesse sentido?

Gláucio Machado – Fui co-orientador de uma estudante de Produção Cultural e acho essencial que a gente converse e que a gente deixe de ser separado. Talvez a grande diferença das grandes universidades mundiais para a Ufba é essa integração entre as escolas, pois é impressionante como lá fora os projetos são transdisciplinares e como isso é facilitado pelo ambiente da universidade. Em termos de pós-graduação isso está começando a acontecer, então alguns editais do Ministério da Ciência e Tecnologia estão estimulando que a proposta venha de dois grupos de pesquisa. Isso de alguma forma já é importante. Mas essa ideia da integração entre as escolas é primordial, senão a gente vira gueto e não conhece a outra pessoa. Aí começam a surgir comentários sobre os outros cursos. Ouço comentários de que o estudante de Produção Cultural não tem interesse de produzir teatro porque não dá dinheiro. Eu me questiono: será que isso acontece mesmo? E os comentários acontecem porque nós estamos separados. Essa percepção de que teatro não dá dinheiro é tão tacanha! O teatro pode não dar dinheiro no Brasil, pela situação que a gente tem hoje. Mas se você começa a perceber onde o teatro é mais maduro e onde começa a fazer uma aproximação forte com o cinema, você entra numa indústria que é poderosíssima, que começa no teatro. Um bom produtor de elenco no cinema está com o pé no teatro. Aquela percepção, portanto, é muito pequena e imediatista.

Ciência e Cultura - Um dos objetivos do projeto é fazer um registro das diferentes formas como os grupos de teatro têm se mantido no mercado profissional. Quais os resultados dessa investigação até o momento?

Gláucio Machado – Existe uma atenção ao grupo de teatro e em relação a sua sustentabilidade. Eu quero olhar para o grupo para perceber justamente isto: como ele consegue tornar o espetáculo teatral um evento sócio-político-econômico. Estou procurando esses espetáculos, quem são efetivamente eles. Nem todos os espetáculos são esses eventos. O que eu vejo de problema em relação ao teatro de Salvador é que a grande maioria dos espetáculos teatrais são eventos artísticos. Não conseguiram se inserir enquanto eventos sócio-político-econômicos. A pesquisa se iniciou agora, mas os resultados da pesquisa anterior, Encenação: práticas de ensino e caminhos para a sustentabilidade, podem ser vistos no artigo publicado pela revista O Teatro Transcende.

O artigo diz que cursos superiores de Interpretação e Direção Teatral, em geral, estão dentro de Institutos Superiores de Artes, logo, a sua volta, existem outras escolas de Artes. Você não está num ambiente de uma universidade, você está num Instituto Superior de Artes independente, como se fosse um conservatório de nível superior. O Brasil herdou uma tradição norte-americana e inglesa, de ter um curso de Direção e Interpretação na universidade. Isso é muito especial e a gente tem que saber aproveitar isso.

Um outro problema que eu aponto como resultado é que se a gente consegue fazer um profissional de artes cênicas se pensar como agente econômico-político-social, assim como é o espetáculo, ele deixa de entrar numa corrente migratória para o eixo Rio-São Paulo. Ele começa a fazer mercado aqui, porque o grande problema hoje é que a gente ainda tá preparando empregado. O ator e o diretor que saem dessa Escola ainda é muito mais preparado para encontrar alguém que vá empregá-lo, do que batalhar pelo projeto que ele quer fazer. E ele não encontra alguém que vá empregá-lo em Salvador, então vai ter que ir para Rio de Janeiro ou São Paulo. Se eu consigo preparar essa pessoa para se pensar como alguém que empreende no lugar onde está, eu consigo mudar a realidade teatral daquele lugar.

Ciência e Cultura - Você pensa então que o artista deve assumir o papel de produtor cultural?

Gláucio Machado – O artista de artes cênicas, sim. Historicamente, na mais profunda tradição das artes cênicas, o artista deve possuir um talento para conseguir produzir o que ele faz. O que eu tenho constatado cada vez mais no Brasil é que cada vez menos o produtor se interessa por artes cênicas. Cada vez mais o artista cênico se percebe tendo que pensar na produção. Mas isso não me parece ser estranho, porque quando você trabalha com um pintor, se ele te pede tintas, você como produtor tem como conseguir. O diretor muitas vezes não sabe do que precisa antes de começar a montar o espetáculo. A complexidade do fazer teatral acaba exigindo esse diálogo com o produtor. O diretor não deve esquecer essa sua atribuição. Não estou dizendo que a figura do produtor não é importante, estou pedindo o amadurecimento do ator e do diretor em relação aos conteúdos de produção, para que tenham um início de carreira mais promissora e para que consigam dialogar com o produtor.

Ciência e Cultura - Qual a metodologia utilizada? Quais os grupos investigados e como se deu essa escolha?

Gláucio Machado – Ainda não estou investigando os grupos. Minha investigação está sendo realizada durante os encontros nacionais, regionais e setoriais de cultura e durante encontros da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (Abrace). Esses são os meus fóruns como fonte de pesquisa. Dentro desses fóruns, verifico uma recorrência de procedimentos. Tento perceber que determinado grupo de um lugar tem um procedimento semelhante a um grupo de outro lugar. Os procedimentos recorrentes me interessam, pois a partir daí pretendo criar conteúdos para o curso de Artes Cênicas.

Ciência e Cultura - Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos grupos? O nível de profissionalização para lidar com as demandas, a falta de abertura do mercado local para experimentação e a falta de investimento no setor ainda preocupam?

Gláucio Machado – O acesso ao financiamento é complicado. A gente tem um problema em teatro: teatro é uma atividade deficitária por natureza, ele sempre gasta mais do que consegue arrecadar. O teatro que ganha mais que gasta diz respeito a um teatro mais popular. Você também não tem profissionalização quase nenhuma em Salvador. E a experimentação só acontece quando há subsídio. É por isso que a gente não tem nenhuma mostra de Arte Contemporânea. A universidade é um espaço de experimentação, além do Edital TCA Núcleo, do Teatro Castro Alves. A falta de oportunidades limita a qualidade do teatro.

Ciência e Cultura - Se em determinado momento, houve a preocupação em baratear produtos culturais, a fim de contribuir para a formação de público, hoje se questiona o seguinte: isso acostuma o público a não pagar pela cultura? O que você pensa a respeito?

Gláucio Machado – Entrada franca não forma público, só acostuma mal as pessoas. O nosso principal problema em Salvador é que a gente perdeu a noção de valor do evento de teatro. Se eu perguntar a alguém quanto custa a entrada de determinada peça, as respostas vão divergir muito. Nosso primeiro problema é que nossa plateia não tem mais noção de valor. E fazer campanhas de entrada franca só piora essa situação. O principal instrumento para recuperar isso são os canais de divulgação. É necessário aparecer nos principais canais para que se adquira o valor novamente, é necessário fazer um reposicionamento de marca do teatro. Primeiro é necessário fazer as pessoas saberem que o teatro existe e depois fazer com que ele esteja próximo da população, através da construção de novos centros culturais.

*Estudante de Produção Cultural da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom

http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/ultimas/pesquisa-indica-novas-perspectivas-para-o-estudo-de-artes-cenicas/

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