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Atualizado em 10 DE abril DE 2012 ás 17:15

Elizabeth Ramos

A professora do Instituto de Letras da UFBA e estudiosa de obras dos escritores William Shakespeare e Graciliano Ramos, argumenta sobre o que é Tradução Intersemiótica, e esclarece outras questões sobre a transição de obras literárias para o cinema.

POR EDVAN LESSA*
lessaedvan@gmail.com

“Capitães de Areia na literatura é uma obra de Jorge Amado e no cinema é uma obra de Cecília Amado”. Assim esclarece Elizabeth Ramos, Professora do Instituto de Letras da UFBA, ao falar sobre a tradução de obras literárias para o campo das imagens, e a possibilidade de produzir novos sentidos através dessa tentativa de transitar entre texto e ilustração. A pesquisadora argumenta sobre os conflitos atribuídos à transformação de livros em filmes, esclarecendo que uma adaptação de um campo para o outro não decorre da falta de criatividade do tradutor, mas sim de uma profunda habilidade crítica desse indivíduo. Desde 2011 Elizabeth Ramos dá continuidade ao trabalho iniciado em 2006, contemplando a análise da construção das relações de poder observadas em obras menos conhecidas de William Shakespeare traduzidas para o cinema contemporâneo.

Ciência e Cultura – O que é tradução intersemiótica?

Elizabeth Ramos - É a tradução que se dá entre meios sígnicos diferentes, como por exemplo, de uma obra literária (signo escrito) para o cinema (signo imagético).

Ciência e Cultura – Por que alguns especialistas reafirmam o emprego do termo tradução em detrimento da palavra adaptação, que é amplamente difundida?

Elizabeth Ramos - Tradução intersemiótica e adaptação são termos afins. O que ocorre é que, até a década de 50 do século XX, aplicava-se o termo tradução à transformação de um texto escrito em uma língua, para outro texto escrito em outra língua. Como a relação entre literatura e cinema sempre existiu, as releituras de obras literárias na linguagem cinematográfica constituíam o que se chamava adaptação, terminologia que até hoje é também aplicada.

Professora Elizabeth Ramos, em entrevista veiculada pela UNIVESP TV.

Ciência e Cultura – O uso do termo adaptação para designar tradução intersemiótica, implica em que tipos de conflitos?

Elizabeth Ramos - No caso específico da tradução entre literatura e cinema, é preciso que se considere um aspecto central: trata-se de duas artes distintas, cada uma com suas especificidades, como por exemplo, o fato de que o livro é escrito por um autor, dentro do tempo que lhe é necessário e/conveniente, e o filme envolve uma equipe de profissionais que trabalha para concluir o trabalho dentro de um tempo limitado, particularmente, em face dos custos de uma produção cinematográfica. É preciso, ainda, que se leve em consideração que a tradução intersemiótica poderá implicar a recriação de uma obra literária com, digamos, 280 páginas, em um filme de uma hora e quinze minutos, implicando necessidade de operações como subtração de cenas, alteração da ordem dos acontecimentos, dentre várias outras.

Ciência e Cultura – O texto pode ser traduzido de diversas maneiras ou há um limite para que a tradução intersemiótica ocorra?

Elizabeth Ramos - O limite é a capacidade interpretativa do diretor/roteirista, que recriará na sua obra cinematográfica as cenas, os personagens, os locais de acordo com sua interpretação.

Ciência e Cultura – O tradutor só é aquele que se apropria do texto para representá-lo de maneira não-verbal, ou um escritor também é um tradutor quando utiliza outro texto como referência para escrever o seu?

Elizabeth Ramos - Todo texto resulta de diálogos com outros textos, isto é, todo texto é construído a partir da singularidade daquele que o tecem de suas leituras, de sua visão de mundo, de sua história… É essa certeza que nos leva a descartar a idéia do “original” para se referir a uma obra da qual o tradutor parte, para construir o novo texto literário, fílmico ou de outra natureza.

Ciência e Cultura – A participação da intersemiótica está presente dentro de acontecimentos culturais da nossa atualidade. E só nos demos conta disso há apenas algumas décadas, quando ela foi difundida.

Elizabeth Ramos - O termo tradução intersemiótica foi cunhado pelo linguista russo Roman Jackobson, na década de 50 do século XX, quando concluiu que essa é mais uma modalidade de tradução além da tradução intralingual (entre textos de uma mesma língua) e da tradução interlingual (entre textos de línguas diferentes).

Ciência e Cultura – Você acha que grande parte das traduções intersemióticas decorre de uma falta de criatividade dos autores?

Elizabeth Ramos - Ao contrário, as traduções intersemióticas revelam uma incrível capacidade criativa dos diretores, roteiristas, escritores, desenhistas… Afinal, não podemos ignorar o fato de que a ressignificação de uma obra de arte requer, acima de tudo, profunda capacidade crítica, para que haja deslocamentos de tempo, espaço, pontos de vista.

Ciência e Cultura – Há maior dificuldade em transpor uma obra que permite diversas interpretações ou aquelas nas quais o autor é mais subjetivo?

Elizabeth Ramos - Toda obra literária permite diversas interpretações, inclusive quando o tradutor relê uma tradução já feita. Como no caso do filme Vidas Secas, do diretor Nelson Pereira, baseado na obra do escritor Graciliano Ramos, há diversas releituras feitas por estudantes, não da obra, mas do filme. Nesse caso, fala-se que o tradutor é um traidor porque cada um faz a sua leitura, construindo o cenário, personagem e seu filme. Mas há um limite para as interpretações. Como quando uma pessoa diz que é Jesus Cristo, por exemplo. A capacidade de interpretação se distingue na loucura.

Ciência e Cultura – Sobre as recentes traduções de livros o que a senhora pode comentar?

Elizabeth Ramos - A relação entre literatura e cinema continua bastante próxima. No entanto não dá para confundir as duas áreas. Capitães de Areia, por exemplo, na literatura é uma obra de Jorge Amado e no cinema é uma obra de Cecília Amado. Não dá para comparar as duas. São épocas diferentes e momentos diferentes, e mesmo que o público se reconheça não se pode esperar a mesma recepção. É a mesma obra, mas recebida de maneira diferente.

Ciência e Cultura – A intersemiótica se ocupa, afinal, de entender as traduções apenas depois que elas ocorrem, ou antes, também?

Elizabeth Ramos - Antes e depois, porque quando alguém está lendo uma obra, a tradução já começa a ser feita. Mas apenas depois que ela ocorre é possível saber se o vínculo com a obra inicial foi mantido.

*Edvan Lessa é estudante de Comunicação-Jornalismo da Faculdade de Comunicação, na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura -UFBA.

Um comentário a Elizabeth Ramos

  1. Vera Trindade disse:

    Excelente trabalho! Parabenizo a Profª, Doutora Beth Ramos, que me fez reler o mundo, quando das suas aulas de Literatura Anglófona. Abraço saudoso, mestra!
    Da sua eterna aluna.

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