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Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
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Atualizado em 14 DE junho DE 2013 ás 21:53

Clebemilton Nascimento

Clebemilton Nascimento é graduado em Letras com Inglês. Atraído por uma necessidade de estudar questões relacionadas a gênero, e se sentindo preso ao ambiente restrito imposto por Letras, para a discussão desses interesses, resolveu se refugiar no NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da UFBA). Lá encontrou o espaço que precisava para tratar com mais liberdade sobre um tema que lhe agrada, a mulher. Especializou-se em Metodologia e Prática de Ensino em Gênero, lecionou em algumas disciplinas, e também se tornou mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo com a pesquisa Entrelaçando corpos e letras: representações de gênero no pagode baiano. Dissertação que em 2012 foi publicada pela EDUFBA com o título Pagodes baianos: entrelaçando sons, corpos e letras. E é nesse ambiente de interseção entre gênero e musicalidade que ele fala sobre o pagode baiano.

EMILE CONCEIÇÃO* ÉMILLE CERQUEIRA** JÉSSICA CHAGAS***
ej_jornalista@hotmail.com

Foto: Daniel Silveira

Foto: Daniel Silveira

Agência de Notícias – Sua pesquisa sobre as relações de gênero presentes nas letras de pagodes baianos foi pioneira na temática. Por que, mesmo sem possuir formação musical e sem ter um outro trabalho de pesquisa para se basear, você escolheu essa linha de pesquisa?

Clebemilton Nascimento – Eu estava interessado em estudar a linguagem e sua intersecção com a cultura, então eu escolhi a música por ser um campo ainda pouco explorado, principalmente a partir do viés das relações de gênero. Queria tentar compreender os processos pelos quais a mulher passa a ser a temática mais explorada pelos compositores das letras de pagode, não estava interessado na origem, mas nas trocas e trânsitos, nas mediações e midiatização que possibilitaram sua formação enquanto produto cultural contemporâneo. Meu interesse era compreender as
representações da mulher, forjadas pelos compositores, a propósito, todos homens.

Agência de Notícias – Percebe-se que o seu discurso acerca do pagode baiano foge do preconceito presente no censo comum. Qual a visão que você tem acerca do pagode baiano?

Clebemilton Nascimento – Essa definitivamente não é uma música para contemplação, as pessoas não conseguem entender isso. O pagode é, acima de tudo, uma “forma de comunicação” de jovens negro-mestiços e está inserido em um amplo processo de inscrição, reconstrução e manutenção das expressões culturais das margens, vozes que, de alguma maneira, rompem a narrativa do sujeito colonial. Obviamente que há um esvaziamento político das letras, mas o fato é que a entrada das atuais bandas de pagode no cenário musical contemporâneo aconteceu através de um discurso conservador, uma reação antifeminista extremamente perigosa cujo efeito danoso foi ganhando força e se traduz em várias formas de violência, impactando principalmente nas mulheres, nos homossexuais e naqueles sujeitos à margem dos discursos hegemônicos.

Agência de Notícias – Após a conclusão de sua pesquisa e o lançamento do livro Pagodes baianos: entrelaçando sons, corpos e letras, você já verificou mudanças nas opiniões contrárias ao pagode? Ou pelo menos uma visão menos preconceituosa em relação ao estilo musical?

Clebemilton Nascimento – É difícil mensurar a recepção da pesquisa. O que posso afirmar é que todo o esforço da publicação foi de apresentar uma leitura que rompe com uma visão rasteira e preconceituosa sobre o pagode da Bahia e especialmente busca compreender as relações de poder forjadas na sua trama. Busco uma via de entendimento, sem juízos e de valor, construída a partir de suas condições de produção. Em minha opinião, achar que faço uma crítica, com o objetivo de desqualificar, demonstra um preconceito velado e principalmente um desconhecimento da sociedade híbrida na qual estamos inseridos.

Agência de Notícias – Visto que a Bahia é uma terra tão musical e o pagode baiano é um estilo que vem crescendo muito, em sua opinião, porque o tema é tão pouco abordado nas universidades, principalmente as baianas?

Clebemilton Nascimento – Eu diria que de modo geral a música não é uma prioridade, um objeto de destaque nos Estudos Culturais, nem tão pouco nos estudos de gênero e suas intersecções com outros marcadores sociais nas universidades brasileiras. Conhecemos muito pouco sobre esse tema, sobre esses sujeitos e acho que ainda não aprendemos a fazer análises que articulem as categorias de classe, raça/etnia, gênero e sexualidades com as questões da cultura, seja no âmbito das Ciências Sociais como em outros campos. Quando iniciei minha pesquisa eu parti do nada, não havia nenhum estudo mais vertical sobre o assunto. Nos últimos anos venho observando um interesse maior de jovens pesquisadores pelo tema e no surgimento de dissertações e teses.

Agência de Notícias – Na pesquisa, Entrelaçando corpos e letras: representações de gênero no pagode baiano, você trata o pagode como um produto de cultura híbrido. Por quê?

Clebemilton Nascimento – O pagode baiano é híbrido na medida em que se conecta com outros ritmos negros de outras culturas como o funk, o Hip Hop, o Rap, está tudo misturado, hibridizado. Enfim, o pagode produzido na Bahia é heterogêneo, cada grupo produz a sua batida própria, e as letras são produzidas a partir de refrões de fácil assimilação que são repetidos para que todos aprendam.

Agência de Notícias – Ainda na pesquisa você fala que no pagode as mulheres não têm voz ativa nas letras das músicas, nem compondo, nem cantando. Elas somente traduzem o que os homens cantam através das coreografias. Elas são as dançarinas, como a Carla Perez (mencionada na pesquisa). Em relação às bandas, está faltando espaço para a mulher no pagode?

Clebemilton Nascimento – A mulher é “protagonista” nas narrativas das composições de pagode, elas são as principais consumidoras dessa música, mas elas não produzem repertório, não há mulheres compositoras, autoras e intérpretes de músicas de pagode. Não há espaço para elas se (auto) representarem. Estou falando de lugar de fala, de espaço para emergir outros discursos, seja de contestação, seja subvertendo uma ordem sexual, racista e patriarcal posta sobre a hegemonia masculina, trata-se da própria existência de um espaço para produção de discursos.

Agência de Notícias – Na pesquisa você traz uma definição, mais abrangente, do termo piriguete, correlacionado com o perfil de uma mulher inserida em uma sociedade contemporânea. Você poderia explicar melhor essa definição?

Clebemilton Nascimento – Piriguete é um termo que nasce como uma variação de puta, inicialmente estava associada à mulher pobre, negra, frequentadora dos shows e espaços do pagode. Atualmente, ela é uma forma, digamos mais palatável, de nomear a mulher sexualmente livre e independente, dona dos seus desejos, que circula nos circuitos do pagode e carrega uma ambiguidade, que ora é admirada ora desqualificada, desvalorizada. As piriguetes do pagode representam uma ameaça aos homens de hoje que não aprenderam a conviver com a mulher livre e independente.

Agência de Notícias – Qual a sua opinião em relação à lei nº 19.137/2011, popularmente chamada de lei antibaixaria?

Clebemilton Nascimento – A propósito, um nome extremamente infeliz e problemático porque deixa evidente um sentido negativo, remetendo a um julgamento de valor, de “baixa cultura” ou “cultura da baixaria”. Evidencia um discurso dicotômico e hierarquizador, marcado pela tentativa de apagamento do Outro colonial, pelo estereótipo de jovens negros, pobres, favelados e que produzem uma cultura “degradante”, além de representar uma ideologia classista e racista, conforme a análise dos discursos que constroem as representações dos grupos de pagode, no universo da música-comercial na Bahia. Evidentemente que a lei não resolverá o problema da violência simbólica de gênero, assim como a lei Maria da Penha não impediu que a violência contra a mulher chegasse a índices alarmantes no nosso país. A lei enquanto mecanismo de controle da liberdade de ir e vir, bem como de controle e aplicação do dinheiro público é legítima, mas como já deixei claro, precisa ser amadurecida e aprofundada em um debate mais qualificado.

Agência de Notícias – O que você acha dos protestos feministas acerca da temática: pagode baiano X desqualificação da mulher?

Clebemilton Nascimento -Eu não vejo como uma revolta, uma guerra declarada. Acho que os meios de comunicação, e especialmente um tipo de mídia sensacionalista e irresponsável, contribuiu para botar fogo nessa fogueira que coloca de um lado as feministas como inimigo número um do pagode e do outro, as bandas de pagode, os grandes vilões, na berlinda. O que efetivamente existe é uma reação cada vez mais forte de grupos e organismos feministas, uma reação e uma resposta, legítima, e que está preocupada em romper com o ciclo da violência de gênero contra a mulher; seja ela simbólica através de xingamentos, ofensas, agressões, com uma cultura do estupro, da impunidade e que, infelizmente, vai encontrar em determinadas músicas de pagode espaço para disseminação e reprodução desses discursos. Não podemos aceitar que muitas mulheres sejam privadas de direitos, tendo suas vidas controladas por homens, apanhando, sofrendo abusos.

Agência de Notícias – Você acha que essas músicas de pagode impõem uma relação de poder do homem sobre a mulher?

Clebemilton Nascimento – Evidente que sim, porque a letra em seu processo de enunciação expressa um controle sobre o corpo e o comportamento sexual da mulher, reforça lugares de dominação e submissão, produz representações machistas. Mas não podemos simplesmente colocar a culpa no pagode. O pagode é uma expressão da própria cultura que é machista e sexista.

Agência de Notícias – Por que, em sua opinião, as mulheres gostam tanto das músicas de pagode que, em sua maioria, as desqualificam?

Clebemilton Nascimento – Na nossa cultura híbrida, de base afro-baiana, o corpo, a sexualidade tem um significado diferente, não é colocado como um tabu como na visão judaico cristã. Como coloca Muniz Sodré, o samba é o dono do corpo, ele é quem manda. Quem resiste a um ritmo que contagia? O pagode está presente na nossa experiência enquanto povo, nação e hoje caiu no gosto da classe média, ainda que tão somente para desdenhar. Para muitas mulheres a letra pouco importa, pois fica subsumida ao ritmo que envolve e contagia. Muitas outras constroem nesse espaço uma via de subversão.

*Graduanda de Comunicação/ Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e estagiária da Agência de Notícias em Ciência e Cultura/ UFBA.

** Graduanda de Comunicação/ Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e estagiária da Cipó Comunicação Integrada.

*** Graduanda de Comunicação/ Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e estagiária da Assessoria de Comunicação dos Correios.

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